FUNAI REALIZA SEMINÁRIO PARA DISCUTIR
A CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICA INDIGENISTA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Julho de 2003

Ameaçada de ser demitida, e na tentativa de fazer resistência ativa dentro do próprio governo, a nova diretoria da Funai reuniu servidores, representantes indígenas e convidados durante três dias em Brasília, com objetivo de começar a estruturar o evento previsto pelo programa de governo do PT - onde é apontado como um importante instrumento para a construção de uma nova política indigenista no país.
Entre 22 e 24/7, um público flutuante de cerca de 100 pessoas entrou e saiu do auditório da Escola de Administração Fazendária (ESAF), no Lago Sul, em Brasília. Grande parte dos presentes eram funcionários da Funai: da sede central e das diversas unidades regionais, novos e antigos, índios e não-índios. Outra parte, índios de variadas etnias e regiões do país, levados à capital federal especialmente para representar suas organizações ou comunidades no evento. Por fim, convidados e espectadores sortidos, entre membros de órgãos da administração pública federal, entidades de fomento a projetos indígenas e indigenistas, organizações não-governamentais, parlamentares e seus assessores. Foi o encontro Por uma Nova Política Indigenista, organizado por uma comissão de servidores da Funai identificada com a nova gestão do órgão.
A nova gestão teve início com a nomeação do presidente Eduardo Aguiar de Almeida em fevereiro deste ano, fruto de articulações da Secretaria Nacional de Movimentos Populares do Partido dos Trabalhadores. Até o momento, porém, Eduardo Almeida e sua equipe não têm gozado de suficiente prestígio dentro do governo Lula para se manterem à frente do órgão indigenista. A realização do seminário foi uma maneira de tentar resistir à pressão que outros setores de sustentação do governo têm dirigido à equipe de Almeida.

Pouco debate e muitas intervenções

Na mesa de abertura do seminário, diretores da Funai e dirigentes das organizações indígenas Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) pronunciaram-se por pouco tempo. O coordenador de apoio às escolas indígenas do novo Ministério da Educação, Kleber Matos, fez uma explanação mais longa, procurando destacar o que sua gestão tem mudado em relação à anterior. Eduardo Almeida encerrou a sessão de abertura enfatizando que as discussões sobre política indigenista e a reestruturação da Funai costumeiramente não vão até o fim e que isso não poderia mais acontecer.
A segunda metade da manhã do dia 22 começou por uma exposição do quadro administrativo encontrado pela nova gestão da Funai e por uma apresentação de suas principais realizações. Mas logo teve vez a prática que mais caracterizou o evento em seu todo: em lugar de perguntas ou comentários diretamente relacionados às falas dos palestrantes, intervenções com temáticas e ênfases marcadamente personalizadas.
A tarde do primeiro dia assistiu a uma nova rodada de palestras. Fernando Dantas, recém-conduzido ao cargo de procurador-geral da Funai, falou sobre a dupla necessidade de que o Estado brasileiro reconheça e transfira poder aos povos indígenas. Fernando Schiavini, coordenador-geral de projetos especiais da Funai e um dos organizadores do evento, discorreu sobre a história do órgão, tomando sua própria experiência de servidor como fio condutor. Jacir Macuxi, do CIR, contou a história da chegado dos brancos na sua região e pôs ênfase em duas denúncias: o assassinato de Aldo Macuxi, em janeiro deste ano, e a ainda indefinida situação da homologação da Terra Indígena Raposa/ Serra do Sol, que se acompanharia de uma recusa da cúpula do governo Lula a receber os índios de Roraima — “uma vergonha”.
Como sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), Carlos Frederico Marés falou em nome da instituição e traçou brevemente o histórico da entidade, abordou as motivações de trabalho que seus integrantes encontraram desde a época da Constituição de 1988 e destacou as diretrizes gerais a que o ISA chegou em relação a política indigenista, enfatizando a idéia de diversidade de realidades indígenas e, portanto, da necessidade de programas regionais para dar conta delas.
No dia 23, pela manhã, foi a vez das exposições de Antônio Ferreira da Silva — índio Apurinã, suplente do senador Sibá Machado (PT/AC) e atual diretor de assistência da Funai —, de Megaron — índio Kayapó, administrador da regional da Funai de Colíder/ MT —, do deputado Carlos Abicalil (PT/MT) e de Ricardo Luiz Chagas, responsável pela saúde indígena na Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Mais uma vez, o que se seguiu foi pouco debate e muitas intervenções, especialmente de representantes indígenas.

Preparações para a conferência

A primeira metade do seminário esteve, assim, ocupada por mesas de palestrantes seguidas de abertura da fala ao plenário. Com isso, a intenção declarada dos organizadores foi estimular o debate e a reflexão, preparando os participantes para a segunda parte, quando estes se dividiram em grupos e dedicaram-se a propor desenho para as conferências preparatórias e para a Conferência Nacional de Política Indigenista.
Ao fim das duas etapas — uma mescla de “assembleismo” político com metodologias de facilitação de planejamento estratégico —, restaram indicações gerais e ainda inconclusas sobre o formato das conferências: quantas e quais devem ser as preparatórias; os temas a discutir na nacional; os critérios para participação nas preparatórias e na nacional; a mobilização necessária para realizadas; os parceiros da Funai e dos índios na preparação e realização das mesmas; as estratégias para envolver tais parceiros.
Tais indicações deverão ser levadas em consideração pela Comissão Provisória de organização da conferência, com 13 integrantes. Sob coordenação de Fernando Schiavini, é formada por diversas lideranças indígenas: Antônio Apurinã, Sebastião Terena, Jeremias Xavante, Azelene Inácio Kaingang, Vilmar Guarani, Lúcia Fernanda Kaingang, do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (Inbrapi); Noeli Gomes dos Santos, do Grupo de Trabalho Missionário Evangélico (GTME); Miriam Terena e Aurení Fulni-ô, do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (Conami); Estevão Taukane, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); e Mateus Tapeba, da Associação de Universitários Indígenas de Brasília (Assuib).

O encerramento

A etapa de discussão em grupos a respeito da Conferência Nacional e das conferências preparatórias acabou por ser abreviada, devido à conjuntura de instabilidade política atravessada pela Funai. Em meio a todo o seminário, rumores sobre a substituição da presidência da entidade foram uma constante. Uma carta dirigida pelas lideranças indígenas lá presentes ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedia a nomeação do atual diretor de Assistência da Funai, Antônio Apurinã, para o cargo máximo do órgão indigenista. A carta circulou para que assinaturas fossem colhidas, mas não é certo que tenha sido ou não encaminhada à Presidência da República.
O encerramento do evento contou com a presença dos deputados Federais Eduardo Valverde (PT/RO) e Perpétua Almeida (PC do B/AC), do chefe de gabinete do ministro da Justiça, Sérgio Sérvulo da Cunha, do assessor para assuntos indígenas do mesmo ministério, Cláudio Beirão, e do presidente Eduardo Almeida, que se ausentara desde que havia dado o seminário por aberto. Os boatos, que não se confirmaram, davam conta de que seria comunicada a substituição de Almeida por Sérvulo da Cunha, em regime de interinidade.
O chefe de gabinete só se dirigiu ao microfone depois de ouvir muitos pronunciamentos de representantes indígenas e de ser diretamente instado a falar. Transmitiu o que seriam pensamentos e vontades do ministro da Justiça — todos, francamente favoráveis aos povos indígenas —, mas frisou que pensamentos e desejos não são suficientes para transformar a realidade. Conclui citando fala anterior de Megaron Kayapó, segundo a qual a unidade entre todos os que trabalham com os índios seria fundamental naquele momento.
Já passava das 19 horas quando um pronunciamento de Eduardo Almeida finalizou o seminário. Dando como certa a realização da Conferência Nacional de Política Indigenista, falou em “processo penoso de resistência”, “esforço militante” e “processo de luta”. Realizá-la será “fechar um ciclo de 503 anos”, “um momento de virada de página”.

O novo, de novo

Anunciada no título do seminário, a ‘novidade’ em termos de política indigenista apareceu domesticada por velhas idéias e práticas ao longo das discussões. Assim, a despeito das tantas transformações havidas nos últimos anos no relacionamento dos povos indígenas com múltiplos setores da sociedade e do Estado brasileiros, ‘política indigenista’ foi pensada, em grande parte do seminário, como sinônimo de ‘política praticada pela Funai’. Embora a multiplicidade de atores governamentais e não-governamentais que hoje compõem o campo indigenista voltasse constantemente a ser assunto, o órgão tutelar — sua história, seu corpo funcional, sua crise, sua direção atual e seu futuro — não deixou nunca de ser o foco principal das preocupações. E a questão de viabilizar canais políticos mais ágeis para satisfazer as múltiplas demandas que a realidade indígena atual apresenta não pôde superar o velho paradigma da necessidade de uma Funai mais fortalecida.
Do mesmo modo, apesar de seguidas afirmações do protagonismo dos ‘povos indígenas’ nos dias correntes, de que seriam aqueles os reais condutores do processo da conferência, a Funai como protetora dos índios esteve bastante presente. Exemplo disso foi uma das indicações de “critério para participação nas conferências”: nomes de organizações não-governamentais deverão ser sugeridos “pela Funai, com a anuência das comunidades”. Seria o caso de se perguntar: por que, nesse caso, o órgão indigenista deve continuar a se arrogar o papel de decidir pelos índios? Ao menos duas respostas seriam possíveis.
Primeiro, porque é comum que esse tipo de raciocínio seja alimentado pela intersecção de posições entre ‘Funai’ e ‘índios’, gerado pelo aumento do número de funcionários indígenas no órgão. Segundo, pelo fato de que a lógica tutelar parece continuar profundamente arraigada em toda a prática indigenista; e não é fácil tirá-la daí.

Fonte: Instituto Sócio Ambiental (www.socioambietnal.org.br)
Fernando Fedola Vianna

 
 
 
 

 

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