Financiamento,
transição e adaptação são
centro das negociações
Delegações
de 194 países se reúnem para debater emergência
climática
10/11/2025 PEDRO RAFAEL
VILELA - ENVIADO ESPECIAL – Belém - A partir
desta segunda-feira (10), Belém passa a ser a capital
temporária do Brasil, mas será principalmente
o centro mundial das negociações sobre mitigação
e adaptação frente às mudanças
climáticas, e os investimentos necessários
para atingir esses objetivos. A 30ª Conferência
das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(UNFCCC, na sigla em inglês) prossegue até
o próximo dia 21 de novembro. Realizada pela primeira
vez na Amazônia - bioma com a maior biodiversidade
do planeta e um regulador do clima global -, a COP30 tem
o enorme desafio de recolocar o tema das mudanças
climáticas no centro das prioridades internacionais.
Delegações
de 194 países mais a União Europeia (UE) se
inscreveram para participar, segundo informações
da presidência da COP30. A capital paraense estima
receber mais de 50 mil visitantes, entre negociadores diplomáticos,
observadores, cientistas, representações de
governos, organizações da sociedade civil
e movimentos sociais.
O evento ganhou impulso,
nos últimos dias, com a realização,
também em Belém, da Cúpula do Clima,
com a presença chefes de Estado, de governo e representantes
de alto nível de cerca de 70 países. Anfitrião,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscou engajar
as nações em torno do consenso para ações
práticas que possam frear o risco iminente de o planeta
passar a conviver de forma permanente com temperaturas 1,5ºC.
"A COP30 é
a COP da verdade", destacou o líder brasileiro,
que reafirmou, em diferentes momentos, a urgência
da necessidade de financiamento para adaptação
e transição energética, de se afastar
de forma planejada e acelerada da dependência dos
combustíveis fósseis.
"A cúpula de
líderes foi bastante positiva porque tocou num ponto
que é fundamental, quando a gente discute clima,
que é o fim do uso de combustíveis fósseis.
O presidente Lula disse que quer ver, no fim da conferência,
os países acordando um mapa do caminho, uma espécie
de roteiro de como a gente vai fazer a transição,
porque ela não vai acontecer da noite para o dia.
Como essa transição
vai acontecer? Quais países começam primeiro?
Qual é a linha de tempo disso, o tamanho do esforço,
quanto de financiamento? Esse recado foi fundamental",
afirma à Agência Brasil o secretário
executivo da Observatório do Clima, Márcio
Astrini. O Observatório do Clima é uma rede
da sociedade civil brasileira, com mais de 130 integrantes,
entre organizações ambientalistas, institutos
de pesquisa e movimentos sociais para debater e pressionar
por ações de mitigação e adaptação
à crise climática.
Reprodução/Tãnia
Rêgo/ABR
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O uso de combustíveis
fósseis, como petróleo e carvão, representa
75% das emissões de gases que causam o efeito estufa
e aumentam a temperatura do planeta, segundo dados da plataforma
Climate Watch. Em seguida, aparecem agricultura (11,7%),
resíduos (3,4%), processos industriais (4%), desmatamento
e mudanças de uso da terra e das florestas (2,7%).
Conjuntura desafiadora
Apesar desse quadro, a urgência da agenda climática
nunca esteve tão em xeque, em meio a conflitos armados
persistentes, a saída dos Estados Unidos (EUA) do
Acordo de Paris - com retorno da postura negacionista sobre
o tema -, e até um repique no aumento das emissões
de gases de efeito estufa ocorrido ano passado, especialmente
por causa das emissões de CO2, o principal poluidor
da atmosfera.
Até o momento, menos
de 80 países atualizaram suas Contribuições
Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês).
As NDCs são metas de mitigação, ou
seja, compromissos adotados pelos países para redução
de emissões de gases de efeito estufa, e foram implementadas
desde o Acordo de Paris, há exatos 10 anos. Juntas,
as NDCs publicadas respondem por 64% das emissões
globais. Entre os países que mais emitem esses gases,
EUA (antes da posse de Donald Tump), China e União
Europeia apresentaram suas metas, mas a Índia, terceira
maior emissora, ainda não entregou. Países
que representam mais de um terço das emissões
globais seguem sem atualizar seus compromissos.
"A gente não
sabe o que os países prometeram fazer, porque eles
não entregaram essas promessas. Então, você
esperava que eles apresentassem ali durante a cúpula,
pelo menos alguns deles, mas as promessas não vieram
e isso daí foi um lado muito ruim", critica
Márcio Astrini.
Em sua décima e última
carta à comunidade internacional, divulgada no sábado
(9), o presidente-designado da COP30, embaixador André
Corrêa do Lago, fez um chamado aos países para
que Belém se torne "um ciclo de ação"
no enfrentamento da crise climática. Para o embaixador,
este é o momento de implementar uma agenda de mudanças
focada na união e na cooperação.
Ao longo do último
ano de preparação, uma série de discussões
prévias buscou alinhar a convergência entre
os países, como a Conferência de Bonn, em junho,
na Alemanha, e a Pré-COP, em Brasília, realizada
no mês passado. Vale lembrar que os pactos nas COPs
são por consenso entre as 198 partes da Convenção
do Clima e do Acordo de Paris, o que torna o processo negociador
extremamente complexo.
Adaptação
e transição
Na avaliação de negociadores, três temas
deverão guiar as negociações da conferência:
adaptação climática, transição
justa e a implementação do Balanço
Global do Acordo de Paris (GST, na sigla em inglês).
A adaptação
se refere à forma como cidades e territórios
devem se preparar para lidar com eventos climáticos
extremos, como o tornado que destruiu Rio Novo do Iguaçu,
no interior do Paraná. Nesse caso, a COP30 deve definir
indicadores para o Objetivo Geral de Adaptação
Climática, uma forma de medir o progresso dos países.
O tema da transição
justa deve ganhar um programa de trabalho oficial na estrutura
da COP, com diretrizes para a implementação
de políticas que atendam às pessoas impactadas
pela transição rumo a economias de baixo carbono.
Nesse caso, somado ao tema da transição energética,
a meta é criar condições para que trabalhadores
impactados pelas transformações em setores
poluidores, por exemplo, tenham condições
de atuar em novas áreas da economia.
A outra prioridade é a implementação
do Balanço Global do Acordo de Paris. O primeiro
foi há dois anos, na COP28, em Dubai, e apresentou
uma série de recomendações para orientar
os países na superação dos desafios
da mudança do clima e no combate ao aquecimento global.
Financiamento
Além de todas as questões práticas
está o gargalo do financiamento, sem o qual a guinada
necessária para que o planeta possa consolidar uma
economia de baixo carbono será inatingível.
Essa é a principal armadilha nas negociações
da COP30, avalia Márcio Astrini, do Observatório
do Clima.
"Os países ricos,
há muito tempo, prometeram que iriam colocar dinheiro
em cima da mesa. Eles são os que mais devem dentro
dessa conta do clima e prometeram financiar uma saída
para que os países pudessem ali se desenvolver, sem
perder sua economia, sem gerar pobreza, implementando novas
tecnologias. Só que o dinheiro prometido para fazer
essa transição nunca apareceu, na verdade.
E isso gerou uma crise de confiança, que piorou na
última conferência do clima [a COP29, em Baku,
no Azerbaijão]".
Para tentar impulsionar
a resolução desse problema, foi apresentado
um plano estratégico com o objetivo de viabilizar
US$ 1,3 trilhão por ano de financiamento climático.
Elaborado pelas presidências da COP29 e COP30, o documento
batizado de "Mapa do Caminho de Baku a Belém"
foi apresentado na última semana para tentar dar
contornos mais concretos sobre como materializar esses recursos.
Na agenda de ação brasileira, um dos instrumentos
financeiros prioritários é o Fundo Florestas
Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês).
Lançado na última quinta-feira (6) durante
a Cúpula do Clima, o projeto conta com aportes prometidos
de mais de US$ 5,5 bilhões para financiar a manutenção
e proteção das florestas tropicais presentes
em cerca de 70 países. Ao menos 20% desses recursos
deverão ser destinados a comunidades tradicionais
e povos indígenas.
Sociedade civil
Se o resultado das negociações da COP30 ainda
são incertos, a conferência certamente será
marcada por uma exuberante participação da
sociedade civil brasileira e internacional. Muito além
da Zona Azul (Blue Zone), onde ocorrerão os eventos
oficiais e o acesso é restrito a negociadores e pessoal
credenciado, uma série de atividades espalhadas por
toda a cidade pretende mobilizar a atenção
em torno de diversas facetas da questão climática.
O epicentro será a Zona Verde (Green Zone), a área
pública da COP30, de entrada gratuita, que também
fica no Parque da Cidade, em Belém.
O espaço é
administrado pelo governo federal, mas sociedade civil,
instituições públicas e privadas, comunidades
tradicionais, juventude e demais atores não governamentais
poderão se conectar, dialogar e apresentar projetos
de tecnologia e inovação em soluções
para a crise climática. É também um
espaço de convivência e lazer gratuito par
a população. No Pavilhão do Círculo
dos Povos, por exemplo, povos indígenas, comunidades
tradicionais, pequenos agricultores e outras populações
consideradas essenciais na proteção dos biomas,
terão uma extensa agenda. A COP30 deverá receber
a maior mobilização indígena da história
de todas as outras edições, com mais de 3
mil pessoas.
"Clima não é
conversa de ambientalista ou de diplomata. Clima tem a ver
com o nosso dia a dia - quando sobe o preço do café,
por exemplo, é porque a safra, o plantio, teve prejuízo
no Brasil, na Indonésia, no Vietnã, por questões
climáticas. Quando a gente tem a tarifa vermelha
[na conta de luz], é porque não choveu direito
no local certo, as hidrelétricas não foram
abastecidas, a energia ficou mais cara. Clima é uma
coisa que tem a ver com o nosso prato de comida, com o nosso
dia a dia", diz Márcio Astrini, ao celebrar
a ampla participação social prevista nesta
COP.
"Essa já é
a COP vitoriosa, porque o fato de ser realizada no Brasil
movimentou diversos setores, muitos deles que nunca tinham
conversado, se aproximado da agenda de clima, pessoal da
religiosidade, do movimento negro, nós tivemos juízes,
a área da saúde, da educação,
são muitos movimentos que foram ficando mais próximos,
mais íntimos do problema, se apropriando mais da
agenda do clima".
Outro grande destaque em
Belém será a Cúpula dos Povos, de organização
autônoma dos movimentos sociais, que começa
na quarta-feira (12) na Universidade Federal do Pará
(UFPA). Uma barqueata no Rio Guamá, que banha a capital
paranese, deve dar início à mobilização.
O evento vai reunir movimentos sociais, indígenas,
quilombolas e ribeirinhos de mais de 62 países para
discutir uma transição justa do clima. No
sábado (15), uma grande marcha dos povos pelas ruas
de Belém também está prevista.
"Em todas as COPs,
saíram acordos que não foram cumpridos na
sua totalidade. O que precisamos é que esses acordos
firmados, de fato, sejam efetivados e cumpridos. E chamar
quem de fato lida com a proteção territorial,
a preservação e a conservação
para a mesa de negociação. De igual para igual",
afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Sobre a COP 30
A COP 30 (30ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas) realizada
em 2025, na cidade de Belém, no estado do Pará,
marca a primeira vez que o evento acontece na Amazônia.
Essa conferência reúne líderes mundiais,
cientistas, ativistas e representantes da sociedade civil
para discutir e negociar ações globais voltadas
ao combate das mudanças climáticas. O encontro
é especialmente simbólico por ocorrer em uma
região que desempenha papel crucial na regulação
do clima do planeta, já que a Floresta Amazônica
é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo.
A realização da COP 30 no Brasil representa
uma oportunidade para o país mostrar seu compromisso
com a preservação ambiental, a transição
energética e o desenvolvimento sustentável,
além de dar voz aos povos da floresta e às
comunidades locais que vivem os impactos diretos da crise
climática.
Da Agência Brasil
Fotos: Reprodução/Tânia Rêgo/Agência
Brasil