MÉRCIO PEREIRA GOMES ASSUME
PRESIDÊNCIA DA FUNAI SOB FOGO CRUZADO

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Setembro de 2003

O antropólogo tomou posse oficialmente ontem (8/9). Reconheceu sérias dificuldades orçamentárias, foi questionado sobre um artigo que escreveu com críticas ao PT e ao atual governo e foi lembrado por índios de que eles próprios pretendem assumir o comando da política indigenista. Apesar disso e de protestos de organizações indígenas e indigenistas, afirmou estar esperançoso de permanecer no cargo até o término do mandato de Lula.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos (à esquerda), ao lado no presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes
O antropólogo Mércio Pereira Gomes, nomeado presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) na última quinta-feira (4/9, tomou oficialmente posse no cargo ontem, 8/9, em solenidade para um grupo restrito de convidados realizada no Ministério da Justiça. Do lado de fora, alguns índios, reunidos com microfone e carro de som, reivindicavam atenção do governo federal para suas demandas, entre as quais a de que o presidente da Funai seja indígena.
Na mesma data, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) distribuiu uma nota intitulada Funai com Presidente, Lula sem Proposta, em que afirma que, no governo Lula, “os povos indígenas adquiriram invisibilidade política, insignificância na agenda e nem sombra de importância no orçamento”. Além disso, a partir desta terça-feira (9/9), cerca de mil lideranças indígenas estarão organizando uma série de atividades em Brasília, para demonstrar a insatisfação dos povos indígenas como rumo das decisões do governo contrário às suas reivindicações e para pressionar o governo a voltar na nomeação de Mércio Gomes Pereira, de acordo com a nota Movimento Indígena Rompe com o Governo, distribuída na última semana pela Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Em seu discurso, Mércio Pereira Gomes destacou a importância de diálogos e negociações com todos os setores envolvidos na questão indígena, incluindo organizações indígenas, indigenistas e Congresso Nacional. Também falou sobre a necessidade de reformar a Funai e mencionou duas prioridades: incentivar a retomada dos debates legislativos em torno do Estatuto do Índio e concluir os “30% de demarcações” de Terras Indígenas (TIs) que ainda devem ser finalizadas no país.
Na rápida cerimônia, as palavras do novo presidente da Funai foram sucedidas pelas do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, seu superior hierárquico imediato. Bastos frisou a demonstração de pluralidade democrática contida na nomeação de um presidente da Funai que não é do Partido dos Trabalhadores (PT) e que manifestaria, até mesmo, “divergências” com a sigla majoritária dentro do governo federal. Gomes é filiado e membro efetivo do diretório estadual do Partido Popular Socialista (PPS) no Rio de Janeiro. O deputado federal João Herrmann Neto (PPS/SP) e outros militantes da legenda marcaram presença na posse, assim como os também deputados federais Carlos Abicalil (PT/ MT), Eduardo Valverde (PT/ RO) e Ribamar Alves (PSB/ MA).
O ministro não explicitou quais seriam as divergências entre Mércio Gomes e o atual governo. Mas, ao delas tratar, deu margem a que o assunto fosse explorado na entrevista coletiva que o recém-empossado concederia em seguida à imprensa.

Encanto e cautela com o PT

A entrevista foi atentamente assistida pelo chefe de gabinete do Ministério da Justiça, Sérgio Sérvulo da Cunha, e pelo deputado Abicalil. Os jornalistas presentes referiram-se repetidas vezes a um artigo intitulado Encanto e cautela com o PT. No artigo, aludido nos últimos dias por vários órgãos da grande imprensa brasileira, o agora presidente da Funai havia sido bastante crítico em relação ao governo Lula e seu principal partido. O antropólogo respondeu que o texto resulta de reflexões feitas durante a campanha presidencial e apresenta, assim, uma “retórica de campanha”. Afirmando-se egresso de uma tradição intelectual “marxista e dialética”, ponderou que o “processo histórico” resolve as grandes questões por meio de “sínteses dialéticas”. O governo do PT estaria criando uma nova síntese dialética, reunindo toda a esquerda brasileira, procurando atender a todos anseios populares e abrindo-se para relações com outros partidos.
Outros assuntos que vieram à tona foram a falência orçamentária da Funai, a difícil tarefa de enfrentar as demarcações pendentes de TIs e o desenvolvimento histórico da política indigenista no Brasil. Gomes confirmou que uma parte substancial do orçamento da Funai deste ano já foi usada; para as demarcações e outras ações, estaria trabalhando com a perspectiva de créditos suplementares — especialmente do governo federal, mas também das fontes que for possível acessar, como Banco Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU) e Comunidade Européia.
Além das dificuldades financeiras, foram lembrados pelos presentes os problemas políticos envolvidos na resolução de muitas demarcações pendentes, como o caso da TI Raposa/ Serra do Sol (RR). Sobre essa questão, vale ressaltar que o governo editou Decreto de 1º de setembro de 2003, instituindo um GT Interministerial para apresentar propostas quanto à situação fundiária em Roraima. Em todos os casos mencionados pelos jornalistas, o presidente da Funai mostrou-se confiante no poder do diálogo e de negociações com os múltiplos setores interessados.
Segundo o novo presidente da FUNAI, a instância governamental propícia a essas discussões seria um “grupo interministerial” a ser brevemente criado. No entanto, ao que parece, o núcleo decisório do governo já definiu a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), do Conselho de Governo, criada pelo Decreto n.º 4, de 06/08/2003, como o foro para "formular políticas públicas e diretrizes" sobre "populações indígenas".
Quanto às práticas indigenistas, o antropólogo recordou que o país tem uma longa história de honra ao compromisso de incluir o índio na nacionalidade, que remeteria, não apenas à agência precursora da Funai — o republicano Serviço de Proteção aos Índios (SPI), de 1910 —, mas a políticas, leis e preocupações que começaram a se instalar ainda no período monárquico de Dom Pedro II. Mencionou a curva demográfica ascendente pela qual os índios no Brasil vêm passando ao longo das últimas décadas, fez alusão à pesquisa IBOPE/ISA 2000, que demonstra que a maioria dos brasileiros apóia os direitos indígenas e referiu-se às múltiplas idéias que se tem sobre o indígena em nosso país.
Para Mércio Gomes, o maior desafio da política indigenista atualmente é oferecer as condições para que as economias indígenas tornem-se capazes de produzir excedentes que as permitam autonomizarem-se perante o mercado.
Bruscas alterações imediatas na gestão do órgão indigenista, incluindo demissões em massa e mudanças na diretoria atual, foram descartadas pelo novo presidente. “Não vou fazer limpa nenhuma”, respondeu Gomes a uma jornalista, “vou trabalhar com os funcionários que estão na Funai”. O interesse em conseguir um novo prédio-sede para a Fundação, porém, foi assumido.

Novo discurso na sede da Funai

Mércio Gomes apressou o encerramento da coletiva com o anúncio de que estava de saída para a sede da Fundação que passava a presidir, na qual entraria “pela porta da frente, conversando com os índios”. Convidou os jornalistas a também se dirigirem para lá.
Em sessão que lotou o auditório da Funai, Gomes foi apresentado a índios e funcionários do órgão pelo seu então presidente interino, o diretor de Assuntos Fundiários Antônio Pereira Neto, e por um mestre de cerimônias. O novo presidente discursou, ouviu o assessor de Assuntos Indígenas do Ministério da Justiça, Cláudio Beirão, desejar-lhe boa sorte e solicitar que os servidores venham a apoiá-lo, além de escutar as colocações do cacique Aritana, do Alto Xingu, e de outros presentes.
O discurso feito por Mércio Gomes na sede da Funai repetiu pontos que haviam sido tratados na cerimônia de posse e na coletiva de imprensa. Mas agregou novos, como o orgulho em chegar ao posto em que foi empossado — afirmado ápice da carreira, o máximo que um antropólogo pode almejar —, o elogio ao trabalho de antigos indigenistas e sertanistas que trabalharam na entidade (em especial, aos irmãos Villas Bôas) e a necessidade de transformação da Funai num órgão digno, onde se inclui a promessa de criação de um plano interno de cargos e salários. Com ironia, fez menção às apostas sobre quanto tempo permanecerá à frente da Funai; com seriedade, afirmou-se esperançoso de durar “pelo menos três anos”, encerrando seu mandato junto com o presidente Lula.
Nas falas indígenas, demonstrações de apoio imediato, elogio a qualidades do novo presidente — respeito aos índios; estudioso, que os conhece; homem de diálogo — e reforço de conhecidas reivindicações, como a necessidade da terra. Dois recados, porém, foram particularmente recorrentes e são, no fundo, um só e o mesmo: a importância de que os índios assumam cada vez mais cargos dirigentes na Funai; e, se ainda não pôde ser desta vez, que não venha a tardar a nomeação de um presidente do órgão que, à semelhança do “parente” tantas vezes referido — o atual diretor de Assistência e candidato preferido pelo movimento indígena à vaga que viria a ser de Mércio Gomes, Antônio Apurinã —, seja indígena.

Fonte: Instituto Sócioambiental (www.socioambiental.org.br)
Fernando Fedola Vianna

 
 
 
 

 

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