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FINALMENTE
ALGUM ESPAÇO PARA OS DIREITOS INDÍGENAS
NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Maio de 2004
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Após as manifestações
preconceituosas de parlamentares em relação
aos povos indígenas e a aprovação
da proposta de retalhação da TI Raposa
Serra do Sol, a Comissão de Direitos Humanos
e Minorias reage, promovendo a audiência pública
Direitos Humanos e Direitos Indígenas, na
qual o relatório da VIII Caravana de Direitos
Humanos sobre Conflitos em Terras Indígenas
foi relançado. Publicado originalmente em
outubro do ano passado, o documento recomendava,
entre outras medidas, a “imediata” mobilização
da Polícia Federal para impedir a invasão
da TI Roosevelt (RO) e a normatização
da atividade de garimpo de diamante na área
dos Cinta-Larga.
Novos ares e atores na audiência pública
promovida pela Comissão de Direitos Humanos
e Minorias na Câmara dos Deputados na terça-feira
(4/5) para discutir diretos humanos e direitos indígenas.
A começar pelos convidados que compuseram
a mesa. Dom Pedro Casaldáliga, bispo da prelazia
de São Félix do Araguaia (MT); Júlio
José de Souza Macuxi, do Conselho Indígena
de Roraima (CIR); Dalmo Dallari, jurista e professor
da Universidade de São Paulo (USP); Débora
Duprat, subprocuradora-geral da República;
e Renato Zerbini Ribeiro Leão, diretor-presidente
do Centro de Proteção Internacional
de Direitos Humanos, e Mércio Pereira Gomes,
presidente da Fundação Nacional do
Índio (Funai).
Entre os presentes, integrantes da Frente Parlamentar
em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas,
como o deputado Eduardo Valverde (PT/RO), e outros
sensíveis aos direitos humanos, entre os
quais o senador Eduardo Suplicy (PT/SP). Já
os políticos em campanha anti-indígena
no Congresso não compareceram. “Lamento a
ausência daqueles que sempre falam sobre os
índios, não só estão
interessados em ouvir a sua própria voz”,
cutucou pertinentemente a subprocuradora-geral da
República, Débora Duprat.
“A causa indígena é uma causa perdida
e simultaneamente uma causa subversiva. Dentro do
maléfico sistema neoliberal que domina o
mundo, todos quantos assumimos a causa indígena
navegamos fora de onda, somos economicamente hereges,
quixotes enlouquecidos, iniciou Casaldáliga,
um dos mais importantes defensores dos excluídos
do país, envolvido, entre outros, na fundação
do Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
e da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Para ele, a consciência e as políticas
públicas dos países latino-americanos
e caribenhos ao longo dos 500 anos de sua existência
têm sido sempre de desconhecimento das especificidades
dos povos indígenas e por isso de seus direitos.
“Foi até: índio bom é índio
morto. Vem sendo, com a maior naturalidade: ‘índio
bom é índio integrado’, quer dizer,
desintegrado. A origem e as justificativas dessa
mentalidade e dessa política são bem
conhecidas. Os povos indígenas são
povos primitivos, sua cultura é uma sub-cultura,
são empecilho para o progresso. Além
do mais, as terras e o sub-solo dos povos indígenas
vêm sendo sempre objeto da mais descarada
cobiça.”
Casaldáliga encerrou seu combativo e inspirado
discurso definindo a causa indígena como
uma causa perdida e simultaneamente subversiva e
libertadora. “Com os zapatistas maias, todos os
povos indígenas da Ameríndia, do mundo,
nos recordam, com pleno direito: ‘Nada sem nós’.
‘Povos-testemunhas, segundo Darcy Ribeiro, esses
povos são também povos-profecia, memória
do nosso futuro. Sem eles, não seremos nós.”
Com crítica às recorrentes posições
do Congresso Nacional contrárias aos direitos
indígenas conquistados na Constituição
Federal (CF) de 1988, o jurista Dalmo Dallari citou
aos participantes pontos específicos do artigo
231, que trata do assunto, como o direito às
terras que tradicionalmente ocupam e a usufruir
seus recursos naturais. Para desconstruir argumentos
equivocados sobre a exploração de
minérios em Terras Indígenas, estendeu
sua “aula”, remetendo os participantes a outros
artigos da CF e ao Estatuto do Índio (Lei
6001/73), que e à lei da garimpagem (Lei
7805/89), que proíbem garimpagem por não-índios
em TIs e criminalizam a realização
da atividade sem a autorização dos
índios. “O único que não precisa
de autorização para garimpar é
o índio.”
Reforçando em diversos momentos o desrespeito
de parlamentares aos direitos indígenas,
Júlio Macuxi, da Terra Indígena Raposa
Serra do Sol (RR), afirmou: “Quando vejo o direito
ser negociado politicamente, não acredito”,
com motivos de sobra para sua indignação
após as propostas da Câmara dos Deputados
e do Senado de retalhação da áreaonde
vive. Posteriormente, questionou: “será que
a Constituição ainda tem valor no
Brasil?”. Para Júlio Macuxi, o atual governo
só vem cumprindo “o direito com o Fundo Monetário
Internacional (FMI)”, afirmação que
provocou risos e aplausos.
Mércio Gomes esquivou-se de abordar a atual
situação da Funai e a atuação
[ou omissão como apontam seus opositores]
do órgão no recente conflito na TI
Roosevelt. Afirmou que o Estado brasileiro, mesmo
que "aos trancos e barrancos", vem avançando,
desde o início do período republicano,
no reconhecimento dos direitos indígenas.
Apoiando-se numa citação do poeta
indianista Gonçalves Dias, enfatizou a importância
dos índios para a formação
do "caráter nacional" e destacou
que a "reabilitação" indígena
na consciência nacional pode ser mensurada
tanto no plano da recuperação demográfica
como no fato de mais de 12% do território
brasileiro serem hoje Terras Indígenas.
Gomes também falou sobre a necessidade de
"resgatar a indianidade que há em todos
nós", tarefa que deve ser cumprida no
plano das leis, e encerrou defendendo que este é
um "governo iluminado" para tanto.
A subprocuradora-geral da República afirmou
que os direitos conquistados com a Constituição
Federal 1988 não foram uma criação
do Brasil, mas parte de um movimento mundial pelo
reconhecimento da pluralidade cultural. “Apesar
de termos uma Constituição Federal
tão feliz, ainda estamos distantes de dar
as devidas conseqüências a esses direitos.”
Débora combateu os discursos que colocam
a homologação da TI Raposa Serra do
Sol como uma ameaça à segurança
nacional [por estar localizada em área de
fronteira] e ao desenvolvimento econômico
[por atingir interesses de uma parcela da elite
roraimense], definindo-os como racistas e discriminadores.
Sobre o projeto, antigo e novamente em discussão,
da ocupação da área de fronteira
por não-índios, rebateu: “ou os índios
não são vistos como pessoas, ou são
vistos como incapazes”. Para Débora, “temos
ainda um Estado etnocêntrico, cruel e colonizador”.
O relatório da VIII Caravana de Direitos
Humanos sobre Conflitos em Terras Indígenas,
lançado originalmente lançado em outubro
do ano passado, foi amplamente distribuído.
Resultado de audiências públicas e
visitas, entre outras, às TIs Roosevelt (RO),
Buriti (MS) e Raposa Serra do Sol (RR), incluiu
entre as suas recomendações: o cancelamento
administrativo de todos os requerimentos de mineração
e exploração de recursos naturais
que incidam em Terras Indígenas até
que seja aprovada a regulamentação
do artigo 231 da Constituição Federal,
a aprovação do Estatuto do Índio,
a inclusão de estradas e outras obras de
infra-estrutura em TIs no cadastro de obras irregulares,
o empenho de recursos no Plano Emergencial Pró-Cinta-Larga
e a “imediata” mobilização da Polícia
Federal para impedir a invasão da área,
assim como a normatização da atividade
do garimpo de diamante na região.
O deputado Mário Heringer (PDT/MG) informou
que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias,
da qual é presidente, pretende fazer uma
campanha a favor da inclusão do Estatuto
do Índio na pauta do plenário. “Esse
não é um tema prioritário.
Se já tivesse sido aprovado, várias
questões estariam resolvidas”, pontuou o
deputado, que questionou o esvaziamento orçamentário
e institucional da Funai.
Também foi lançada a campanha sobre
Direitos Humanos e Direitos Indígenas, do
Instituto Interamericano de Direitos Humanos, composta
por livros didáticos e um CD-ROM, em espanhol,
com módulos sobre direitos humanos, direitos
educativos e participação política
dos povos indígenas.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Cristiane Fontes)