Especialistas
avaliam impasses e avanços nas negociações
da COP30
Agenda
de ação deve ser fechada
08/11/2025 – PEDRO
RAFAEL VILELA - ENVIADO ESPECIAL – Belém -
A primeira semana da 30ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30),
em Belém, está chegando ao fim com aumento
da expectativa sobre os avanços nas negociações
entre as partes. Representantes de 194 países buscam
consenso em temas delicados como financiamento para ações
climáticas, parâmetros de adaptação
e formas de implementar e monitorar as metas de redução
de emissões de gases que causam o aquecimento global.
Neste sábado (15),
grupos negociadores precisam fechar os textos, que serão
submetidos, na semana que vem, a ministros de primeiro escalão
designados pelos governos de países que fazem parte
da convenção, para o fechamento de possíveis
acordos finais.
Entre os itens que ainda
não entraram na Agenda de Ação desta
COP, mas que foram destacados para consulta ao longo da
semana, está o artigo 9.1 do Acordo de Paris, que
trata da obrigação dos países desenvolvidos
garantirem financiamento aos países em desenvolvimento.
Na COP29, o valor do financiamento climático ficou
definido em US$ 300 bilhões anuais, considerado muito
insuficiente.
As presidências da
COP30 e COP29 chegaram a formular uma proposta para mobilizar
recursos de até US$ 1,3 trilhão ao ano, mas
não é certo que compromissos nessa escala
avancem nesta edição da conferência.
Outro tema em disputa se refere ao relatório síntese
das Contribuições Nacionais Determinadas (NDCs),
que incluem as metas de mitigação de emissões.
O conjunto dessas metas ainda é considerado tímido.
Segundo cientistas, seria preciso reduzir 5% ao ano as emissões
pelos próximos anos, começando de forma imediata.
Ocorre que essas emissões
podem até crescer 1% este ano em relação
a 2024. No ritmo atual, a meta de aumento da temperatura
para no máximo 1,5º C em comparação
a níveis pré-industriais não apenas
seria ultrapassada, como elevaria a temperatura do planeta
muito acima dos 2ºC, cenário considerado catastrófico.
Reprodução/Bruno
Peres/ABR
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"A lacuna não
pode continuar como está, acreditando que isso é
algo que pode ocorrer lenta e linearmente, quando na realidade
é preciso avançar muito, muito rápido.
Em primeiro lugar, é preciso seguir a ciência
em termos do que precisa acontecer ano a ano. Assim, no
próximo ano, as emissões globais precisam
passar de um aumento de 1%, que é a projeção
atual para 2025, para uma redução de 5% no
próximo ano", enfatizou o cientista sueco Johan
Rockström, do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre
Impacto Climático.
Segundo ele, isso se traduz
em 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono
que precisam ser removidas da economia global. Rockström
e um grupo de outros 8 cientistas, incluindo o climatologista
brasileiro Carlos Nobre, divulgaram uma carta nesta sexta-feira
(14) com muitos alertas aos negociadores e à sociedade
civil.
Não há tempo
a perder nesse processo de mitigação e transição
para longe dos combustíveis fósseis, responsáveis
por 75% do problema do aquecimento global.
"Já alteramos as regras com o aquecimento global,
o que significa que, num futuro próximo, veremos
um aumento na frequência de eventos extremos, bem
como na intensidade e persistência, podendo inclusive
levar a efeitos cumulativos. Ou seja, múltiplos eventos
extremos atingindo diferentes locais simultaneamente, o
que pode impactar pessoas em todo o mundo. E só para
dar um exemplo, espera-se que nossas crianças enfrentem
ondas de calor seis vezes maiores do que seus avós",
apontou Ricarda Winkelmann, diretora do Instituto Max Planck
de Geoantropologia, na Alemanha.
Evolução das
negociações
Entidades da sociedade civil que acompanham de perto as
negociações apontaram certo otimismo com a
possibilidade da COP progredir justamente no tema do afastamento
dos combustíveis fósseis.
"Começou a nascer
uma coalizão de países que não existia
na semana passada, que está fazendo emergir essa
ideia da sinalização política, justamente
dos mapas do caminho da transição. Então
isso é muito bom", afirmou Natalie Unterstell,
do Instituto Talanoa.
"Vimos avanços
no debate sobre a transição energética,
no reconhecimento da urgência de proteger florestas
tropicais e na consolidação dessa visão
de longo prazo. O desafio agora é transformar esse
impulso inicial em decisões claras e coerentes, capazes
de orientar uma ambição real até o
fim da conferência", apontou Mauricio Voivodic,
diretor executivo do WWF-Brasil, em tom otimista.
André Guimarães,
diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam), destacou ritmo acelerado de negociações
e a importância de avançar nas discussões
sobre redução de combustíveis fósseis.
"Há uma expectativa
muito grande para a próxima semana e espero que realmente
alguns aspectos importantes dessa negociação
avancem, em especial a questão dos fósseis.
Obviamente que há países divergentes como
a Arábia Saudita, mas o importante é que o
Brasil apresentou essa agenda e ela está sendo validada
por alguns países importantes", observou.
Pelo menos 23 países aderiram até agora ao
compromisso informal de abandono gradual dos combustíveis
fósseis, na linha defendida pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva durante a Cúpula do Clima,
na semana passada. Entre eles estão Reino Unido,
Alemanha, União Europeia e Colômbia.
Adaptação
sob suspense
Um tema que segue em impasse é o da Meta Global de
Adaptação (GGA, na sigla em inglês).
Esse compromisso, estabelecido ainda no Acordo de Paris,
em 2015, visa aprimorar a capacidade de adaptação
e fortalecimento da resiliência para minimizar os
impactos das catástrofes humanas e ambientais causadas
pelas mudanças do clima no planeta.
No debate atual da COP,
as partes tentam chegar a um consenso sobre 100 indicadores
globais de adaptação, ponto de partida para
indicar se os países estão avançando
nas ações de adaptação e resiliência.
Porém, segundo observadores que acompanham as negociações,
o Grupo Africano, que representa 54 países do continente,
tem defendido estender o trabalho técnico por mais
dois anos e postergar a decisão final para 2027.
Essa proposta preocupa países e observadores porque
pode atrasar a definição das metas.
"Eu espero que ainda
seja possível avançar, porque esse tema é
fundamental. A gente sabe o que aconteceu no Rio Grande
do Sul, no ano passado, e o que acaba de acontecer lá
no Paraná, enfim, todo o sul do país. Então,
não dá para adaptação esperar.
E a proposta do Grupo Africano é atrasar esse assunto
por dois anos. Então, eu acho que vai estar na mão
dos ministros", sinalizou Natalie Unterstell.
"Se a adoção
formal dos indicadores da GGA atrasar, isso poderá
desacelerar ações e investimentos, o que gerará
frustração para os países mais vulneráveis
aos impactos das mudanças climáticas. Se as
diretrizes do Artigo 6.4 [Acordo de Paris] não corrigirem
o rumo dos padrões já adotados e não
fornecerem salvaguardas para o trabalho técnico do
próximo ano, as soluções baseadas na
natureza podem acabar sendo excluídas do mecanismo
na prática, com efeito dominó sobre outros
mercados", argumentou Florence Laloë, diretora
sênior global de políticas climáticas
da Conservação Internacional.
Segundo ela, isso retiraria uma fonte essencial de financiamento
para a natureza e para as pessoas que dependem dela.
Sobre a COP 30
A COP 30 (30ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas) realizada
em 2025, na cidade de Belém, no estado do Pará,
marca a primeira vez que o evento acontece na Amazônia.
Essa conferência reúne líderes mundiais,
cientistas, ativistas e representantes da sociedade civil
para discutir e negociar ações globais voltadas
ao combate das mudanças climáticas. O encontro
é especialmente simbólico por ocorrer em uma
região que desempenha papel crucial na regulação
do clima do planeta, já que a Floresta Amazônica
é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo.
A realização da COP 30 no Brasil representa
uma oportunidade para o país mostrar seu compromisso
com a preservação ambiental, a transição
energética e o desenvolvimento sustentável,
além de dar voz aos povos da floresta e às
comunidades locais que vivem os impactos diretos da crise
climática.
Da Agência Brasil
Fotos: Reprodução/Bruno Peres/Agência
Brasil