 |
SOCIEDADE
CIVIL PRODUZ DECLARAÇÃO POLÍTICA
PARA A ABERTURA DA 11ª REUNIÃO
DA UNCTAD
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Junho de 2004
|
 |
Representantes
do Fórum da Sociedade Civil, formado por
ONGs e movimentos sociais de mais de 40 países,
entregaram ontem, na abertura da 11ª Reunião
da Conferência das Nações Unidas
para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad),
que acontece até 18/6 em São Paulo
(SP), declaração com diversas reivindicações,
entre as quais a de que seja garantida a soberania
sobre os recursos naturais e biodiversidade.
Com reuniões
a cada quatro anos, a Unctad, que reúne hoje
192 países-membros, foi criada em 1964 para
apoiar países a atingir suas metas de desenvolvimento
e a integrar-se ao comércio internacional.
Atualmente, seu secretário- geral é
o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda.
A 11ª Reunião da Unctad, que acontece
de 13 a 18/6 no Palácio das Convenções
do Anhembi, em São Paulo (SP), deve reunir
180 chefes de delegação, 2,5 mil delegados,
95 organizações intergovernamentais,
535 ONGs, 700 jornalistas e representantes de 197
agências ligadas à ONU. Em discussão,
estratégias de desenvolvimento numa economia
globalizada; construção de capacidade
produtiva e competitividade internacional; ganhos
de desenvolvimento a partir de negociações
comerciais internacionais; e parcerias para o desenvolvimento.
Organizado pela Associação Brasileira
de Organizações Não-Governamentais
(Abong) e pela Rede Brasileira pela Integração
dos Povos (Rebrip), a pedido da Unctad, o Fórum
da Sociedade Civil acontece simultaneamente à
Unctad XI, entre 11 e 17/6, reunindo organizações
e movimentos sociais em torno de uma programação
relacionada à pauta oficial, como debates
sobre modelos agrícolas sustentáveis
e comércio justo. Além disso, um representante
do fórum acompanhará a programação
oficial.
Ontem (13/6), durante a abertura da Unctad XI, Iara
Pietricovsky, da Rebrip, e o francês José
Bové, da Via Campesina, entregaram ao secretário-geral
da Organização das Nações
Unidas (ONU), Kofi Annan, a Declaração
da Sociedade Civil, que será lida hoje, às
16 horas, por Antônia Melo, do Movimento pelo
Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu
(MDTX), no auditório principal da Unctad,
e incorporada aos anais da reunião.
O documento recomenda que seja assegurada a soberania
sobre os recursos naturais, commodities e a biodiversidade,
que seja facilitada a transferência de tecnologia
e que sejam proibidos o patenteamento de seres vivos
e a comercialização de medicamentos
e organismos geneticamente modificados, para que
seja promovido um desenvolvimento verdadeiramente
soberano, sustentável e eqüitativo,
entre outros pontos [leia na íntegra abaixo].
Na terça-feira (15/6), o Fórum da
Sociedade Civil recebe a visita do presidente Lula.
::Declaração do Fórum
da Sociedade Civil para a Unctad XI
O Fórum da Sociedade Civil preparou dois
documentos: uma carta política, para ser
lida na abertura da XI Unctad, e um documento mais
longo, em forma de resolução, anexo
a ela. Leia, a seguir, a íntegra da carta
política, que foi entregue hoje ao Secretário
Geral das Nações Unidas:
São Paulo, Brasil, Junho de 2004
O Fórum da Sociedade Civil, reunido por ocasião
da UNCTAD XI, representa movimentos sociais, grupos
pelo desenvolvimento, grupos de mulheres, sindicatos,
organizações camponesas e agrícolas,
organizações ambientais, grupos ecumênicos,
organizações de comércio justo,
entre outros. Esse fórum expressa uma pluralidade
de perspectivas sobre o comércio, investimentos
e concorrência e seus impactos no desenvolvimento.
No entanto, seus participantes estão unidos
na defesa de uma série de princípios,
posições e ações que
queremos apresentar aos Estados Membros da Conferência.
O Documento oficial desta Conferência declara:
"a globalização é uma
força poderosa e significativa para o crescimento
e o desenvolvimento". Esse tipo de globalização,
entretanto, não reflete o processo observado
na realidade. Além disso, essa visão
é inconsistente com a análise apresentada
posteriormente no próprio documento que aponta
o impacto negativo e a concentração
de riqueza causados pela implementação
da agenda neoliberal e da globalização.
Da nossa perspectiva de sociedade civil nós
nos preocupamos com o fato de o documento oficial
utilizar uma retórica que descreve uma globalização
inclusiva e eqüitativa, mas que não
menciona a relação entre guerras travadas
para a apropriação de recursos para
o favorecimento das corporações transnacionais.
Tampouco reconhece o fato de que essas guerras aprofundam
a pobreza, aumentam a fome e a degradação
ambiental para milhões de seres humanos.
Ao mesmo tempo, o documento enfatiza a existência
de "perdedores" entre os países
e dentro deles, porém, não menciona
os padrões insustentáveis de produção
e consumo; e nem mesmo a existência de "ganhadores",
que são, fundamentalmente, os acionistas
de corporações transnacionais e o
capital financeiro especulativo, localizados majoritariamente
nos países desenvolvidos.
O documento oficial também destaca o papel
do investimento externo direto para o desenvolvimento
nacional, mas a realidade mostra que a maior parte
do capital externo não é complementar
à poupança nacional no médio
prazo, mas sim uma das formas mais evidentes de
transferência de recursos. O modelo de crescimento
baseado nas exportações promovido
pelas corporações transnacionais não
leva ao desenvolvimento, e sim ao empobrecimento.
Também nos preocupa a falta de referência
ao impasse em Cancun, que significou uma nova configuração
internacional de forças políticas
e a inclusão dos temas que já foram
rejeitados na Quinta Ministerial. Nós não
queremos que a UNCTAD abandone sua independência
e seu papel como espaço para reflexão
crítica e tampouco que seja utilizada para
operacionalizar os acordos da OMC. A UNCTAD deve
enfrentar e apoiar os desafios dos países
em desenvolvimento e dos países em transição.
Com base nessas preocupações críticas
sobre o documento oficial, entre outras, queremos
expressar à UNCTAD as seguintes recomendações:
::Que se rejeite a chantagem financeira, os bloqueios
econômicos, a intervenção militar
e a ocupação ilegal por parte de Governos
ricos em nome das corporações transnacionais
e investidores;
::Que a dívida externa seja definitivamente
cancelada, liberando imediatamente os países
pobres dessa carga, e que as corporações
transnacionais sejam cobradas por suas responsabilidades
no endividamento mais recente;
::Que os Estados recuperem e/ou retenham seus direitos
de soberania para definir políticas domésticas,
que não afetem outros países, e que
tais políticas sejam adequadas às
realidades nacionais, em diálogo e concertação
com a sociedade civil;
::Que o comércio internacional e as instituições
e instrumentos ligados a ele sejam submetidos aos
princípios da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e aos acordos e convenções
emanadas de processos relevantes da ONU e das Metas
de Desenvolvimento do Milênio;
::Que a UNCTAD se engaje de forma ativa na criação
e gestão de mecanismos multilaterais destinados
a sustentar e regular os mercados de commodities,
particularmente de produtos agrícolas;
::Que a UNCTAD reconheça e promova o direito
de cada país ou grupo de países à
soberania alimentar e o direito dos mesmos de promover
a proteção de suas economias e agriculturas,
incluindo tarifas e restrições quantitativas
que são os principais meios de proteção
dos países pobres. Acreditamos que os países
precisam se unir para garantir esses direitos. E
é nesse importante contexto que nós
apoiamos o diálogo e a cooperação
entre o G-20 e o G-90;
::Que as corporações transnacionais
sejam proibidas de utilizar artifícios legais
contra políticas e ações voltadas
ao desenvolvimento e que seja criada legislação
de responsabilização e transparência
para suas atividades. Isso inclui o direito legal
de cidadãos e comunidades de proteger-se
contra investidores que violem seus direitos;
::Que haja um efetivo compromisso dos governos com
a superação das desigualdades de gênero,
raciais e étnicas, proteção
da diversidade cultural, e proibição
da discriminação baseada na orientação
sexual na definição de políticas
de desenvolvimento e de políticas orientadas
para o combate à pobreza;
::Que sejam garantidos os direitos sociais, econômicos,
trabalhistas e sindicais;
::Que seja assegurada a soberania sobre os recursos
naturais, commodities e a biodiversidade. Que a
transferência de tecnologia seja facilitada
e que sejam proibidos o patenteamento de seres vivos
e a comercialização de medicamentos
e organismos geneticamente modificados, para que
seja promovido um desenvolvimento verdadeiramente
soberano, sustentável e eqüitativo.
::Que práticas de comércio justo sejam
encorajadas.
Acreditamos que a solidariedade e a união
entre países em desenvolvimento é
crucial e rejeitamos quaisquer tentativas de dividi-los.
Estamos convencidos que o livre comércio
não distribui os recursos de maneira eqüitativa.
Uma democracia viva e participativa, baseada na
cooperação econômica e num ambiente
de solidariedade e paz, permitirá uma distribuição
mais justa e eqüitativa da riqueza entre as
nações e os povos.
Temos a certeza de que esse mundo melhor é
possível.
Fonte: ISA - Instituto Sócioambiental
(www.socioambiental.gov.br)
Cristiane Fontes