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RODOANEL
AOS PEDAÇOS E OS RISCOS
DOS FATOS CONSUMADOS
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Setembro de 2003
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A Secretaria Transportes
do Estado de São Paulo anunciou, na semana
passada, sua nova estratégia para o licenciamento
ambiental do Rodoanel Metropolitano. A atual proposta
do governo do Estado é licenciar o empreendimento
por trechos, e não como um projeto único,
como vinha ocorrendo.
De acordo com a nova
estratégia, o primeiro trecho a ser licenciado
seria a parte Sul, a ser construída em duas
etapas. A primeira, com cerca 16,6 Km, compreenderia
a interligação da Av. Papa João
XXIII, em Mauá, com a Rodovia dos Imigrantes,
que, segundo as previsões do Governo, seria
entregue até meados de 2005. A extensão
desse sub-trecho está quase toda em área
de proteção de mananciais, definida
pelas leis 898/75, 1.172/76 e 9.866/97, e passaria
pelos municípios de São Bernardo do
Campo, Santo André, Ribeirão Pires
e Mauá. Ao longo deste traçado está
o Parque do Pedroso, maior área protegida
da Bacia Hidrográfica da Billings, e a captação
da Sabesp no braço do Rio Grande, que abastece
grande parte da população do ABC.
Os 37,1 km necessários para interligar a
Imigrantes com o trecho Oeste, na Rodovia Régis
Bittencourt, ficariam para a próxima gestão.
O sub-trecho Oeste encontra-se totalmente inserido
em área de proteção de mananciais
e para ser viabilizado seria necessária a
transposição das represas Billings
e Guarapiranga, além de cortar os municípios
de São Paulo e Itapecerica da Serra. Para
a construção de todo o trecho Sul
estão previstos R$ 1,9 bilhões, dos
quais apenas R$ 762 milhões estão
garantidos nos recursos orçamentários
dos planos plurianuais - nacional e estadual.
O desmembramento do licenciamento ambiental é,
segundo explicações da Secretaria
de Transportes recentemente divulgadas na grande
imprensa, uma forma de arrefecer os ânimos
do movimento ambientalista, que, preocupado com
os impactos da obra sobre os últimos remanescentes
de Mata Atlântica e áreas de proteção
aos mananciais no entorno da maior metrópole
do país, colocou-se criticamente contra o
projeto tal como fora apresentado. Essa posição,
aliada à atuação do Ministério
Público Federal e à falta de verbas
orçamentárias para investimento, contribuiu
para a paralisação do processo de
licenciamento.
Dividir para construir
O licenciamento em
partes, no entanto, contraria frontalmente a legislação
ambiental, que exige avaliação de
impactos ambientais para a obra como um todo. A
Resolução Conama 237/97 deixa bem
claro que a licença ambiental deve aprovar
a “localização e concepção”
do empreendimento, de forma a atestar sua viabilidade
ambiental e sua localização. Como
os trechos compõem um projeto maior, conhecido
de todos, não há como conceber o licenciamento
em pedaços a não ser que se abandone
o projeto de “Rodoanel” e se passe a fazer remendos
na estrutura viária da Região Metropolitana,
onde cada uma dessas obras se justificaria em si
mesma, ou seja, independentemente da construção
dos demais “trechos”.
Na sistemática de licenciamento ambiental
hoje existente na legislação brasileira,
deve-se aprovar a concepção do projeto
como um todo, analisando todos os seus impactos
e alternativas de localização, mesmo
que ele venha, posteriormente a ser construído
por partes. Não há como montar um
quebra-cabeças sem antes saber que figura
se vai construir.
A estratégia recém-anunciada pelo
governo estadual é preocupante, pois caminha
para o velho método do fato consumado. Ou
seja, primeiro se consuma a ilegalidade para que
depois se possa legalizá-la, mesmo ao arrepio
da lei e da opinião pública. Exemplo
recente desse tipo de atitude é o plantio
ilegal de soja transgênica.
Ao licenciar o Rodoanel em partes, justifica-se
sua implantação a qualquer preço,
independentemente de seus impactos sobre outras
políticas públicas, como por exemplo,
a produção de água para a maior
metrópole do país.
Crise iminente de
abastecimento
A Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP) passa por
uma de suas piores crises de abastecimento de água
e as perspectivas futuras não são
nada otimistas. O principal sistema produtor de
água da metrópole, que é o
Sistema Cantareira, cujas águas vêm
da região do Rio Piracicaba, tem seu uso
autorizado até agosto de 2004, quando termina
sua outorga. As novas regras de utilização
desta água já fazem parte das negociações
entre os Comitês das Bacias do Rio Piracicaba
e do Alto Tietê, e podem significar restrições
maiores à Grande São Paulo. Os municípios
da região do Piracicaba fazem contagem regressiva
para comemorar o dia em que serão, novamente,
donos da água que produzem.
Enquanto isso, as áreas de mananciais localizadas
dentro dos limites da RMSP, como as Bacias Hidrográficas
da Billings e da Guarapiranga, sofrem com um processo
intenso de ocupação, marcado pela
irregularidade e impunidade, que resulta em poluição
das águas, impermeabilização
do solo, desmatamentos e assoreamento de rios e
nascentes. A conseqüência desse processo
é a alteração significativa
da capacidade de produzir água em quantidade
suficiente para abastecimento, que aliada à
falta de chuvas, resulta na grave crise vivida atualmente
na região.
É justamente sobre este precioso território
que o trecho Sul do Rodoanel será construído.
O novo estudo de impacto ambiental do empreendimento
pode prever a resolução de todos os
impactos ambientais pontuais com obras de engenharia,
porém, aparentemente, não existem
soluções para evitar o potencial de
indução de ocupação
sobre estas áreas.
As mudanças no licenciamento do Rodoanel
modificam o conceito de anel proposto, ao descartar,
pelo menos para os próximos cinco anos, a
construção dos trechos Leste e Norte,
e propor a construção do trecho Sul
em etapas. Com isso, também deixa de fazer
sentido o argumento de que o anel viário
seria importante para reduzir o trânsito em
São Paulo, já que seu cronograma de
implantação se tornou bastante amplo
e, pelo menos teoricamente, os trechos já
não precisam mais ser necessariamente interligados.
Se isso vier, de fato, a ocorrer, cabe questionar
os investimentos gastos em cada trecho e se terão
realmente algum efeito positivo. Ou seja, se cada
parte pode se justificar, financeira e logisticamente,
de forma independente do todo. E essa questão,
o governo estadual ainda não respondeu.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Marussia Whately, Raul Telles
do Valle Pilar Cunha)