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TRATADO
INTERNACIONAL SOBRE RECURSOSFITOGENÉTICOS
PARA AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO
ENTRA EM VIGOR
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Junho de 2004
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Assinado,
mas ainda não ratificado pelo Brasil, o instrumento
da Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação
(FAO, em inglês) estabelece sistema multilateral
de acesso e repartição de benefícios
derivados do uso de recursos fitogenéticos.
Atualmente, 55 países ratificaram o tratado,
que foi assinado pelo Brasil em junho de 2002, mas
ainda não ratificado. Com a ratificação
em 31/3 de 11 países europeus, Egito e Comissão
Européia – como organização
membro –, foi alcançado o número mínimo
necessário para a entrada do Tratado Internacional
sobre Recursos Fitogenéticos para Agricultura
e Alimentação, em 90 dias, ou seja,
a partir de hoje (29/6).
Aprovado em novembro de 2001 durante a 31ª
Conferência da FAO, foi concebido em harmonia
com os princípios da Conferência sobre
Diversidade Biológica (CDB) para estabelecer
um sistema multilateral internacional de acesso
e distribuição de benefícios
derivados do uso de recursos fitogenéticos
para a agricultura e alimentação,
com o objetivo de promover a conservação
e utilização sustentável desses
recursos para a redução da pobreza
e da fome no mundo.
Precedentes
Existe certo consenso
internacional de que a segurança alimentar
só poderá ser alcançada por
meio da conservação, intercâmbio
livre e uso sustentável dos recursos fitogenéticos
que agricultores, comunidades locais e melhoristas
vêm desenvolvendo ao longo dos milênios.
Em 1983, uma versão preliminar do tratado
foi aprovada pelos países membros da FAO,
denominada Compromisso Internacional. Esse documento
conceituava os recursos genéticos como patrimônio
comum da humanidade, que deveriam ser disponibilizados
sem restrições, o que esbarrava em
questões importantes, especialmente ligadas
a direitos de propriedade intelectual.
Com a aprovação da CDB em 1992, que
declara a soberania dos países sobre seus
recursos genéticos, foi feito um trabalho
de adaptação e harmonização
do compromisso, que resultou no texto atual do tratado.
Sistema Multilateral
de Acesso e Repartição de Benefícios
O ponto central do
tratado é a criação de um sistema
multilateral de acesso facilitado a recursos fitogenéticos,
para fins de uso e conservação em
pesquisas científicas, melhoramentos e capacitação,
desde que tais atividades não envolvem usos
químicos, farmacêuticos ou outros usos
industriais.
Como contrapartida do acesso, o sistema prevê
a repartição de benefícios
para os países da origem dos recursos, como
a transferência de tecnologia, capacitação
e intercâmbio de informações.
Há também a previsão da criação
de um fundo com os benefícios monetários
pagos quando o uso resultar em alguma variedade
ou produto explorável economicamente, que
não possa ser utilizado por terceiros para
pesquisa ou melhoramento, em função
de mecanismos de propriedade intelectual.
O sistema multilateral visa especialmente o acesso
a coleções ex-situ mantidas em centros
internacionais de pesquisa em agricultura, que não
estão sob o escopo da CDB.
O tratado abrange apenas as espécies de plantas
do anexo I, que totalizam 35 espécies de
cultivos agrícolas, entre elas o milho, arroz,
feijão, trigo e mandioca, e 29 espécies
forrageiras.
Ainda que o sistema de intercâmbio de sementes
e plantas seja desejável do ponto de vista
da conservação da agrobiodiversidade,
muitas questões ainda estão em aberto.
Melhorar
significa conservar?
Estudos agroecológicos,
etnobotânicos e antropológicos denotam
cada vez mais enfaticamente que o incentivo a melhoramentos
genéticos não necessariamente significa
uma estratégia eficaz de conservação
in situ.
Pelo contrário, a indução de
técnicas de melhoramentos in situ pode, em
alguns casos, causar erosão genética,
na medida em que a ênfase dada à maior
produtividade de determinados cultivos pode levar
ao desuso e perda de outros cultivos menos produtivos,
mas nem por isso menos importantes do ponto de vista
da agrobiodiversidade, ou com propriedades genéticas
relevantes para outros usos.
Acesso facilitado
ou propriedade intelectual?
Um dos pontos centrais
da discussão durante o processo de negociação
do tratado foi o papel dos instrumentos de propriedade
intelectual no futuro sistema multilateral.
Se o objetivo fundamental é promover, incentivar
e facilitar o acesso a recursos fitogenéticos,
qual o sentido em restringir ou privatizar o acesso
a determinados cultivos sob a égide de mecanismos
de propriedade intelectual?
O correto seria a impossibilidade de aplicação
de qualquer mecanismo que restringisse os recursos
fitogenéticos, como patentes e registros
de cultivares.
No entanto, o tratado contém disposições
muito “tímidas” de restrição
à propriedade intelectual, permitindo que
as sementes e outros materiais de origem vegetal
sejam patenteados e/ou registrados como cultivares,
desde que sofram algum tipo de modificação
em relação ao recurso fitogenético
originalmente acessado.
Direitos
de agricultores e comunidades locais
Durante a elaboração
do tratado, havia grande expectativa de que ele
reconhecesse os direitos de pequenos agricultores,
comunidades locais e povos indígenas de livre
uso, intercâmbio e desenvolvimento de sementes
que tradicionalmente manejam. Atualmente, tais direitos
encontram-se ameaçados pela introdução
de novas tecnologias genéticas, contaminação
de genes, restrições legais e direitos
de propriedade intelectual de corporações
transnacionais.
Embora a contribuição e importância
do papel dos agricultores para a conservação
da agrobiodiversidade seja reconhecida em diversos
pontos ao longo do tratado, não há
afirmação clara dos direitos que têm
sobre sementes. No texto, há apenas uma declaração
de princípios relacionada à proteção
geral de conhecimentos tradicionais, o direito de
participar na repartição de benefícios
nos processos nacionais de tomada de decisão
sobre políticas que afetem os recursos fitogenéticos.
E o que fica
de fora?
O tratado impede
que recaiam direitos de propriedade intelectual
apenas sobre os recursos fitogenéticos na
forma em que foram acessados. Qualquer mudança
ou inovação conseguida a partir do
acesso pode ser apropriada individualmente.
Além disso, qual o status de proteção
jurídica das espécies que estão
fora do tratado? Podem essas variedades de plantas
mantidas em coleções ex situ de centros
de pesquisa ser apropriadas através de registros
de cultivares se preencherem os requisitos legais?
Ademais, o acesso a cultivos no âmbito do
sistema multilateral somente é permitido
para fins de pesquisa e melhoramentos, ficando proibido
o acesso para fins de aplicações industriais,
farmacêuticas ou químicas. Como fica
a situação dos cultivos que não
fazem parte do anexo I? Podem ser exploradas pelo
setor privado para esses fins?
Essas são algumas das questões que
deverão ser enfrentadas a partir da incorporação
do tratado, uma vez ratificado, à legislação
brasileira, e das futuras reuniões dos países
membros da FAO.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Fernando Mathias)