PROJETO DE LEI DA MATA ATLÂNTICA É APROVADO
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPOIS DE 11 ANOS

Panorama Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Dezembro de 2003

O advogado André Lima, coordenador-adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), apresenta no artigo abaixo o processo que antecedeu a aprovação do PL, assim como analisa seus principais pontos, entre os quais: a garantia de proteção à vegetação primária, o incentivo à utilização sustentável das áreas em estágio médio e avançado de regeneração e as condicionantes para a expansão urbana.

Depois de 11 anos de tentativas infrutíferas - campanhas, manifestos, abaixo-assinados e reuniões incansáveis -, versões aprovadas na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados e na Comissão de Constituição e Justiça, enfim, o PL da Mata foi aprovado na Câmara dos Deputados.
Com destaque para o empenho da ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, do seu secretário de Biodiversidade e Florestas, João Paulo Capobianco, e do ex-deputado Fabio Feldmann, autor do projeto de lei, parabéns a todos que se envolveram desde 1992, ou muito antes mesmo da proposição do PL 3.285, e persistiram até esta memorável quarta-feira (3/12), às 19h30, quando o plenário da Câmara fechou o placar dos votos de todos os partidos. Uma unanimidade entre os partidos, que provaram que nem sempre a unanimidade é burra. Parlamentares prévia e desavisadamente inscritos para sustentarem a rejeição do projeto cederam ao bom senso e mudaram subitamente o discurso ao serem informados do acordo. Várias lideranças, de vários partidos, de vários Estados fizeram discursos que merecem transcrição e edição especial para o povo “matatlanticano” brasileiro.
Enquanto isso, longe da floresta, na galeria do Plenário da Câmara dos Deputados, amigos da longa história de luta em defesa Mata Atlântica, um tanto exaustos após as rodadas de duas semanas ininterruptas de negociações diárias densas, tensas e “fonogastrocardiologicamente” desgastantes, assistiam à movimentação dos parlamentares na dúvida se, mais uma vez, seria desta vez. E não é que foi?
O destaque deste fato “quase” histórico (pois ainda falta a votação no Senado e a sanção presidencial) para o ambientalismo brasileiro é que, após a rodada de negociações entre ambientalistas, silvicultores, ruralistas, urbanistas, parlamentares de governo e de oposição, representantes de organizações da sociedade e o governo, a aprovação deu-se mediante acordo de lideranças, ou seja, todos os partidos votaram favoravelmente. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha, cumpriu sua promessa. Criou um Grupo de Trabalho, comandado pelo perseverante deputado Luciano Zica (PT/SP), que a princípio parecia mais uma manobra empurrista da Lei, e anunciou: dia 4/12 votamos esta lei. E foi feita a sua vontade, aliás, a vontade de muitos brasileiros. E quantos antes dele não disseram a mesma coisa?
Muitas também disseram, com razão, que o PL 3.285 aprovado na Câmara não é o projeto dos sonhos dos ambientalistas que, além da preservação da vegetação primária - aquela pouco ou quase nada alterada -, buscavam o estabelecimento de regras mais rígidas para o corte, a supressão e a exploração da vegetação em estágio inicial de regeneração. Isso porque as organizações da Rede de ONGs da Mata Atlântica vislumbravam a possibilidade de em 20 anos recuperar entre 20% e 30% da cobertura original do bioma, que já foi de 1,3 milhão de km2. Não foi possível, ao menos não neste Projeto de Lei. O desmatamento da vegetação secundária em estágio inicial de regeneração não será objeto de critérios rígidos.
Por outro lado, não é menos verdade que os ruralistas, que de tudo fizeram ao longo desses 11 anos para não aprovar a lei, reconheceram no embate dos argumentos técnicos e jurídicos que conservar e, em alguns casos, preservar os 7,2% remanescentes da cobertura original da Mata Atlântica é o mínimo e fundamental para a sociedade brasileira.
Verdade seja dita: a proposta aprovada na Câmara é boa do ponto de vista ambiental e melhor do ponto de vista político, pois é um compromisso, um pacto público entre os setores envolvidos, e a TV Câmara registrou esse pacto para as presentes e futuras gerações. Vejamos alguns pontos importantes do PL:

  1. Aquele proprietário rural que preservou acima do que o Código Florestal exige - Reserva Legal (RL) e Área de Preservação Permanente (APP) - poderá, além de explorá-la de forma sustentável, obter incentivos à manutenção dos serviços ambientais com a floresta em pé, mediante a figura da servidão ambiental. Uns dirão: “mas a propriedade deve cumprir sua função social, portanto, essa é uma obrigação que dispensa incentivos governamentais”. Sim, é verdade. Mas isso só está garantido a partir de incentivos para aquilo que vai além da exigência mínima da lei florestal que se aplica na Mata Atlântica.
  2. O Projeto de Lei 3.285/92 não se aplica à toda extensão original da Mata Atlântica, ou seja, aos 1,3 milhão de km2 vistos pela primeira vez por Pero Vaz de Caminha na então Terra de Vera Cruz. Aplica-se apenas sobre os remanescentes de vegetação nativa existentes hoje, ou seja, cerca de 93 mil km2 - 7,3% da sua cobertura original, aproximadamente 1,1% do território do país. Mas isso não é bom! Não é bom? Talvez. Não seria bom se lido fora do contexto do código florestal. Porque em Direito não se deve ler uma lei isolada de outras. Ou seja, este Projeto de Lei assegura a conservação e preservação do que restou de Mata Atlântica, e o Código Florestal, mediante as figuras não menos jurídicas e obrigatórias da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente, continua em vigor e a cada dia que passa ganha mais adeptos no Executivo, na sociedade organizada, no meio da produção rural familiar e, inclusive, no Judiciário. Façamos o Código Florestal funcionar. A lei da Mata Atlântica garante o mínimo, e o Código Florestal continua a ser uma meta a ser atingida, o quanto antes melhor. Além disso, se formos capazes de, a partir de políticas públicas, compatibilizar o socioambiental com o econômico, para além disso chegaremos. Afinal, sonhar é preciso.
  3. A expansão urbana está condicionada à manutenção da vegetação nativa primária e da secundária que abrigue espécies em extinção, proteja mananciais, corredores entre remanescentes importantes em termos de biodiversidade e mantenha locais de excepcional valor paisagístico, além das APPs.
  4. A vegetação primária está legalmente preservada e a secundária em estágio médio e avançado de regeneração poderá ser utilizada de forma sustentável, passa a ter seus serviços ambientais valorizados e como foi dito no item 1, que serão objeto de isenção de ITR e contarão com privilégios creditícios e recursos do Fundo da Mata Atlântica. Claro, só na lei não vale, mas sem lei menos ainda. Então deixemos a verborrárrica crítica “legisferante” e vamos aos programas de governo. Sem pressão social, nem um tostão vai para a recuperação.
  5. Há, entretanto, uma pulga irritante atrás da orelha em relação a como o Senado, ou o presidente Lula, ou ao fim e ao cabo como o Judiciário responderão ao artigo 46 do Projeto de Lei, que prevê o direito de indenização caso a aplicação desta Lei reduza o potencial econômico da propriedade rural em termos de seu uso adequado e racional.

Numa leitura preliminar, portanto, passível de chuvas e tomates, este dispositivo parece sem sentido. Afinal, toda propriedade deve cumprir sua função social e dentre os elementos essenciais da função social da propriedade estão a preservação do meio ambiente e o uso “adequado” dos recursos naturais “disponíveis”.
Essa afirmação significa dizer que o uso adequado de recursos naturais “escassos”, em função da prevalência do interesse público e indisponível ao meio ambiente equilibrado e às espécies e ecossistemas caracterizados como patrimônio nacional pelo 225 da Constituição de 88, merece regras rígidas para sua utilização com o objetivo, sempre bom lembrar, constitucional, de manter sua disponibilidade para as presentes e futuras gerações de proprietários e não-proprietários.
Se assim é, o potencial econômico de uma propriedade rural e o seu uso adequado e racional estão, em sua essência, intrinsecamente condicionados à abundância dos recursos naturais e à sua conservação. Isso significa dizer que limitações ao uso de recursos ambientais escassos não reduzem potencial econômico de propriedade rural posto que o potencial econômico está condicionado, limitado à disponibilidade do recurso e, portanto, não dão razão a indenizações. Entretanto, tenho pena do nosso anêmico orçamento público caso essa interpretação “pró ambiente” não vingue.

Senadores e senadoras: agora é com vocês.

Fonte: ISA – Instituto Sócioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Cristiane Fontes)

 
 
 
 

 

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