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ÍNDIOS
E DIAMANTES EM RONDÔNIA
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Maio de 2004
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Em artigo, o advogado
e sociólogo, Roberto A. O. Santos, membro
do Instituto Histórico e Geográfico
do Pará, analisa o conflito no garimpo dos
índios Cinta-Larga.
A tragédia ocorrida em abril de 2004 na Terra
Indígena Roosevelt, em Rondônia, com
a morte de 29 homens que ali faziam garimpo ilegal
de diamantes, não pode ser compreendida isoladamente.
Foi no final dos anos 1920 que as terras dos índios
Cinta-Larga passaram a ser invadidas por não-índios
em busca de seringueiras. Um dos conflitos maiores
foi o Massacre do Paralelo 11, ocorrido em 1963,
fato de repercussão internacional, sendo
o Brasil, pela primeira vez, acusado de genocídio.
No livro Vítimas do Milagre: o desenvolvimento
e os Índios do Brasil (Zahar, 1978), o antropólogo
Shelton Davis assim se referiu ao episódio:
“Em 1963, um homem chamado Francisco de Brito, que
trabalhava para a Arruda e Junqueira [empresa de
produção de borracha], organizou um
bando de garimpeiros e pistoleiros para expulsar
os Cintas-Largas de suas terras. De acordo com relatos
desse incidente, que mais tarde ficou conhecido
como o Massacre do Paralelo Onze, Brito alugou um
avião para atacar as aldeias dos Cintas-Largas.
No momento do ataque, os Cintas-Largas estavam em
meio a um importante cerimonial. Parece que ao meio-dia
o avião com Brito e seus capangas chegou
à aldeia dos Cintas-Largas e jogou pacotes
de açúcar sobre os índios.
Em seguida, o avião deu uma rasante e começou
a dinamitar a aldeia. Ninguém sabe exatamente
quantos índios foram mortos nesse ataque.
Alguns, porém, escaparam, e outra expedição
foi organizada para exterminar a tribo. Os detalhes
sangrentos dessas tentativas de extermínio
dos Cintas-Largas assim como a rápida e infrutífera
investigação do massacre pelo Governo
foram descritos no artigo de Norman Lewis, Genocídio
– de Fogo e Espada a Arsênico e Balas, a Civilização
extinguiu seis milhões de índios.
Um dos aspectos mais esquecidos da descrição
do Massacre do Paralelo Onze, por Lewis, foi sua
sugestão de que valiosos depósitos
minerais poderiam ter sido o motivo principal da
tentativa de dizimação da tribo” (p.
107).
Os confrontos não pararam com a chegada dos
madeireiros, que devastavam as florestas indígenas
para extrair madeiras nobres. “Eles deixam atrás
de si um rastro de destruição e degradação
ambiental, tráfico de drogas, alcoolismo,
prostituição e desagregação
das tradições culturais e das próprias
comunidades”, conta Inês Zanchetta, do Instituto
Socioambiental (ISA). A partir da descoberta da
jazida diamantífera na região (1999),
a excitação aumentou, impelindo garimpeiros
para a reserva, o que vem acontecendo desde 2000,
atingindo em certa altura o número de 5 milhares
de garimpeiros. Em dezembro de 2001 é assassinado
Carlito Cinta-Larga e em abril de 2002, César
Cinta-Larga. Denúncias e protestos geraram
ação no sentido da retirada dos garimpeiros,
que se iniciou em março de 2002. Entre janeiro
e agosto de 2003, foi concluída. Não
cessaram, porém, as ameaças de novas
invasões por garimpeiros.
Em novembro de 2003, a Comissão Parlamentar
de Direitos Humanos visitou a aldeia, e os índios
denunciaram o assédio e a violência
a que estão expostos, dizendo que “irão
resistir contra as invasões”. A Subprocuradora
Geral da República, Ella Volkmer e o Relator
Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente,
Jean-Pierre Leroy, tendo visitado a região
em outubro de 2003, enviaram relatório ao
governo alertando para a gravidade da situação
dos Cinta-Larga.
A Constituição Federal (CF) manda
reconhecer aos índios sua organização
social, costumes, línguas, crenças
e tradições, e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, “competindo
à União demarcá-las, proteger
e fazer respeitar todos os seus bens” (art. 231).
A mineração de subsolo em terras indígenas,
quer a lavra quer a pesquisa, só pode ser
efetivada mediante autorização do
Congresso Nacional, que ouvirá prévia
e diretamente as comunidades afetadas, ficando-lhes
assegurada a participação nos resultados,
sendo indispensável também o estudo
e licenciamento ambientais.
Tratando-se de garimpagem em terra indígena,
a atividade é proibida a não-índios,
mesmo cooperativados (CF, art. 231, § 7o.).
E a lei de minas considera crime a extração
de minerais sem permissão (Lei 7.805/89,
art. 21). Não é, porém, proibida
a garimpagem a índios, ao contrário
da informação divulgada em alguns
jornais. Por serem usufrutuários vitalícios
das terras que ocupam, com posse permanente e exclusiva
(CF-88), os índios podem praticar a garimpagem
no solo e águas interiores respectivos. José
Afonso da Silva já o afirmara, ao comentar
a CF-88. E Juliana Santilli expressa a mesma opinião
em “Povos indígenas no Brasil-1996/2000”,
do ISA. O Conselho Indigenista Missionário
segue rumo igual. Unicamente por questões
de administração minerária
do país, os índios devem contatar
o Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM) a respeito, preferentemente através
da Funai. Lembre-se que o Estatuto do Índio,
de 1973, recepcionado pela CF, dispõe que
“as riquezas do solo, nas áreas indígenas,
somente pelos silvícolas podem ser exploradas,
cabendo-lhes com exclusividade o exercício
da garimpagem, faiscação e cata das
áreas referidas” (art. 44).
A página da Fundação Nacional
do Índio (Funai) na Internet registra: “A
descoberta de diamantes na terra dos Cinta-Larga
acirrou a ganância dos garimpeiros que querem
a todo custo invadi-la. Para justificar essa atitude,
contam com o apoio de um jornal local compromissado
com os invasores”. E acrescenta: “Independentemente
da sua terra indígena ter diamantes ou não,
cabe aos Cinta-Larga, assistidos pela Funai e pelo
Ministério Público da União,
decidir como serão explorados os recursos
naturais de que dispõem”.
Por outro lado, o índio Nacoça Piu
Cinta Larga, presidente da Associação
Pamaré do Povo Indígena Cinta Larga,
divulgou nota, do final de 2003, sobre a inquietação
em que vivem os índios na reserva, pressionados
sob ameaça de morte, inclusive de seus filhos
pequenos, a não aparecer na cidade, onde
se abastecem de alimentos e outros itens. E rejeita
energicamente a versão da mídia sobre
assassinato de garimpeiros. A nota já mostrava
os riscos, para o país, de se tolerar a reincidência
e ampliação das invasões: “Queremos
deixar claro uma coisa; devido a não termos
acessos aos limites da área, muitas vezes,
ficamos sabendo que garimpeiros trabalham manualmente
de forma clandestina, com isso, ao extraírem
minério, matam-se uns aos outros, para furtarem
entre si os minérios que exploraram clandestinamente.
Quando estes garimpeiros voltam à cidade,
sem a presença de seus mal fadados companheiros,
rapidamente dizem que foram os Cinta Larga que os
mataram. Coisa que a mídia local, mancomunada
com os interesses de políticos, explora desavergonhadamente,
denegrindo nossa imagem, desonrando nosso povo e
fomentando o ódio dos brancos contra nossa
gente”.
No mesmo sentido se pronunciou, em 14 de abril corrente,
a Coordenação da União das
Nações e Povos Indígenas de
Rondônia, Noroeste do Mato Grosso e Sul do
Amazonas, dizendo mais: “A pressão de grupos
políticos e empresariais de Rondônia
que defendem a liberação do garimpo
a todo custo, principalmente pelo próprio
governo do Estado que se propõe a comprar
os diamantes via Companhia Rondoniense de Mineração-CMR,
tem funcionado como incentivador aos garimpeiros
no processo de invasão em busca de diamantes”.
Tendo em vista o tratamento especial que a Constituição
e o Estatuto do Índio garantem ao silvícola
na exploração dos recursos naturais
dentro de suas terras indígenas, causou surpresa
que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República,
general Jorge Armando Felix, declarasse a um jornal
paulista, em 22 do corrente, que “o governo vai
elaborar uma legislação para regularizar
a extração de pedras preciosas em
reservas indígenas, atividade hoje proibida”
e que “é ilusório. Quando proíbe,
acaba acontecendo uma coisa como essa ... Desde
a Bíblia se briga por ouro e por pedras preciosas”.
Como o ministro acha que não se deve proibir
a garimpagem de não-índios nas reservas,
suas palavras parecem significar que as reservas
terão que ser acessíveis a qualquer
brasileiro. Se é isto, a proposta – além
de altamente prejudicial à cultura e sobrevivência
dos povos indígenas - será inconstitucional.
Bem melhor será insistir no Projeto de Lei
do Estatuto das Sociedades Indígenas, que
caminha há anos tão lentamente no
Congresso, com estranha tolerância política
do Executivo, o qual, por antecipação
não compreendida, vem de reduzir em mais
de 300.000 hectares a área demarcada dos
Kaiapó, no Pará, e está prestes
a promover a fragmentação da terra
indígena Raposa-Terra do Sol em Roraima.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Roberto A. O. Santos)