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ISOLAMENTO
E RESTRIÇÕES LEGAIS SÃO
INEFICAZES PARA CONSERVAR A AMAZÔNIA
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Abril de 2004
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A
história dos desmatamentos na Amazônia
Legal poderia ser diferente se o problema fosse
visto sob a ótica da conciliação
de interesses. A região não é
um vazio demográfico e seus habitantes, que
hoje chegam a 21 milhões, têm anseios
e necessidades como qualquer outra população
no mundo. Por isto, as soluções são
complexas e vão muito além da simples
homologação de leis restritivas.
A boa nova é que, estudos científicos
da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária,
vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento mostram que a adoção
de tecnologias, aliada a políticas de inclusão
dos vários segmentos produtivos, pode reduzir
a média histórica de desmatamentos
na Amazônia Legal brasileira em até
30% e otimizar o uso das áreas já
abertas. Numa perspectiva de 20 anos, isto significaria
poupar 100 milhões de hectares de floresta
nativa, com desenvolvimento sustentável e
melhoria da qualidade de vida.
A pecuária, principal responsável
pelos desmatamentos, é também a grande
força econômica da região, respondendo
por 31% do rebanho nacional. Sozinha, ela ocupa
a mão-de-obra de quase 1,5 milhão
de pessoas e a atividade está presente em
todos os estratos da população rural,
inclusive em áreas de reserva extrativista.
A rentabilidade e a liquidez são os principais
atrativos. Há 30 anos, a capacidade de suporte
das pastagens na Amazônia não chegava
a uma cabeça por hectare. Hoje, os estoques
de tecnologia, acessíveis a pequenos, médios
e grandes produtores, já permitem a lotação
de até 3 cabeças/hectare.
O sistema intensivo
é possível graças às
pesquisas com capins consorciados com leguminosas
que tornaram os pastos em áreas tropicais
mais produtivos e resistentes a pragas e doenças.
Os pecuaristas também ganharam com a melhoria
genética do rebanho e aprenderam a evitar
o superpastejo e a degradação do solo
a partir de sistemas simples como a divisão
dos pastos com cerca elétrica alimentada
com energia solar.
No Acre, mais de 40% das áreas de pastagens
já são consorciadas com leguminosas.
Tecnologias desenvolvidas pela Embrapa Acre (Rio
Branco, AC) estão ajudando produtores na
recuperação ecológica de 550
mil hectares de pastagens de Brachiaria brizantha
cv. Marandu que estão morrendo por terem
sido plantadas em áreas com solos de boa
fertilidade, mas com problemas de drenagem das águas
das chuvas.
No entanto, apesar de todos os esforços de
entidades como a Embrapa, a extensão rural,
a mídia e outros parceiros ligados ao setor,
as informações sobre estas tecnologias
ainda não são acessíveis a
um grande número de produtores que continuam
trabalhando de forma tradicional com impactos negativos
em termos socioeconômicos e ambientais.
Tendências - Se mantida a tendência
atual de crescimento do rebanho bovino, em 2020,
a Amazônia será detentora de 60% do
rebanho nacional. O impacto ambiental que este cenário
trará dependerá das políticas
que forem adotadas agora, principalmente no que
se refere ao processo de socialização
do conhecimento científico e adoção
de sistemas modernos de produção.
Os cientistas estimam com dados de até 2003,
que a Amazônia Legal brasileira tem 65 milhões
de hectares desmatados. Não se sabe ao certo
o que é feito nestas áreas, mas uma
parte significativa encontra-se abandonada ou em
processo de degradação.
Um censo agropecuário e florestal poderia
jogar luz neste universo levantando dados socioeconômicos
e ambientais estratégicos para o planejamento
participativo e implementação de políticas
de desenvolvimento que atendam as demandas das populações
indígenas e extrativistas, comunidades rurais,
pecuaristas e ambientalistas do Brasil e do exterior.
Em termos concretos, apenas as medidas restritivas
são insuficientes para conter a devastação.
Um exemplo é o novo código florestal
que aumentou de 50% para 80% o limite da reserva
legal. De acordo com o próprio Ministério
do Meio Ambiente, as queimadas em 2003 atingiram
23.1000km², volume muito acima da média
histórica que está em 17 mil km²/ano,
e que representa quase a área do Estado de
Alagoas.
As imagens de satélite identificam as grandes
queimadas e auxiliam o governo a punir os infratores
com multas milionárias. Há poucos
dias, por exemplo, o governo do Acre multou em R$
2,5 milhões dois fazendeiros que desmataram
ilegalmente 2.800 hectares. O desmatamento foi detectado
com imagens aéreas feitas pelo Sivam (Sistema
de Vigilância da Amazônia). No entanto,
o governo não tem pernas para fiscalizar
mais de 500 mil pequenas propriedades onde os estragos
são menores e contínuos, aparecendo
apenas quando a situação já
saiu de controle.
Custo ambiental - Alguns organismos internacionais,
como o Cifor (Centro Internacional de Pesquisa Florestal)
em artigo publicado na Folha de S.Paulo de 2 de
abril, pregam a transformação de extensas
áreas em florestas nacionais; indenização
de comunidades inteiras para que mantenham a floresta
em pé; e ainda a restrição
de recursos para construção de estradas
e outras obras de infra-estrutura por fomentarem
o desmatamento.
A outra face da moeda é que não se
sabe exatamente de onde sairão os recursos
de bonificação; se serão suficientes;
e a continuidade destes programas com as alternâncias
de poder no âmbito federal e nos estados da
Amazônia Legal. Restringir obras de infra-estrutura
significa condenar populações ao isolamento
e isto tem custos sociais e econômicos.
Em municípios de difícil acesso no
Acre, os preços de alguns produtos parecem
surreais: uma botija de gás em Cruzeiro do
Sul, a segunda maior cidade do Estado, chega a custar
R$ 60 e um quilo de sal de cozinha não sai
por menos de R$ 3 em Santa Rosa. O elevado custo
do frete aéreo e as dificuldades de transporte
por terra, ar ou água oneram os preços
para uma população de baixíssima
renda. Quando se analisa as condições
de assistência médica, educação
e outros serviços básicos o quadro
fica muito mais crítico.
Por estes motivos fica difícil imaginar a
conservação da floresta sem levar
em conta as reais necessidades das comunidades que
nela habitam seja por motivos históricos,
no caso dos povos indígenas e as populações
extrativistas, ou por incentivo do próprio
governo que em décadas passadas fez intensa
campanha para ocupação da Amazônia
com propósitos de defesa do território
e reforma agrária para resolver conflitos
sociais em outras regiões do país.
As pesquisas mostram que é possível
produzir com sustentabilidade, como veremos a seguir,
o que falta são estratégias e vontade
política para desenvolver uma região
levando em consideração o potencial
da floresta, criando incentivos para aproveitamento
das áreas já abertas e mecanismos
que valorizem os produtos florestais, como por exemplo,
a madeira manejada e certificada. Apesar de toda
a pressão interna e externa para preservação
da Amazônia, apenas dois estados do Norte,
a duras penas, levantaram a bandeira do desenvolvimento
sustentável: Acre e Amapá.
Fonte: Embrapa (www.embrapa.gov.br)
Judson Valentim, Marcus Vinício Neves d’
Oliveira e Soraya Pereira