Entenda
por que povos defendem acesso direto a financiamento climático
Diferentes
comunidades cobram que protagonismo seja reconhecido
18/11/2025 – FABÍOLA
SINIMBÚ - ENVIADA ESPECIAL – Belém -
A intensa participação social na 30ª
Conferência das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas (COP30) evidenciou demandas
populares que ganham cada vez mais espaço na Agenda
de Ação da conferência, como é
o caso do acesso direto a financiamento climático.
Desde que o Brasil foi anunciado
como país sede da conferência, povos indígenas,
afrodescendentes, ribeirinhos e tantos outros povos tradicionais
questionam a ausência de representatividade nas negociações,
por meio de documentos formais e manifestações
que eclodiram na única tentativa de furar o bloqueio
de segurança da ONU em Belém.
Na avaliação
da vice-presidente sênior da América do Sul
na organização global Conservation International,
Raquel Biderman, ainda que o financiamento climático
seja escasso de forma geral, o valor destinado aos povos
que vivem nos ecossistemas que estocam carbono é
proporcionalmente menor, uma vez que 30% das soluções
climáticas vêm da natureza.
Como o aquecimento global é causado pelo acúmulo
de carbono na atmosfera, causado por atividades econômicas
humanas, os estoques de carbono mantidos por essas populações
ajudam a mitigar esse problema.
Entre os principais objetivos
do controle das mudanças climáticas está
impedir que o aquecimento global supere em 1,5 grau Celsius
(ºC) a temperatura média do período pré-industrial,
o que poderia causar transformações irreversíveis
na atmosfera, aumentando a frequência de eventos extremos
e desastrosos.
“Hoje, 3% das finanças
climáticas vão para a natureza, quando a gente
precisaria muito mais. E os povos recebem 1% desses 3%.
Então, um volume ínfimo. Por isso que a gente
está vendo invasões aqui dentro da COP, por
isso que a gente está vendo protestos, marchas dos
povos, porque eles estão falando de acesso direto,
não mais intermediário. Eles querem poder
ter acesso ao recurso que vai permitir que eles continuem
vivendo na floresta.”
Apenas considerando os povos
indígenas, o Brasil possui uma população
de 1,7 milhão de pessoas, segundo o Censo de 2022.
Em toda a Amazônia, são 511 povos, dos quais
391 estão na Amazônia brasileira. Toda essa
população integra a floresta historicamente
de forma harmônica, gerenciando, manejando recursos
naturais, e garantindo um estoque de carbono que não
vá para a atmosfera.
Segundo Raquel, o modelo
de remuneração por esses serviços já
existe e é eficiente, mas é pouco viabilizado
por falta de financiamento. Entre os serviços que
esses povos prestam está o ecoturismo, e manejos
de produção sustentável e agroflorestal,
como as roças sustentáveis.
"Tudo isso tem um valor para eles, como, tradicionalmente,
para suas culturas, para sua sustentação e
para garantir segurança alimentar, e, ao mesmo tempo,
para o planeta”, diz.
Na COP30, esse debate ocupou mais espaço. Novas soluções
que consideram a remuneração dessas populações,
como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla
em inglês) foram criadas. É possível
observar um volume expressivo de recursos sendo comprometidos
por países devedores do clima, mas ainda não
o suficiente, garante a especialista.
Reprodução/Bruno
Peres/ABR
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Ela cita que existe uma
estimativa do Banco Mundial de que seriam necessários
US$ 7 bilhões ao ano para conservar a Amazônia,
o que garante que ela se mantenha como um estoque de carbono.
Entretanto, o valor investido chega apenas a US$ 600 milhões.
"Então, existe essa lacuna que a gente precisa
olhar muito para isso com muito cuidado.”
Diversificação
Historicamente, diferentes políticas públicas
apoiaram povos tradicionais, mas sem consistência,
com flutuações políticas que não
permitiam regularidade nos recursos.
Na análise de Raquel, há claramente um esforço
de diversificação dos modelos de financiamento
climático, que mistura o resgate de práticas
antigas, como a conversão de dívida pela natureza
e os fundos de conservação, com novas frentes
como o mercado de carbono e os negócios da natureza.
Por outro lado, estas soluções exigem uma
sociedade muito atenta defende a especialista.
“Existe todo um arcabouço
legal e também um outro arcabouço, que é
o mercado de carbono voluntário, no qual já
existem mecanismos de controle da qualidade, que incluem
as populações, as ONGs, o setor financeiro,
os investidores. Eles trabalham juntos”, diz.
Para Raquel, há alguns cuidados em relação
a essas soluções aplicadas a uma região
tão diversa culturalmente quanto a Amazônia,
e isso talvez exija maior atenção em relação
aos contratos que forem firmados para financiamento climático.
Ela ressalta que é necessário trazer um sentido
de urgência para a questão.
Economias ilegais ligadas
ao tráfico de armas, drogas e outras atividades criminosas
fazem uso da floresta, favorecidos pelas distâncias
dos poderes, e passam a representar uma ameaça aos
povos tradicionais, garante a especialista.
“Então, a gente
precisa oferecer alternativas de economia para essas populações,
que façam com que aqueles poucos que vão para
a criminalidade deixem de ir”, diz.
Com o acesso direto ao financiamento climático, um
setor que pode ser viabilizado é a bioeconomia como
solução para manter as populações
tradicionais conectadas aos seus territórios e também
para diminuir a chance de aliciamento de jovens por organizações
criminosas.
“Muitas cadeias, a
gente sabe que têm mais de 100 cadeias de produtos
da Amazônia, poderiam virar fonte de recurso para
muitas famílias continuarem com seus modos tradicionais
de vida, sem ter que apelar para o modo criminal.”,
conclui.
Sobre a COP 30
A COP 30 (30ª Conferência das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas) realizada
em 2025, na cidade de Belém, no estado do Pará,
marca a primeira vez que o evento acontece na Amazônia.
Essa conferência reúne líderes mundiais,
cientistas, ativistas e representantes da sociedade civil
para discutir e negociar ações globais voltadas
ao combate das mudanças climáticas. O encontro
é especialmente simbólico por ocorrer em uma
região que desempenha papel crucial na regulação
do clima do planeta, já que a Floresta Amazônica
é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo.
A realização da COP 30 no Brasil representa
uma oportunidade para o país mostrar seu compromisso
com a preservação ambiental, a transição
energética e o desenvolvimento sustentável,
além de dar voz aos povos da floresta e às
comunidades locais que vivem os impactos diretos da crise
climática.
Da Agência Brasil
Fotos: Reprodução/Bruno Peres/Agência
Brasil