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POLÍTICA
MUNDIAL DE BIODIVERSIDADE EM DISCUSSÃO
NA MALÁSIA
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Março de 2004
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Política
mundial de biodiversidade em discussão na
Malásia: a velha diplomacia do “bode na sala”
Debates sobre regime
internacional de acesso e repartição
de benefícios derivados do uso de recursos
genéticos, proteção de conhecimentos
tradicionais de povos indígenas e comunidades
locais, bem como sobre áreas protegidas,
patinam em torno de controvérsias criadas
com o único intuito de paralisar a implementação
da Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) no mundo. Leia análise da equipe do
ISA presente à 7ª Conferência
das Partes (COP-7) na Malásia.
Desde que foi assinada durante a Eco-92, no Rio
de Janeiro, a Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) vem passando por sucessivas
rodadas de discussões entre seus 188 países
signatários – que correspondem às
chamadas “partes” deste tratado internacional. A
7ª Conferência das Partes (COP-7) da
CDB transcorreu entre 8 e 20 de fevereiro último,
em Kuala Lumpur, Malásia. Presentes à
conferência, como observadores, o advogado
Fernando Mathias e o biólogo Henry Novion,
do Programa Política e Direito Socioambiental
(PPDS) do Instituto Socioambiental (ISA), relatam
abaixo, suas avaliações sobre o encontro.
A COP-7 terminou deixando nos participantes a sensação
de que houve significativos avanços na consecução
dos objetivos da CDB no mundo: um programa de áreas
protegidas vem sendo concebido e um regime internacional
de acesso e repartição de benefícios
derivados do uso de recursos genéticos vem
sendo negociado. Mas a impressão que se tem
é a de que diversos “bodes” foram colocados
de início nas salas de discussões,
causando exasperação e desconforto,
para serem simplesmente retirados na última
plenária. É desse põe-e-tira
de “bodes”, e não de outra coisa, que vem
a sensação de avanço – ou seria
meramente de alívio? – com que se encerrou
o encontro internacional na Malásia.
Em todos os grandes temas de discussão na
COP, replica-se normalmente a dicotomia entre países
ricos e pobres – os chamados “em desenvolvimento”
ou “com economia em transição”. Como
a CDB é uma Convenção que tem
a particularidade de conferir poder de negociação
aos países pobres – pelo fato de que grande
parte da biodiversidade (leia-se potencial capital
para países detentores de biotecnologia)
no mundo se encontra nesses países –, a estratégia
adotada pelos países ricos, que, afinal,
são os que detêm o verdadeiro poder
do capital, é a de levar à COP seu
rebanho de “bodes”, para colocá-los no meio
das salas e plenárias de discussão,
atravancando assim qualquer avanço possível.
Tudo, é claro, sempre de forma muito educada
e respeitosa, como dita a regra da diplomacia internacional.
Enquanto isso no mundo real, o acesso descontrolado
a recursos biológicos e genéticos
e a conhecimentos tradicionais continua no seu ritmo
acelerado, acompanhado e respaldado pela liberal
legislação internacional de propriedade
intelectual, que permite e até incentiva
a privatização de seres vivos e de
heranças culturais milenares por corporações
transnacionais.
As discussões recém-ocorridas na Malásia
podem ser agrupadas em três frentes principais.
Seguem tópicos resumidos com links, por meio
dos quais o leitor tem acesso às minúcias
dos debates, aos “bodes” e às “salas” envolvidos
em cada uma delas.
Áreas
protegidas
Em primeiro lugar,
destacaram-se os debates relativos à constituição
de um programa de trabalho de áreas protegidas
em nível mundial, dos mais produtivos na
COP-7. Nessa frente, a participação
do ISA foi além da observação,
tendo caráter de intervenção
propositiva. Um documento elaborado pelo ISA, defendendo
a importância das terras indígenas
para estratégias de trabalho na temática
das áreas protegidas, circulou amplamente
entre os demais participantes da Conferência.
E deve-se ressaltar que povos indígenas e
comunidades locais residentes no interior de áreas
protegidas foi um dos maiores focos de discussão
na COP-7.
O Artigo
8j da CDB e a proteção aos conhecimentos
tradicionais
A segunda frente
é a implementação do Artigo
8j da CDB, relativo à proteção
dos conhecimentos tradicionais. Nessa frente, destacam-se
os debates referentes às chamadas tecnologias
de uso genético restrito (GURTs), aos impactos
socioambientais de projetos de desenvolvimentos
sobre terras indígenas e de comunidades locais,
bem como à construção de um
sistema sui generis de proteção aos
conhecimentos tradicionais. Pouco se avançou,
e as discussões prosseguirão em outras
ocasiões. Clique aqui para um relato mais
detalhado .
O Artigo
8j da CDB
Cada Parte Contratante
deve, na medida do possível e conforme o
caso, em conformidade com sua legislação
nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento,
inovações e práticas das comunidades
locais e populações indígenas
com estilo de vida tradicionais relevantes à
conservação e à utilização
sustentável da diversidade biológica
e incentivar sua mais ampla aplicação
com a aprovação e a participação
dos detentores desse conhecimento, inovações
e práticas; e encorajar a repartição
eqüitativa dos benefícios oriundos da
utilização desse conhecimento, inovações
e práticas)
Regime Internacional
de acesso e repartição de benefícios
derivados do uso de recursos genéticos
Por fim, vem a criação
de um regime internacional de acesso a recursos
genéticos e repartição justa
e eqüitativa de benefícios daí
derivados (access and benefit sharing – ABS). A
COP-7 discutiu a natureza e o escopo de tal regime,
deliberou por conferir mandato específico
ao Grupo de Trabalho sobre ABS para dar prosseguimento
a tais discussões e teve de lidar com os
grandes “bodes” que são os debates em curso
em outros fóruns internacionais, como a OMPI
(Organização Mundial de Propriedade
Intelectual) e a OMC (Organização
Mundial de Comércio).
Pode-se dizer que, enquanto permanecerem as normas
internacionais sobre propriedade intelectual hoje
vigentes no âmbito da OMPI e da OMC, que permitem
a privatização da vida (patente sobre
seres vivos) e dos conhecimentos tradicionais indígenas,
a criação de um regime internacional
de acesso e repartição nada mais é
do que uma grande “cortina de fumaça”. Veja
aqui a íntegra desta discussão.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Fernando Mathias e Henry
Novion)