EXCLUSÃO SÓCIO-AMBIENTAL PODE TER LEVADO JOVENS AO SUICÍDIO EM SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Dezembro de 2005

Recém-chegados à cidade, vindos das comunidades das Terras Indígenas da região, no extremo noroeste amazônico, jovens cometem atos extremos, possivelmente em reação a uma sensação de deslocamento provocada, entre outras coisas, por fatores como a desarticulação familiar, falta de perspectivas de futuro, impossibilidade de competir com os brancos pelas mulheres indígenas e no mercado de trabalho urbano e a falta de alternativas construtivas de lazer.

Os suicídios de estudantes da Escola Irmã Inês Penha ocorridos em outubro e novembro em São Gabriel da Cachoeira (AM) remetem a um problema que está longe de ser recente e de ser configurado por casos isolados. Em agosto de 2004, o relatório final de uma pesquisa do ISA e da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) sobre a violência sexual na cidade já relatava casos semelhantes envolvendo adolescentes que estudavam na escola João Marchezzi, situando-os em um ´amplo quadro de crise social` vivenciado pelos moradores indígenas de São Gabriel. A crise parece afetar de maneira mais contundente os jovens recém-chegados das comunidades das Terras Indígenas. E aí se incluem fenômenos como a ingestão abusiva de álcool e a existência de gangues formadas por rapazes dos bairros periféricos que, à noite, espancam os transeuntes e roubam seus pertences, além de praticarem estupros coletivos.

Embora se saiba que os homens vindos de fora da região também se envolvem em episódios de estupro, a postura agressiva e anti-social dos jovens indígenas recém-chegados à cidade, acaba por lhes conferir uma imagem tão negativa que faz com que, muitas vezes, eles sejam vistos como os principais responsáveis pelo problema da violência sexual na cidade. A população adulta costuma se referir a tudo isso como ´o problema da juventude` - reação a uma sensação de deslocamento provocada, entre outras coisas, por fatores como a desarticulação familiar, falta de perspectivas de futuro, impossibilidade de competir com os brancos pelas mulheres indígenas e no mercado de trabalho urbano, falta de alternativas construtivas de lazer.

Urbanização intensa e caótica

Esses problemas parecem estar relacionados de alguma maneira a um processo de urbanização intenso e caótico. A cidade, sede do município de mesmo nome, situa-se a 900 km de Manaus, no extremo noroeste da Amazônia brasileira e, desde meados do século XVIII, é o núcleo de povoamento mais expressivo da região. A população do município é de 35 mil habitantes, dos quais 15 mil residem na sede. Nas últimas décadas, a utilização de São Gabriel como ponto de apoio governamental para a implantação de programas de desenvolvimento transformou-a em pólo importante da geopolítica brasileira na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, e levou a um expressivo crescimento demográfico. Ao longo dos anos, o lugar se tornou um ponto de passagem, encontro e interação de uma grande diversidade de atores: nativos da região e outros como militares, missionários, funcionários públicos, pesquisadores e trabalhadores braçais.

Os resultados de uma recente pesquisa domiciliar realizada pela Foirn e pelo ISA em parceria com as Associações de Bairro, revelam que a população indígena é maioria também no contexto urbano (82,4%), fazendo de São Gabriel da Cachoeira, a cidade brasileira de maior concentração de índios. Esta população é composta por pessoas já nascidas na cidade ou vindas das comunidades da Terra Indígena para tentar a vida ali. Porém, apesar de os índios serem maioria, e da população indígena apresentar um alto nível de escolarização, os recém-chegados ocupam uma posição bem menos privilegiada no mercado de trabalho urbano. Além disso, a cidade, sobretudo os bairros que concentram as famílias recém-chegadas das comunidades ribeirinhas, têm precaríssima situação sanitária e praticamente nenhuma infra-estrutura de vias públicas e lazer.

Os casos recentes

Os quatro suicídios recentes de jovens indígenas de São Gabriel ocorreram entre o início de outubro e final de novembro, envolvendo jovens de ambos os sexos de idades entre 12 e 14 anos. Os quatro jovens estudavam na Escola Irmã Inês Penha, localizada no bairro do Dabarú, e escreveram cartas em que se despediam de familiares, amigos e professores. Nesses textos, eles deixaram algumas pistas sobre os motivos que os levaram ao suicídio, mencionando a insatisfação com suas vidas e conflitos com os pais, entre outras coisas. Os suicídios chocaram a população da cidade de São Gabriel e chamaram atenção da opinião pública.

Dados do Hospital de Guarnição do Exército-HGU dão conta que de outubro a dezembro deste ano aconteceram cerca de 20 tentativas entre jovens da mesma faixa etária:10 a 18 anos de idade. No dia 9 de novembro, o diretor da Escola Irmã Inês Penha, Sebastião Maia, convocou para uma reunião algumas instituições da sociedade civil organizada, com o objetivo de apurar as causas e pedir ajuda. Durante a reunião, foram discutidas as possíveis providências que a sociedade civil e as instituições poderiam tomar para acompanhar melhor os jovens e suas famílias, prevenindo assim novos casos.

Ainda com o objetivo de buscar uma solução para o problema, os representantes de instituições presentes à reunião se dividiram em dois grupos. O primeiro, formado pelo Programa Sentinela, Conselho Tutelar, Diocese, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Hospital de Guarnição do Exército, ficou responsável pelo atendimento aos casos de urgência e por prestar apoio às famílias. Como medida de emergência, algumas jovens que tentaram suicídio estão estagiando no HGU, fazendo trabalhos de atendimento e atividades recreativo-culturais, enquanto outras foram acolhidas na Casa das Irmãs Salesianas. O segundo grupo de instituições ficou encarregado de formular uma metodologia de pesquisa que permita à sociedade civil organizada aprofundar seu conhecimento sobre o problema. Esse segundo grupo é composto pela Foirn, ISA, Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Funai, Secretaria de Ação Social do município e HGU. A pesquisa tem o objetivo mais geral de subsidiar as políticas públicas voltadas para a juventude indígena em São Gabriel.

As propostas da população de São Gabriel

A solução para os problemas gerados pelo crescimento desordenado da cidade de São Gabriel não será simples. Mas no que se refere especificamente à situação da juventude indígena na cidade, a própria população já apresentou suas sugestões e propostas. Reproduzimos aqui a lista de recomendações extraída do documento final de um seminário realizado em agosto de 2004, no contexto da pesquisa Sexualidade, Violência e Relações de Gênero em São Gabriel da Cachoeira (ISA/Foirn). Recomendações aos poderes públicos:

a) trabalhar de maneira articulada, e em parceria com as entidades e instituições da sociedade, através da realização de audiências públicas semestrais, voltando assim suas preocupações para as prioridades da população;

b) ampliar os quadros das polícias civil e militar, para que se possa fiscalizar e fazer aplicar as leis relacionadas com o consumo de bebida alcoólica nos bares e clubes e demais lugares da cidade;

c) realizar esforços no sentido de aparelhar a delegacia da mulher, para que as vítimas de violência sexual tenham um lugar específico para serem atendidas;

d) criar aqui na cidade a defensoria pública;

e) criar a vara da infância e adolescência;

f) aparelhar e dar mais apoio ao Conselho Tutelar;

g) apoiar as associações de bairro com relação às iniciativas de criar espaços para atividades de esportes e lazer para os jovens;

h) construir complexos esportivos em cada bairro;

i) elaborar e implementar uma política agrícola que valorize os sistemas tradicionais dos povos da região;

j) criar uma feira diária para que os produtores tenham onde vender seus produtos.

Além destas recomendações aos poderes públicos foram discutidas algumas propostas que deverão ser implementadas entre as instituições e entidades presentes durante o seminário, quais são:

:: estruturação de um sistema de informações sobre os eventos que envolvem violência, integrando os diversos sistemas institucionais já existentes, em parceria;

:: elaboração de estudos e plano para a criação de uma escola que seja diferenciada, partindo do princípio da valorização das línguas e identidades dos povos indígenas e voltada para as oportunidades de trabalho na região;

:: realização de encontros e oficinas direcionados aos jovens, trabalhando e atendendo as demandas já feitas no encontro realizado no final de 2002 e priorizando os esportes e outras atividades culturais;

:: realização de oficinas sobre direitos e cidadania para comunidades e lideranças, discutindo questões sobre a vinda das famílias das comunidades para a cidade;

::trabalhar e ampliar as parcerias para aprofundar o conhecimento sobre a questão da violência e outros temas relacionados como consumo de bebidas alcoólicas, lazer e esportes para os jovens, atendimento às mulheres vítimas de violência e outros.

 
 

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.isa.org.br)
Assessoria de imprensa (Cristiane Lasmar, Marta Azevedo e Andreza Andrade)

 
 
 
 
 
 

 

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