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DEPUTADO
LINDENBERG FARIAS (PT/RJ) PROPÕE
RETALHAÇÃO DA TI RAPOSA SERRA
DO SOL (RR)
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Abril de 2004
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O
parlamentar, relator da Comissão Externa
da Câmara dos Deputados instalada em fevereiro
deste ano para “avaliar a demarcação
da terra indígena”, apresentou relatório
sobre o assunto nesta quarta-feira (31/3). Nele,
propõe que sejam excluídos da área
a ser homologada 12 mil hectares de terras griladas
por arrozeiros; Uiramutã, base de apoio do
garimpo transformada em município em 1997,
mas ainda sub júdice; e uma faixa de terra
de 15 quilômetros ao longo da faixa de fronteira
com a Venezuela e Guiana.
Situada no nordeste
de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela,
a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, habitada
por cerca de 15 mil índios das etnias Makuxi,
Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingarikó,
tem seu limite [1.678.800 hectares] reconhecido
pela Portaria nº 820/1998 do Ministério
da Justiça.
A demora do presidente Lula em assinar o decreto
de homologação da TI, pronta para
ser homologada desde o fim do mandato de FHC, permite
que comecem a pipocar situações inoportunas
- considerando o processo demarcatório de
TIs estabelecido pelo Decreto 1.775/96 -, como a
criação de uma comissão externa
da Câmara dos Deputados, para “avaliar in
loco a demarcação da TI Raposa Serra
do Sol”.
Presidida pelo deputado Moacir Micheletto (PMDB/PR)
- notório entre os ambientalistas por conta
de suas propostas de alterações do
Código Florestal -, a comissão conta
com 13 integrantes, entre os quais, seu relator,
o deputado Lindberg Farias (PT/RJ), que apresentou
nesta quarta-feira (31/3) parecer sobre o assunto.
Farias propõe uma “nova identificação”
das terras destinadas aos indígenas de Raposa-Serra
do Sol. De acordo com o seu relatório, a
Portaria nº 820/98 do Ministério da
Justiça, que embasa o processo de demarcação
da TI, seria ilegal e inconstitucional, por violar
preceitos de soberania e segurança nacional.
Na contramão do que já foi garantido
à população indígena
de Raposa-Serra do Sol, o deputado defende ser necessária
a exclusão de diversas áreas imprescindíveis
à segurança nacional e à economia
roraimense. O documento questiona ainda o laudo
antropológico que fundamenta a demarcação
daquela terra, afirmando que “a elaboração
de peças centrais do laudo antropológico
por organizações não-governamentais
ligadas à defesa dos direitos indígenas,
ou seus representantes, compromete a isenção
daquele documento”.
Diversos deputados, entre os quais Perpétua
Almeida (PC do B/AC), da Frente Parlamentar em Defesa
dos Povos Indígenas, pediram vista conjunta
do parecer. Os parlamentares podem apresentar até
segunda-feira (5/4) sugestões ao documento,
que deverá ser discutido e votado na próxima
reunião da comissão externa, agendada
para terça-feira (6/4).
Principais
pontos do parecer de Lindberg Farias
Garantia de terras griladas aos arrozeiros
Defendendo a legitimidade
das terras invadidas com base na Lei de Terras de
1850, o documento propõe a exclusão
de 12 mil hectares da TI Raposa-Serra do Sol, onde
hoje grileiros mantêm plantações
de arroz. Farias enaltece a rizicultura como uma
grande atividade econômica de Roraima, responsável
por mais de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de
Roraima e pela geração de 6 mil empregos.
O Relatório sobre a Situação
das Terras em Roraima: Enfoque ao Uso Agrícola,
elaborado pela Embrapa-RR a partir dos relatórios
do Zoneamento Econômico-Ecológico da
Região Central do Estado de Roraima, aponta
que as áreas efetivamente livres e aptas
para a agricultura correspondem a 2,8 milhões
de hectares, ou 12,6% da superfície do Estado.
Ou seja, a atividade pode ser desenvolvida em outras
regiões. Além disso, diversos índios
apresentam constantemente denúncias relacionadas
aos problemas ambientais e à saúde
das comunidades provocados pelos agrotóxicos
usados nessas lavouras, como a poluição
de igarapés e rios e a mortandade de peixes
e outros animais.
Exclusão
de faixa de 15 km ao longo da fronteira com Venezuela
e Guiana
Sem qualquer fundamento
legal ou constitucional, o deputado propõe
a exclusão de uma faixa de terra de 15 quilômetros
ao longo da fronteira do Brasil com a Venezuela
e Guiana. Argumenta, para tanto, que, embora seja
reconhecida a compatibilidade entre terras indígenas
e faixa de fronteira, “recomenda a prudência
que seja mantida, dentro do possível, a presença
de não-índios na região, assegurando
a ocupação produtiva e a integração
daquela área ao território nacional”.
“...Por estar a pretendida área de Raposa-Serra
do Sol em região de fronteira, sujeitas a
atividades como garimpo ilegal, contrabando, narcotráfico
e biopirataria, é fundamental que as Forças
Armadas tenham ampla liberdade de atuação
na região. É necessário, portanto,
incentivar a ocupação humana, com
os objetivos de consolidar a presença brasileira
em áreas estratégicas do território
nacional, facilitar o combate a ilícitos
nacionais e transnacionais e promover a dignidade
das populações locais”, expõe
no documento.
E por falar na dignidade das populações
locais, Lindberg desconsidera a existência
de aldeias nesta região, incentivando a invasões
de não-índios aonde atualmente isso
não acontece, o que pode acirrar os conflitos
locais. Mais: parte da premissa preconceituosa de
que “ocupação produtiva” só
é possível por não-índios,
revelando desconhecimento da realidade da área,
onde os indígenas mantêm 27 mil cabeças
de gado.
A proposta, descabida, uma vez que contraria frontalmente
o disposto no artigo 231 da Constituição
Federal, visa também excluir da demarcação
as principais áreas ricas em minérios,
atendendo aos interesses de empresas de mineração
que vêem a TI Raposa-Serra do Sol como um
empecilho.
Uiramutã,
município sub júdice, ileso
A proposta de exclusão
da linha de 15 quilômetros ao longo da fronteira
alcançaria também Uiramutã,
antiga base de apoio ao garimpo alçada à
condição de município, ainda
sub júdice, em 1997.
Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA)
em junho de 2003, a advogada Ana Paula Souto Maior,
procuradora da Fundação Nacional do
Índio (Funai), definiu Uiramutã -
orçamento de R$ 3,2 milhões no ano
passado -, como uma das questões mais sérias
de Raposa-Serra do Sol. “"É Terra da
União, que está sendo grilada pelo
Estado de Roraima, com apoio de recursos federais”,
disse.
A Comissão de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA) afirmou expressamente,
em um relatório de 1997, a necessidade de
que sejam “paralisadas todas as decisões
de municipalização que atinjam terras
indígenas, inclusive aquelas em processo
de demarcação e homologação”,
não apenas por sua origem ilegal, mas especialmente
por causa dos conflitos e problemas que causam às
comunidades indígenas.
Aliás, a advogada indígena Joênia
Wapichana, do Conselho Indígena de Roraima
(CIR), entregou à Comissão de Direitos
Humanos da OEA na segunda-feira (29/3) uma petição
com denúncias de violação no
Brasil à Declaração Americana
sobre Direitos Humanos da OEA.
Consulta
ao Conselho de Defesa Nacional (CDN)
O parecer de Lindberg
também considera imprescindível que
seja convocada uma reunião do Conselho de
Defesa Nacional (CDN), para “que este debata em
profundidade e se pronuncie sobre a questão,
que envolve a segurança nacional em zona
de fronteira”.
A consulta ao CDN - órgão de consulta
do Presidente da República nos assuntos relacionados
com a soberania nacional e a defesa do estado democrático
– não faz parte do processo de demarcação
das Terras Indígenas e expõe a homologação,
mais uma vez, a contestações extemporâneas.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Fernando Mathias e Cristiane
Fontes)