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PROPOSTAS EM TRAMITAÇÃO
NO CONGRESSO AMEAÇAM DIREITOS INDÍGENAS
E MEIO AMBIENTE
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Março de 2005
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30/03/2005 O perigo
é ainda maior por causa da conjuntura desfavorável,
com aumento da influência de grupos de interesse
e bancadas temáticas sobre o governo. Alguns
projetos podem ser votados a qualquer momento.
Uma verdadeira enxurrada de projetos em tramitação
no Congresso Nacional está ameaçando
os direitos indígenas e as leis de proteção
ao meio ambiente. Entre vários outros pontos,
as propostas pretendem limitar a criação
de novas áreas protegidas, dificultar o processo
de criação de Terras Indígenas
(TIs) e flexibilizar a legislação
florestal. O perigo também está presente
em proposições bem intencionadas de
autoria do governo, mas que podem acabar sendo usadas
para modificar leis já consagradas como conquistas
da cidadania.
O risco é ainda maior se for considerada
a atual correlação de forças
internas dentro do Congresso. Desde a eleição
do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência
da Câmara, o parlamento consolidou uma forte
tendência conservadora, presente desde o início
das alianças políticas estabelecidas
pelo governo Lula. A aprovação da
Lei de Biossegurança e a crescente influência
da bancada ruralista e do setor do agronegócio
sobre o Palácio do Planalto podem ser apontados
como sinais claros do fenômeno.
Alguns dos projetos – caso da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 38/99, que pretende dificultar
a criação de novas TIs ao atribuir
ao Senado a responsabilidade de aprovar as demarcações
– podem ser votados a qualquer momento. “Com o cenário
que existe hoje, essas propostas dão margem
à perda de alguns direitos”, confirma Ricardo
Verdum, assessor do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc). Ele explica que vários dispositivos
jurídicos que podem ser modificados nem chegaram
a ser regulamentados. “Além da posição
negativa que o Congresso assumiu para a concessão
de direitos, a Constituição não
tem mecanismos específicos que possam impedir
a sua retirada”.
Verdum avalia que os povos indígenas correm
mais perigo em virtude da fragilidade política
de suas organizações. “A maior ameaça
é a tentativa de dificultar a criação
de novos territórios indígenas e até
de diminuí-los”, comenta. Ele considera que
é preciso haver uma aliança estratégica
entre entidades ambientalistas, mais organizadas
e influentes, e o movimento indígena.
A força
dos grupos de interesse no Congresso
As principais propostas
contra os direitos indígenas e as leis ambientais
vêm de grupos de interesse que ultrapassam
os limites definidos pelos programas partidários
ou pela bancada estadual. Alguns desses segmentos
têm uma coordenação influente
e, com a eleição de Severino Cavalcanti
e a conseqüente fragilização
do governo, ampliaram ainda mais seu poder de pressão.
A bancada da região amazônica, por
exemplo, conquistou, neste ano, as presidências
de comissões parlamentares importantes. A
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável está sendo chefiada pelo
deputado Luciano Castro (PL-RR) e a Comissão
da Amazônia, Integração Nacional
e Desenvolvimento Regional está sob o comando
da deputada Maria Helena (PPS-RR). Em artigo publicado
recentemente, Maria Helena afirmou que, “no Brasil,
por enquanto, a política tem sido de criação
de infinitas reservas indígenas e unidades
de conservação. Todas com o viés
do imobilismo e do esvaziamento”.
Outra bancada poderosa é a ruralista, composta
por 166 deputados e 14 senadores, extremamente organizada
e com grande prestígio. Por mais paradoxal
que pareça, depois de passar por um período
de esvaziamento, o grupo ganhou força com
o governo Lula porque precisou se adaptar a nova
conjuntura e foi obrigado a diversificar seu discurso
e sua plataforma política.
“A bancada sofisticou sua atuação,
incorporou reivindicações da agricultura
familiar e conseguiu, assim, mudar a imagem retrógrada
que tinha antes”, explica Antônio Augusto
de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical
de Assessoria Parlamentar (Diap). Ele conta que
a adoção do nome de Frente Parlamentar
de Apoio à Agropecuária (FPAA) faz
parte dessa orientação.
Com a ampliação do seu programa político,
muitos parlamentares não identificados com
os grandes produtores ou com o latifúndio
passaram a integrar a bancada ruralista. Eles não
podem ser contados como votos certos contra as reivindicações
do movimento indígena ou dos ambientalistas.
Apesar disso, Queiroz considera que, por causa da
boa articulação política e
organização, o grupo continua tendo
o segundo lobby mais forte do Congresso, só
perdendo para a influência do próprio
governo. O analista do Diap lembra também
que os ruralistas adquiriram postos-chave na administração
federal e têm ramificações em
toda a base de apoio aliada.
“Existe hoje uma estratégia muito bem estruturada,
contando com o apoio da mídia, de associar
os ambientalistas e, mais especificamente, a figura
da ministra Marina Silva à tentativa de frear
o desenvolvimento nacional”. Queiroz confirma também
que a FPAA ganhou ainda mais força com a
eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE)
para a presidência da Câmara. “O cargo
confere poderes sobre a tramitação
dos projetos e a pauta. Além disso, o PP
tem o maior número de parlamentares no grupo”.
A bancada ruralista é responsável,
por exemplo, pelo maior número de emendas
ao Projeto de Lei (PL) nº 4776/05, enviado
ao Congresso em regime de urgência constitucional
como parte do pacote ambiental anunciado pelo governo,
em fevereiro. A proposta pretende regulamentar a
gestão de florestas públicas, mas
pode servir também como brecha para modificações
que significariam retrocessos.
Várias emendas encaminhadas ao PL pretendem
modificar o Código Florestal, diminuindo,
por exemplo, a chamada Reserva Legal de cada propriedade
– aquela área mínima na qual deve
ser mantida a vegetação original.
Outras emendas propõem que o poder de controlar
as atividades produtivas nas florestas, inclusive
as atividades em matas nativas, seja retirado do
Ministério do Meio Ambiente. Neste caso,
a atribuição seria transferida para
o Ministério da Agricultura, hoje fortemente
influenciado pelo setor do agronegócio.
“O movimento socioambiental precisa criar uma frente
permanente que possa dialogar com as principais
lideranças parlamentares, inclusive os presidentes
da Câmara e do Senado, para expressar sua
preocupação e exigir mais cautela
na apreciação dos projetos”, defende
André Lima, advogado do ISA. Ele considera
que o governo mostra pouco interesse pelos temas
socioambientais e que a desarticulação
da base aliada torna o quadro político ainda
mais difícil no Congresso.
Conheça
os principais projetos que ameaçam os direitos
indígenas e o meio ambiente no Congresso
Nacional
• Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 38/99 – De autoria do senador
Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), o projeto limita
em 50% a área total de cada estado brasileiro
passível de ser transformada em Unidade de
Conservação (UC) ou Terra Indígena
(TI). Além disso, pretende dificultar e até
inviabilizar a criação de novas TIs
ao atribuir ao Senado a competência de aprovar
o processo de demarcação. A proposta
já foi retirada de pauta em virtude da pressão
exercida por uma campanha da sociedade civil, em
2003, mas voltou à ordem do dia e pode ser
votada a qualquer momento.
• Projeto de Lei
(PL) nº 4776/05 (Gestão das Florestas
Públicas) – Enviado ao Congresso Nacional
em regime de urgência constitucional em fevereiro,
como parte do pacote ambiental anunciado, o projeto
estabelece regras para a gestão de florestas
públicas, prevê a criação
do Serviço Florestal Brasileiro e do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Florestal. Segundo o
projeto, não serão destinadas à
concessão as áreas onde já
existam comunidades tradicionais, assentamentos
florestais, projetos de desenvolvimento sustentável,
reservas extrativistas, áreas prioritárias
para criação de unidades de conservação
e unidades de conservação de proteção
integral. As entidades ambientalistas temem que
a bancada ruralista inclua mudanças que signifiquem
retrocessos na legislação vigente.
• Projeto de Lei
(PLS) 188/04 – Também determina que a demarcação
das terras indígenas seja submetida à
aprovação do Senado e prevê
a convocação do Conselho de Defesa
Nacional caso a área esteja localizada em
faixa de fronteira. O senador Delcídio Amaral
(PT-MS), atual líder do PT, é um dos
autores da proposta, que prevê ainda que sejam
“anulados todos os procedimentos de demarcação
em curso” na data de sua publicação.
O PL também pretende impedir que terras retomadas
– “objeto de esbulho possessório ou invasão
motivada por conflito indígena de caráter
coletivo” – entrem em processo de demarcação
por dois anos, ou pelo dobro deste prazo, em caso
de reincidência.
• Medida Provisória
(MP) 239/05 – Também enviada ao Congresso
Nacional como parte do pacote ambiental de fevereiro,
“interditou” e destinou para estudos, com o objetivo
de criar de novas unidades de conservação,
8,2 milhões de hectares na região
da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém).
Existe o receio de que a bancada ruralista tente
se aproveitar da tramitação da MP
para aprovar mudanças prejudiciais à
Lei 9.985/00, que cria o Sistema Nacional de Unidades
de Conservação (SNUC) e é uma
das mais importantes legislações socioambientais
do País.
• PL de Conversão
nº 10/01 (converte a Medida Provisória
2166-67/01) – Altera o Código Florestal Brasileiro
(Lei 4.771/65), reduzindo o percentual de Reserva
Legal no cerrado amazônico, de 35% para até
20% de cada propriedade, dependendo do Zoneamento
Econômico-Ecológico (ZEE). Também
desobriga os proprietários rurais a recuperar
sua reserva na Mata Atlântica. De autoria
do deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), a proposta
também foi objeto de uma grande mobilização
do movimento socioambiental, em 2001. Apesar dos
protestos de centenas de organizações,
o projeto foi aprovado em comissão mista.
Depois, foi engavetado por decisão do presidente
Fernando Henrique Cardoso, da mesa e dos líderes
da Câmara. Durante sua campanha eleitoral
para a presidência da Casa, o deputado Severino
Cavalcanti (PP-PE) teria assumido o compromisso
com a bancada ruralista de colocar a proposta em
votação.
Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Braga de Souza)