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SENADO APROVA
PROJETO DE LEI QUE ESTABELECE NOVAS REGRAS
PARA AS ONGs
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Junho de 2004
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Foi aprovado na
terça-feira (29/6) o Projeto de Lei 7/03,
que se transformado em lei representará um
retrocesso ao impor restrições ao
direito de livre associação e criar
controles burocráticos de difícil
implementação, na tentativa de restringir
a atuação dessas organizações.
Para se tornar lei, o projeto ainda depende da votação
na Câmara dos Deputados.
Em votação simbólica e sem
nenhum voto contrário, já que houve
acordo prévio entre os líderes, os
senadores aprovaram na terça-feira (29/6)
um projeto de lei que, se aprovado também
pela Câmara dos Deputados, significará
um retrocesso legal de pelo menos dois séculos.
O Projeto de Lei 7/03 prevê a criação
do Cadastro Nacional de ONGs (CNO), que tem como
missão cadastrar todas as entidades sem fins
lucrativos criadas ou em funcionamento em qualquer
parte do país, o que abrange desde grandes
organizações até associações
de bairro criadas nos rincões mais distantes
do país. Segundo o projeto, as organizações
teriam que prestar esclarecimentos sobre suas fontes
de recursos, tipos de atividades que pretendem realizar,
o modo de utilização de seus recursos,
a política de contratação de
pessoal, os nomes e qualificações
de seus dirigentes e outras informações.
Isso significa que, por exemplo, as associações
de sem-teto teriam que enviar ao Ministério
da Justiça, todos os anos, um minucioso relatório
explicando quantas e quais pessoas contribuíram
com bens para a manutenção de suas
atividades, qual será a programação
anual de atividades, planejada já no ano
anterior, e elaborar uma política de cargos
e salários para que possa demonstrar como
vão contratar as mulheres que prepararão
as marmitas para alimentar os participantes de seus
encontros. O curioso é que nem mesmo grandes
multinacionais, que enviam ao exterior milhões
de dólares ao ano, devem tantas explicações
ao governo.
Além disso, o projeto cria um controle automático,
pelo Ministério Público, de todas
as ONGs (associações ou fundações
de direito privado, sem fins lucrativos) existentes
em território nacional, embora não
explique o que será esse controle e nem no
que isso ajuda, já que, como qualquer pessoa
jurídica, as ONGs devem já prestar
contas anualmente ao Imposto de Renda, ao INSS e
àqueles órgãos, públicos
ou privados, que contribuem financeiramente com
seus trabalhos, os quais, se constatarem qualquer
irregularidade têm o dever de comunicá-los
às autoridades competentes, inclusive ao
Ministério Público, quando se tratar
de crime. Se o projeto virar lei, os promotores
de Justiça, principalmente das pequenas comarcas,
onde uma mesma pessoa acumula todas as funções,
irão dividir seu tempo entre investigar homicídios
e analisar as listas de associados de associações
de bairro.
Direito de
livre associação ameaçado
Um dos primeiros
direitos fundamentais assegurados em toda a história
da humanidade, o direito de livre associação
remonta às primeiras Declarações
de Direitos, ainda no século XVIII, garantindo
a existência, por exemplo, de partidos políticos
e sindicatos. Previsto formalmente em nosso sistema
jurídico desde a primeira Constituição
republicana, de 1891, ele está elencado pela
Constituição Federal de 1988 em seu
art.5º, que dispõe ser livre a criação
de associações e cooperativas. Ou
seja, independem de autorização estatal
para tanto, e veda a interferência estatal
em seu funcionamento, o que impede que qualquer
autoridade pública venha a dissolver uma
associação com a qual tenha divergências
políticas ou ideológicas. É,
portanto, um dos pilares das modernas democracias,
uma ferramenta de luta conta abusos e controles
por parte do Poder Público, prevista para
que os indivíduos possam se unir para o exercício
de direitos individuais ou coletivos, como o de
livre expressão ou de luta por um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, mesmo que isso venha
a afetar os interesses de grupos políticos
ou econômicos específicos.
Poderia ser
pior
Devido a um acordo
de última hora, foi aprovado o texto substitutivo
apresentado pelo relator, o senador César
Borges (PFL/BA), que retirou vários elementos
do projeto original, do senador Mozarildo Cavalcanti
(PPS/RR), que previa, por exemplo, que as atividades
de uma ONG poderiam ser suspensas caso ferissem
“os bons costumes” ou os “interesses nacionais”.
Esse projeto, pelo menos, diz expressamente que
é livre o funcionamento das ONGs, embora
isso não possa ser encarado como um avanço,
pois não diz nada além do que já
está previsto na Constituição.
Mozarildo Cavalcanti se destaca no parlamento por
sua militância contra os direitos indígenas
– com atuação decisiva na não
demarcação da Terra Indígena
Raposa/Serra do Sol (RR) e foi o incentivador da
criação de uma CPI para investigar
a atuação das ONGs no Brasil que estariam
atuando contra supostos “interesses nacionais”.
A CPI, ao final, não conseguiu apresentar
resultados concretos.
Em linhas gerais, o projeto de lei aprovado cria
controles burocráticos que, ao que tudo indica,
estão fadados ao fracasso, pois carecem de
razoabilidade, utilidade e, principalmente, de estrutura
administrativa para que seja executado. Não
ajuda em nada, portanto, a melhorar o marco legal
do terceiro setor, esse sim um objetivo nobre e
necessário.
A sociedade deve, agora, esperar pela decisão
da Câmara dos Deputados.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Raul Silva Telles do Valle)