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JORNAL O
GLOBO DESTACA MATÉRIA SOBRE NOVO
ESPAÇO OCUPADO PELO MOVIMENTO INDÍGENA
Panorama
Ambiental
Manaus (AM) – Brasil
Março de 2004
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O Jornal o Globo,
destacou no sábado, 06/03, no caderno Prosa
& V Verso, matéria extensa da jornalista
Rachel Bertol, sobre “ um espaço inédito
na sociedade” ocupado pela “força do “movimento
indígena” e a produção intelectual
dos índios, depois de “uma difícil
convivência” nos últimos 500 anos com
a sociedade ocidental. Na capa o caderno destaca
as fotos do coordenador geral da Coiab, Jecinaldo
Barbosa Cabral; da advogada Joênia Wapichana,
do Conselho Indígena de Roraima; da coordenadora
da Articulação dos Povos Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(Apoinme), Maninha Xucurú; e do líder
ashaninka Isaac Pinhanta. Na página 02, o
caderno ressalta a produção intelectual
do índio Daniel Munduruku, e nas páginas
03 e 04 o caderno transcreve artigos e depoimentos
dos antropólogos Henyo Barreto Filho, da
Universidade de Brasília, Antônio Carlos
Lima e João Pacheco de Oliveira, do Museu
Nacional (UFRJ).
Ao comentar a cobertura de “O Globo”, o professor
João Pacheco afirma: “não me recordo
de nenhuma outra ocasião que um veículo
da "grande imprensa" tenha dedicado tanto
espaço de jornal para falar sobre índios
(fora de situações de massacres e
conflitos muito graves). Acho que é a primeira
vez que se expõe na mídia de um modo
muito claro a importância das organizações
indígenas e se estampa nessas páginas
(tornando mais conhecidas) as imagens da jovem e
combativa liderança que constitui a força
dessas organizações”.
Reproduzimos, a seguir, a matéria principal
de “O Globo”.
Índio
cidadão Rachel Bertol
Índio escritor,
índio diretor de filmes, índio professor,
estudante de filosofia e outros cursos universitários,
índio político e atuante, que fala
muito bem o português e entende a fundo o
mundo dos não-índios. Eles começam
no Brasil, pela primeira vez em 500 e poucos anos
de uma difícil convivência, a ocupar
um espaço inédito na sociedade. É
a força do “movimento indígena”, expressão
com a qual designam suas novas associações
e atuação à moda ocidental.
Ou, como prefere o escritor Daniel Munduruku, trata-se
do “saber em movimento”, pois, segundo ele, o pensamento
dos indígenas só sobreviveu, “teimosamente
até hoje”, justamente por nunca ter se sujeitado
“às lógicas do poder ocidental”. Seja
como for, ganham visibilidade para defender melhor
sua cultura e direitos.
Munduruku, que mora em Lorena (SP) mas, mantém
permanente contato com seu povo, no Pará,
é um pioneiro desta nova era. Autor de uma
dezena de livros para crianças, como “O segredo
da chuva” (Ática) e “Você lembra, pai?”
(Global), ele será homenageado no estande
brasileiro da tradicional feira do livro de Bolonha,
na Itália, nos próximos 15 a 18 de
abril. A iniciativa é da Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), que
organiza o estande e está levando o escritor
à Itália Com o apoio de suas editoras.
Também em abril, no Rio, será possível
conhecer outros pioneiros, os novos índios
do século XXI. Entre os dias 19 e 25 de abril,
acontecerá no Centro Cultural Banco do Brasil
(CCBB) a mostra “Um olhar indígena”, promovida
pela ONG Vídeo nas Aldeias, com a exibição
de filmes realizados pelos próprios índios.
A era dos documentários etnográficos
dirigidos somente por “brancos”, iniciada no Brasil
em 1949 com “Aspectos do Alto Xingu”, de Manoel
Rodrigues Ferreira, parece estar ficando no passado.
Agora, virão ao Rio índios como Isaac
Pinhanta, do povo Ashaninka, que vive no Acre, na
fronteira com o Peru.
Isaac, de 32 anos, que já dirigiu dois vídeos
sobre o cotidiano de seu povo (“No tempo das chuvas”,
de 2000, e “Dançando com cachorro”, de 2001),
enfrenta riscos para concluir com o irmão
Valdete seu novo trabalho, que vai abordar um dos
mais graves problemas de seu estado hoje: a invasão
do território Ashaninka (e brasileiro) por
madeireiros peruanos que roubam o mogno e por narcotraficantes.
— Chego a estar cansado de tanta luta, enfrentando
o preconceito e buscando conhecimento para defender
o meu povo — disse por telefone, de Rio Branco,
o índio, professor das crianças de
sua aldeia e irmão também de Francisco
Pianko, o secretário dos povos indígenas
do Acre (numa secretaria extraordinária criada
pelo governador Jorge Viana).
Para registrar este momento de mudanças históricas,
pesquisadores do Laboratório de Pesquisas
em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (Laced),
do Museu Nacional/UFRJ, viajaram por todo o Brasil
entre 1999 e 2003 e voltaram com 300 horas filmadas:
são dezenas de depoimentos de índios
dos mais diversos povos — há cerca de 220
etnias no Brasil com culturas e línguas extremamente
variadas — sobre sua nova realidade. O material,
em fase final de catalogação, deverá
estar disponível para consulta já
a partir do próximo mês.
Trata-se de uma renovação do acervo
tradicional, no qual o índio aparece em geral
exclusivamente imerso em sua cultura e, não
raramente, é retratado como o personagem
exótico dos cocares, das plumas e das línguas
nativas. Um resumo da nova coleção
pode ser visto no média-metragem “Pisa Ligeiro”,
dirigido pelo jornalista Bruno Pacheco de Oliveira,
editado neste início de 2004. O título
se refere à canção que o povo
Xucuru-Kariri cantava em Pernambuco numa manifestação:
“Pisa ligeiro, quem não pode com a formiga
não assanha o formigueiro”. No filme, eles
contam como estão se organizando politicamente
para atuar.
— Não é um filme etnográfico,
mas político. “Pisa ligeiro” está
sendo considerado o filme do movimento indígena
pelos seus líderes — diz Bruno Pacheco.
Outro projeto que está nascendo no Laced
é o “Trilhas do conhecimento — O ensino superior
de indígenas no Brasil”, com o apoio da Fundação
Ford, que visa a preparar universidades, sobretudo
federais, para receber alunos indígenas,
com cursos de pré-vestibular e acompanhamento
na graduação. Será uma espécie
de ação afirmativa sem necessidade
de cotas — um dos mais amplos projetos, entre os
muitos que já estão acontecendo, para
levar o índio à universidade. Neste
semestre, já serão escolhidas até
quatro instituições onde se iniciará
a preparação dos docentes.
Se na esfera da política oficial ainda há
muitos entraves e lutas sangrentas por terra — o
movimento indígena reivindica do governo
Lula uma total revisão da política
indigenista —, “o saber em movimento” fortalece
a identidade dos índios. Como costumava dizer
o avô de Daniel Munduruku, que o inspirou
na trilha da palavra escrita, “enquanto houver um
único pajé sacudindo seu maracá,
haverá sempre a certeza de que o mundo estará
salvo da destruição”.
Fonte: Amazônia
ORG (www.amazonia.org.br)
Luciana Vasconcelos
COIAB (Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira)
Assessoria de imprensa