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CERRADO
PERDE ANFÍBIOS QUE GUARDAM A HISTÓRIA
DA REGIÃO
Panorama
Ambiental
Brasília (DF) - Brasil
Julho de 2004
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(19/07/04) - Junto
com a destruição de cerca de 2,6 milhões
de hectares de Cerrado a cada ano – principalmente
para o avanço das lavouras de soja – o Brasil
perde muito mais do que as belas paisagens que caracterizam
o bioma. Diariamente, sem que ninguém veja,
milhares de animais também são dizimados
pela esteira de um “progresso” que só beneficia
uns poucos produtores rurais. Dono de uma das maiores
biodiversidades em anfíbios do Planeta, o
Cerrado brasileiro está perdendo diversas
espécies de rãs, sapos e pererecas
que nem tiveram tempo de ser devidamente estudadas,
apesar de estarem na região há milhões
de anos e serem testemunhas da história da
região.
Quando o tempo, os recursos financeiros e a disposição
dos pesquisadores permite, o Cerrado revela verdadeiros
tesouros de vida silvestre em meio à sua
anfibiofauna. Atualmente, existem em seus 2 milhões
de quilômetros quadrados cerca de 142 espécies
(52 endêmicas) de anfíbios devidamente
identificadas, mas não o suficiente para
que cessem as investigações científicas
sobre elas. Apesar de estarem no Cerrado há
mais tempo do que o homem, sabe-se muito pouco sobre
os anfíbios, porém o suficiente para
que se estabelecem medidas urgentes para conservação
desses animais e de tantos outros animais por meio
da criação de áreas de proteção
integral.
“É preciso que se implante de maneira emergencial
e definitiva uma política que seja diferente
da atual, que privilegia a construção
de usinas hidrelétricas e o desmatamento
para a monocultura da soja”, defende o herpetólogo
Reuber Brandão, um dos mais ativos estudiosos
sobre os anfíbios no bioma Cerrado. A reivindicação
do pesquisador está lastreada em dados que
ele próprio vem amealhando ao longo da última.
Nas 11 localidades estudadas pelo especialista entre
os estados de Goiás, Tocantins, Bahia e Distrito
Federal, ele encontrou em cada uma cerca de 30 espécies
de anfíbios diferentes. Em locais como a
Chapada dos Veadeiros, por exemplo, existem cerca
42 espécies conhecidas. Próximo à
Usina Hidrelétrica de Manso, MT, há
44 espécies distintas.
Tamanha diversidade – uma das mais expressivas na
América do Sul – explica-se pelas características
de localização, hidrografia, altitude,
vegetação e clima dos cerrados. Trata-se
de um bioma que faz intercessão com a Mata
Atlântica, a Caatinga, o Pantanal, os Campos
Sulinos e a Amazônia. O Cerrado mantém
intenso fluxo de organismos com os seus vizinhos
por meio de um intricando sistema fluvial. No Cerrado,
nascem rios que formam as bacias do Paraná,
do Amazonas e do São Francisco.
“As relações com os demais biomas
fazem com que encontremos no Cerrado espécies
típicas dessas outras regiões, formando
um painel muito rico de diversidade entre os anfíbios
da região”, explica Brandão.
É toda essa riqueza que se vai junto com
o desmatamento ou a inundação para
a formação de lagos para as usinas
hidrelétricas. Para realizar os estudos que
fundamentaram sua tese de doutorado na Universidade
de Brasília, Reuber Brandão realizou
monitoramentos de longo prazo durante o enchimento
do lago da usina de Serra da Mesa, em Goiás.
Das 31 espécies de anfíbios que
haviam antes da inundação, apenas
uma ocorre atualmente na área monitorada.
Indicadores
de qualidade ambiental
Os anfíbios
apresentam alto grau de endemismo. Na prática,
isso significa que várias espécies
vivem apenas em áreas restritas com condições
ambientais específicas. Se a área
for degradada e essas condições desaparecem,
muitas espécies podem ser extintas. Devido
às suas características fisiológicas,
principalmente as relacionadas à sua pele,
os anfíbios são muito suscetíveis
à contaminação química
das águas, explica Reuber Brandão.
Segundo ele, a introdução de espécies
invasoras, as mudanças climáticas
globais, os desmatamentos, a poluição
e a diminuição da camada de ozônio
são fatores que colocam a vida desses animais
em perigo.
Com pele permeável e ovos aquáticos
envolvidos em uma delgada camada gelatinosa, os
anfíbios absorvem rapidamente substâncias
diluídas no meio à sua volta. “Por
necessitarem de boa qualidade dos ambientes para
a reprodução, os anfíbios são
excelentes indicadores ambientais. Sua presença
pode denunciar a saúde do ecossistema em
que habita” diz o herpetólogo.
Diversidade
em anfíbios
O Brasil é
pródigo em espécies de anfíbios.
Está entre os maiores do mundo, com cerca
de 650 espécies conhecidas, sendo 150 delas
estimadas para o Cerrado. Mas este é um número
considerado pequeno diante do que o bioma ainda
esconde. “Esse fato mostra o quanto estamos longe
de um conhecimento minimamente satisfatório
em relação às nossas espécies,
sobretudo no Cerrado”, diz o pesquisador Reuber
Brandão. Falta de recursos para pesquisas
e a velocidade com que se avança a destruição
do bioma são fatores que impedem o avanço
das investigações.
“No primeiro caso, ainda se pode recuperar o tempo
perdido. Resta saber se no futuro haverá
Cerrado para abrigar as espécies para que
as estudemos”, questiona. A lista oficial do Ibama
apresenta 16 espécies de anfíbios
em perigo de extinção. Número
que, provavelmente, é bem maior considerando
a escassez de dados mais abrangentes sobre as perdas
da biodiversidade nacional.
Fonte: Ibama (www.ibama.gov.br)
Ascom (Jaime Gesisky)