ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS, ONGs E PARLAMENTARES SÃO
CONTRÁRIOS À PROPOSTA DE DIVISÃO
DO AMAZONAS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Dezembro de 2001
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A proposta é do
senador Mozarildo Cavalcanti (PFL-RR). Trata-se do Projeto
de Decreto Legislativo nº 20, que prevê a criação
de três territórios federais na parte Oeste
do estado. O projeto é considerado oportunista,
caro, ineficiente e uma ameaça à integridade
das terras e direitos indígenas. Entre as organizações
contrárias a ele está a Federação
das Organizações Indígenas do Rio
Negro (Foirn), que produziu um documento sobre o tema,
nomeado “O que dizem os povos indígenas e suas
organizações a respeito da divisão
territorial ou a criação de novos territórios”.
Não é de
hoje que existem propostas para a divisão do Amazonas.
O reordenamento territorial foi tema de um Projeto de
Decreto Legislativo (PDL) do deputado Euler Ribeiro (PFL-AM)
em 1992 e das discussões da Assembléia Constituinte
de 1988. Não foram adiante. Os defensores da proposta
se utilizam das seguintes justificativas: a dificuldade
em administrar um território tão grande
quanto o Amazonas (1,567 milhão de quilômetros
quadrados), a necessidade de desenvolver regiões
afastadas da capital, a questão da segurança
das fronteiras e a possibilidade de maior representatividade
no Congresso Nacional.
Com base nesses argumentos, o senador Mozarildo Cavalcanti
(PFL-RR) apresentou ao Senado em 1999 seu projeto de redivisão,
o PDL nº 20. Nele, está proposta a criação
do estado de Solimões, na parte oeste do Amazonas.
O relator do projeto na Comissão de Justiça
e Cidadania, o senador Jefferson Peres (PDT-AM), não
aprovou a proposta e redigiu um substitutivo, determinando
a criação não de um estado, mas de
três territórios federais, nomeados e divididos
a partir dos principais rios da região: Juruá,
Solimões e Rio Negro. "O estado do Solimões,
proposto pelo senador Mozarildo, cobriria uma área
de população reduzida e de desenvolvimento
econômico insuficiente para sustentar sua máquina
administrativa, enquanto a figura do território
nacional garante unidades com administradores e órgãos
governamentais próprios, porém subordinados
ao governo federal, isto é, com verbas da União",
explica Peres.
O substitutivo foi aprovado pelo Senado em novembro do
ano passado e agora será analisado pela Câmara
dos Deputados para futura votação. Para
ser colocada em prática, a proposta deve também
ser votada em plebiscito pela população
do Amazonas, que é de cerca de 2,6 milhões
de habitantes.
Os índios e o reordenamento
A presença indígena
nas áreas correspondentes aos territórios
federais previstos no PDL nº. 20 é marcante:
25,03% no Juruá, 38,27% no Solimões e 51%
no Rio Negro, segundo dados da Fundação
Nacional do Índio (Funai). Entidades indígenas
da região vêm procurando compreender melhor
a questão, mas já demonstram estar contra
a proposta. "O índio que mora há séculos
na região se vê mais uma vez ameaçado
de ser empurrado para a periferia dos acontecimentos.
Certamente não ocupará nenhum cargo importante
e, sem representação, continuará
a ser oprimido pelas pessoas que vêm de fora",
declara Domingos Barreto, vice-diretor da Federação
das Organizações Indígenas do Rio
Negro (Foirn).
O vereador indígena da cidade de Atalaia do Norte
(AM), Darci Marubo, alerta que existe uma grande campanha
liderada por políticos locais em prol da divisão
territorial e contra os direitos indígenas. "Eles
afirmam que existe muita terra para pouco índio,
que a pobreza dos ribeirinhos e o desemprego na região
são conseqüência do grande número
de terras indígenas e que a criação
dos territórios federais pode mudar essa situação."
O deputado Eron Bezerra (PC do B-AM) afirma que, além
de ir contra os direitos indígenas, a criação
dos territórios federais não resolveria
a difícil situação em que se encontram
as comunidades no Oeste amazônico. "A disponibilidade
de novos recursos por parte do governo federal não
significaria atender à população
carente, já que o estado do Amazonas sempre teve
à disposição vultuosos recursos para
investimento mas nunca deu prioridade as áreas
mais necessitadas". Para ele, o problema da região
é de implementação de infra-estrutura
e não de divisão territorial.
Bezerra alerta que um dos principais motivos do apoio
do governador Amazonino Mendes (PMDB–AM) à proposta
é que o estado ficaria desobrigado de repassar
a cota de 3% do ICMS arrecadado para as regiões
em questão – Solimões, Juruá e Rio
Negro. Isso significa que R$ 36 milhões deixariam
de ser transferidos para os três hipotéticos
territórios, que teriam de dividir o total arrecados
por eles, cerca de R$ 1 milhão. Vale lembrar que
em 2000, 97% da arrecadação de ICMS do Amazonas
veio de Manaus.
Política e segurança
"Controlar sem ser
visto". Essa é a idéia central da relação
de um Estado com seu território, segundo a professora
da UFRJ, Berta Beker, especialista em Geopolítica.
Para ela, o reordenamento territorial também possui
uma finalidade estratégica, que é a de ampliar
o controle sobre o espaço ao qual se aplica. Mas
a professora ressalta que o tamanho do território,
uma das justificativas para a divisão do Amazonas,
deve ser relativizado com base em dois princípios:
o tamanho da população e a acessibilidade
da comunicação. É justamente aí
que reside o argumento dos militares de que o reordenamento
permitiria uma proteção mais eficiente das
fronteiras, pois levaria a um adensamento populacional.
Tal argumento tem sido apropriado pelos políticos
da região para defender a divisão.
O controle das fronteiras é uma polêmica
que também envolve os povos indígenas. O
vereador Darci Marubo lembra que o exército insiste
em ver os índios e suas terras como um obstáculo
à defesa das fronteiras, quando na verdade são
fortes aliados. "Para se ter uma idéia, estamos
organizando grupos de vigilância, que farão
o monitoramento de áreas de fronteira, apoiados
por comunicação via rádio."
"A territorialidade que está sendo reivindicada
pelo Estado está ligada às elites políticas
locais, que querem representatividade no Congresso e mais
participação no Fundo de Participação
dos Municípios", resume a professora Berta
Beker.
Alternativas
Se o reordenamento parece
não ser uma resposta para trazer melhores condições
de vida para as comunidades das áreas em jogo,
cabe a pergunta: qual seria a alternativa?
Existem duas propostas principais. Uma delas, do deputado
Eron Bezerra e de algumas organizações indígenas
da região, prega a criação de mais
municípios, o que acarretaria na elevação
e melhor distribuição das verbas provenientes
do Fundo de Participação dos Municípios
(FPM) para o Amazonas, na criação de novos
órgãos administrativos regionais e, no caso
indígena, em uma aumento da participação
política nas áreas onde os índios
são a população majoritária.
A outra proposta, do senador Jefferson Peres, prevê
a criação do Fundo de Desenvolvimento para
a Amazônia (FDA), que seria formado pela receita
líquida federal arrecadada no Amazonas.
Seja qual for a solução, deve passar por
um processo aberto, que inclua a participação
dos habitantes dessas regiões e que garanta o desenvolvimento
sustentável das comunidades.
Texto divulgado pela Foirn
O que dizem os povos indígenas
e suas organizações a respeito da divisão
territorial ou a criação de novos territórios:
Assim que as organizações
indígenas tiveram conhecimento da redivisão
territorial do estado do Amazonas, mostraram suas preocupações
a respeito e, até agora, todas as manifestações
foram contrárias à criação
de novos territórios. Primeiro, porque as justificativas
que foram feitas, não conseguiram convencer ou
fazer mudar de idéia.
A não aceitação da proposta pela
população indígena é devido
aos grandes projetos instalados nas áreas a serem
desmembradas ou nas suas proximidades. Exemplo claro e
bem perto para nós é o projeto Calha Norte,
que chegou na área fazendo uma boa campanha, prometendo
a melhoria de vida dos povos indígenas, educação
e saúde, transporte e alimentação,
só ficou no papel e hoje eles dizem o transporte
é exclusivo dos militares e seus dependentes. Sivam,
que também chegou fazendo uma boa campanha, prometendo
energia para a sede do município de São
Gabriel e negociando com a diretoria da Foirn e lideranças
indígenas a área para a construção
da hidrelétrica e hoje nem notícias temos
mais.
Os defensores da redivisão alegam que como territórios
irão receber mais recursos financeiros devidos,
que são unidades administrativas subordinadas a
união, mas nunca chegaram a entender que as áreas
indígenas ou terras indígenas, também
são bens da união e têm problemas.
Para os povos indígenas e suas organizações,
a redivisão territorial não é solução
para o estado e sua população. Devido que
a criação e instalação de
infra-estrutura de novos territórios vai demandar
um custo altíssimo(muito dinheiro), se é
que tem tanto dinheiro, porque até agora só
se ouviu o governo dizer: “estamos sem recursos financeiros”
e na mídia só se vê greve por falta
de dinheiro.
Neste ano de 2001 já aconteceram algumas assembléias
regionais, onde um dos temas foi a redivisão territorial,
como de Taracuá entre os dias 26 a 28 de junho,
Yawaretê na IV assembléia da COIDI nos dias
30/7 a 01/08/2001, Içana e Xié, entre os
dias 28 a 30 de Setembro e veja como a posição
dos mesmos em relação a isso:
“Enquanto as nossas organizações indígenas
e nossas comunidades não tiverem a participação
maior nas discussão e ficar claro de que forma
iremos participar desse chamado progresso nós temos
uma posição: “Não queremos a redivisão
territorial do estado e sim queremos que o governo crie
um “ Programa de Desenvolvimento Sustentável para
as Comunidades Indígenas e ribeirinhas .Onde possam
melhorar a Saúde, Educação, Alternativa
Econômica, gastaria menos recursos.
Finalizando a conversa
Companheiros, antes de
finalizar a nossa conversa gostaria de dizer aos senhores,
que a redivisão territorial, para mim é
uma porta aberta, por onde as empresas madeireiras, as
mineradoras e outras interessadas poderão entrar
sem nenhuma dificuldade. Com isto corremos o risco de
perder as nossas terras, mesmo que estejam demarcadas
e dificultar a vida dos nossos filhos e netos no futuro.
São Gabriel da Cachoeira - AM, 19 de outubro de
2001.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Ricardo Barreto)