15 ANOS SEM CHICO MENDES

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Novembro de 2006

Assassinado em 1988, o seringueiro e líder sindical deixou legado de luta ambiental em prol dos povos da floresta amazônica

Deigma Turazi/ABr - Brasília - O dia 22 de dezembro de 1988 ficou marcado no calendário histórico do Brasil. Naquela quinta-feira, o seringueiro-ecologista e líder sindical Francisco Alves Mendes, o Chico Mendes, foi assassinado. Morreu uma semana depois de completar 44 anos, na cidade de Xapuri, no Acre, quase na fronteira com a Bolívia, vítima de um tiro de espingarda calibre 20. O crime, atribuído a Darly Alves da Silva e seu filho Darci Alves Pereira, teve repercussão internacional imediata - o que, por ironia, serviu para apresentar a luta de Chico Mendes também aos brasileiros.

No final dos anos 70 e início da década de 80, Chico Mendes já era considerado um símbolo da luta pela preservação do meio ambiente no Acre e dos interesses dos povos da floresta, que sobreviviam do que ela gerava: do látex extraído dos seringais, da coleta das castanhas e de todo tipo de fruto que a mata produzia. Ele mesmo começara a trabalhar menino, aos nove anos, nos seringais de Porto Rico. Nessa mesma época, fazendeiros, posseiros e grileiros, vindos principalmente do sul do país, começaram a instalar-se na região, adquirindo terras a preço muito baixo. Eram estimulados pelos governos federal e estadual, interessados em povoar a região e, assim, garantir a soberania do Brasil sobre a Amazônia.

Previa-se que, até 1971, seriam aplicados na região, só do acordo bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos, US$ 3,5 bilhões. Somente em 1970 foram desmatados 300 mil hectares de selva no Acre, numa escala que atingiria, cinco anos depois, 11.469.751 hectares. No governo militar seguinte, do general Ernesto Geisel, os planos agropecuários ao longo da Transamazônica foram abandonados. Foi lançado, então, o Polamazônia, um projeto que tinha como objetivo investimentos mais ambiciosos por parte de grupos econômicos fortes. Estima-se que tenham sido investidos na Amazônia US$ 1 bilhão em financiamentos, metade dos quais na pecuária de exportação.

Um desses investimentos, que acabou não dando certo por pressão de Chico Mendes e de seus companheiros, foi a desativação da Fazenda Bordon, localizada no município de Xapuri, que representava o maior projeto agropecuário do Acre. Em 1985, três anos antes do assassinato de Mendes, a empresa tinha faturado US$ 140 milhões com a exportação de carne para a Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra e Iraque. Os proprietários da fazenda pretendiam desmatar 200 alqueires por ano para a criação de pasto e aumentar o rebanho, que já chegava a quase quatro mil cabeças de gado. Chico Mendes liderou vários “empates” – manifestações pacíficas que consistiam, basicamente, em abraçar árvores para impedir o corte. Por conta disso, o grupo desistiu do empreendimento e abandonou de vez o projeto.

Chico, produto de uma mistura de cearense com índio, um ‘caboco’, como os nativos mais autênticos são chamados, tinha voz mansa, jeito afável, modos tranqüilos, mas era um militante destemido. Tinha a vida intimamente vinculada ao látex e ao extrativismo. Com isso, reagiu à ação das motosserras e aos milhares de incêndios provocados pelos novos ocupantes da floresta, que punham abaixo seringais, expulsavam os posseiros nativos e povos indígenas para criar gado de corte. Interesses tão distintos o levaram ao enfrentamento. De um lado, os que queriam preservar a floresta e garantir seu modo de vida centenário. Do outro, um contingente expressivo de pessoas vindas de todos os lados do país, interessadas em enriquecer rapidamente, incentivadas pelas facilidades oferecidas pelo governo: crédito agrícola, subsídios e aquisição de terra a preços módicos.

Chico Mendes era o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Organizou os empates a partir do Conselho Nacional dos Seringueiros - entidade criada num encontro em Brasília por iniciativa dele Chico. O de maior repercussão foi realizado no Seringal Cachoeira. No início de 1988, o movimento dos seringueiros do Acre já tinha realizado, desde março de 1976, cerca de 45 empates, sofrido 30 derrotas e conseguido 15 vitórias.

UMA PEDRA NO SAPATO

Em entrevista à imprensa, Chico Mendes denunciou a intensidade e o ritmo com que a floresta estava sendo desmatada: “Só na minha região, de 1970 a 1975, foram destruídas pelo fogo e pelas motosserras, 180 mil seringueiras, 80 mil castanheiras e mais de 1,2 milhão de árvores de madeira de lei, sem contar as várias espécies de árvores medicinais que foram abaixo para dar lugar às pastagens”, avisou. Essa campanha teria sido uma das razões de seu assassinato.

Em março de 1987, Chico fez um discurso cheio de denúncias na reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Miami (EUA). Pediu a suspensão do financiamento do organismo para o prosseguimento da construção da BR-364, que cortava o estado de Rondônia e se estenderia até o Acre. O objetivo do governo, na época, era criar uma saída para o Pacífico, a fim de escoar a produção gerada nos estados amazônicos e no Centro-Oeste pelos portos do Peru. Chico sabia que a estrada tinha provocado danos significativos para os seringueiros de Rondônia, em razão do desmatamento e das queimadas provocadas pelos fazendeiros.

Com o apelo de Chico Mendes, o BID suspendeu o financiamento para a expansão da BR-364 e passou a exigir do governo brasileiro estudos de impacto ambiental na Amazônia. Além do BID, o Senado dos Estados Unidos, onde o seringueiro também foi convidado a falar, fez recomendações a diversos bancos que patrocinavam projetos desenvolvimentistas na região. Alertou-os de abusos ao meio ambiente como os ocorridos em Rondônia. Outro episódio fez crescer a ira dos fazendeiros acreanos contra Mendes: o reconhecimento ao seu trabalho, pela Organização das Nações Unidas. Em 1987, a ONU conferiu a ele o Prêmio Global 500, de preservação ambiental. Chico Mendes foi o único brasileiro, até hoje, a conquistar este título.

Por causa das pressões internacionais, o então presidente José Sarney começou a atender alguns dos pleitos dos seringueiros. Criou reservas extrativistas para resguardar a floresta e garantir a subsistência dos seringueiros, dando início à desapropriação de terras. Entre elas estava o Seringal Cachoeira, recém-comprado por Darly Alves da Silva, posteriormente condenado como o mandante da morte de Chico justamente.

A União Democrática Ruralista (UDR) também foi apontada, na época do crime, como uma das muitas entidades presentes no Acre que teriam interesse em sua morte, insuflando Darly a buscar um desfecho para as intervenções de Chico Mendes. Segundo o juiz Adair Longuini, presidente do Tribunal de Júri do caso Chico Mendes, é “inegável” a participação da UDR no caso. “Falava-se, na época das investigações, que outros fazendeiros e a UDR estavam por trás do crime de Chico Mendes. É inegável que a UDR tinha por finalidade defender o interesse dos fazendeiros. Nada se apurou contra ela. Sem dúvida, a grande maioria dos fazendeiros era contra a atuação de Chico Mendes, tido para muitos como uma pedra no sapato”, diz o juiz.

SERINGAL DA DISCÓRDIA

O Seringal Cachoeira, objeto da disputa, foi a primeira reserva extrativista criada pelo governo federal após a morte de Chico e em sua homenagem batizada como Reserva Extrativa Chico Mendes. A reserva possui 25 mil hectares de floresta preservada. Até hoje, foram criadas 19 reservas extrativistas no Acre, Amazonas, Maranhão, Rondônia, Pará, Amapá, Rondônia,Tocantins, Bahia, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os seringueiros de Xapuri, Acre, estado-símbolo da luta pela preservação da floresta e pelo desenvolvimento sustentável, obtiveram, em março de 2002, o selo verde concedido pelo Conselho de Manejo Florestal. Tornaram-se, assim, a primeira comunidade brasileira a explorar madeira segundo padrões ambientais autorizados.

O selo do FSC (sigla do conselho em inglês - organização não governamental sediada no México) é considerado a certificação florestal mais importante do mundo. Para obtê-lo, é preciso cumprir uma série de normas, como cortar apenas árvores de um diâmetro específico e arrastar as toras sem danificar a mata. A madeira explorada segundo essas determinações tem o triplo do valor e pode ser comercializada no emergente pólo de móveis de Xapuri. Hoje, os trabalhadores rurais daquele município comercializam alimentos, medicamentos naturais e matérias-primas para a indústria de cosméticos. Também os índios tornaram-se exportadores: os yawanawa, da região de Tarauacá, exportam urucum para indústrias de cosméticos dos Estados Unidos.

MORTE ANUNCIADA

Chico Mendes pressentiu que iria morrer. Durante todo o ano de 1988, anunciou que seria assassinado no dia 30 de dezembro de 1988. Acabou errando a data em apenas oito dias. Na época, ele enviou uma carta a respeito ao presidente José Sarney, ao ministro da Justiça, Paulo Brossard, ao governador Flaviano Melo e ao superintendente da Polícia Federal no Acre, Mauro Spósito. Pedia proteção policial e medidas mais severas para conter as ameaças que vinha recebendo. Citava um a um o nome das pessoas que o matariam, entre elas Darly Alves da Silva, dono da Fazenda Paraná, uma propriedade de três mil hectares de terra de boa qualidade, localizada à beira da rodovia BR-317, na altura do quilômetro 165, e seu filho, Darci.

Na carta enviada ao superintendente da Polícia Federal no Acre, em 30 de novembro de 1988, 22 dias antes de morrer, Chico Mendes deixou clara essa preocupação:

“Venho pela presente expressar-lhe a nossa preocupação com relação aos últimos acontecimentos relacionados aos pistoleiros Darly e Alvarino Alves (irmão de Darly), ambos proprietários da Fazenda Paraná, em Xapuri. Como é do conhecimento de V.Sas. desde o mês de setembro do corrente ano foi expedido pelo Excelentíssimo Senhor juiz de Direito da Comarca de Umuarama, no Paraná, um mandado de prisão para os referidos pistoleiros, encaminhado para as suas mãos para que fosse cumprido imediatamente.

Depois de alguns dias de atraso (15 dias), o juiz da Comarca de Xapuri (Adair Longuini, que presidiu o Tribunal de Júri que condenou Darly e seu filho Darci) recebe o mandado de prisão e, na mesma hora manda executá-lo. A PM de Xapuri, atendendo ordem do juiz, deslocou-se imediatamente para a Fazenda Paraná, a fim de cumprir a ordem e, para surpresa da PM, ao cercar a residência dos pistoleiros, os mesmos já estavam foragidos, ou seja, tinham sido avisados com antecedência.

Na ocasião, houve muita especulação de que o senhor foi o autor do aviso ou seja, deu todas as dicas para que os mesmos se livrassem da prisão. As informações partem dos próprios pistoleiros e de seus filhos, que se orgulham em dizer que seus pais têm amigos, inclusive na Polícia Federal, que os colocam a par de tudo.

Nós, que apesar de sermos muitas vezes acusados e caluniados de agitadores, de criarmos a baderna, nunca lutamos pela violência e nunca uma gota de sangue foi derramada por nossa responsabilidade. Enquanto isso, o senhor é sabedor de que hoje sou obrigado a andar com dois guardas de segurança, porque Darly e Alvarino já disseram que só se entregarão à Justiça depois de verem o meu cadáver. Seus jagunços andam à vontade por todos os lugares espalhando a intimidação e, quando em Xapuri a PM prende qualquer pistoleiro, a Polícia Civil solta imediatamente por ordem do delegado e do prefeito da cidade.

Não podemos ficar calados diante de uma situação dessa natureza. Não é possível se ficar calado diante de tanta injustiça. Nunca foi costume nosso criar atritos com quem quer que seja. Mas agora não dá para ficar no silêncio. São vidas humanas que estão em jogo. São dezenas de vidas que já foram ceifadas brutal e covardemente. Esta carta é no sentido de esclarecer quem está por trás de tudo isso. O que significa Darly e Alvarino ficarem em Brasiléia (cidade próxima a Xapuri)? Muita gente deve saber, menos as autoridades de segurança daquele município.

Como fica o conceito da PF e da Secretaria de Segurança diante de tudo isso? Aqui encerro esta humilde carta, mas que expressa a minha preocupação por tudo que vem acontecendo, além das informações surpreendentes?”

A suspeita de Chico sobre a possível omissão do delegado Mauro Spósito foi muito explorada na época. Segundo Adair Longuini, que ocupava o posto de juiz de Direito em Xapuri, a morte de Mendes poderia ter sido evitada se o superintendente da PF tivesse lhe encaminhado imediatamente a carta precatória com a ordem de prisão de Darly, emitida pelo juiz de Umuarama, no Paraná, por crimes cometidos por ele na localidade. “Na minha concepção, Mauro Spósito tinha interesse escuso, protegeu Darly Alves. Não tenho a mínima dúvida disso”, afirma Longuini.

Entretanto, a tese de Longuini, que hoje atua como titular da 1ª Vara Cível de Rio Branco, é contestada pelo senador Romeu Tuma (PFL-SP), que em 1988 era diretor-geral da Polícia Federal, com base em apuração feita à época. O mandado de prisão, segundo ele, obtido pessoalmente por Chico Mendes em Umuarama, foi entregue ao bispo de Rio Branco, dom Moacyr Grechi que, por sua vez, o repassou a Spósito. Mas a carta estava aberta. Somente depois de quinze dias a precatória foi entregue a Longuini, que imediatamente determinou a prisão de Darly e de seu irmão Alvarino.

Mas eles haviam fugido. Por conta das suspeitas que pesavam sobre Spósito, o juiz Longuini pediu seu afastamento das investigações que apuravam quem seriam os autores da morte de Chico Mendes. Em entrevista na época do julgamento, Romeu Tuma afirmou que havia faltado cautela por parte de Mauro Spósito. “Faltou cautela ao doutor Mauro. Tudo serve de lição para a gente aprender e a gente tem de aprender nas horas da tristeza. Eu tenho certeza que ninguém colhe uma rosa sem se ferir nos espinhos que a protegem”, afirmou Tuma.

Em novembro de 1988, um mês antes de sua morte, Chico Mendes denunciara, em entrevista no Rio de Janeiro: “Eles vão me matar. Os nomes deles eu digo: Darly e Alvarino Alves da Silva. Eles já mandaram matar mais de 30 trabalhadores e a Polícia Federal não fez nada. Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterros numerosos não salvarão a Amazônia. Quero viver”, disse Chico Mendes.

De acordo com Adair Longuini, que acompanhou a reconstituição do crime, a principal testemunha do caso, o menino Genésio Ferreira da Silva, de 14 anos, que trabalhava na Fazenda Paraná, teria ouvido uma conversa entre Darly e Darci na qual o filho, ao chegar em casa, contava ao pai que o crime já tinha sido executado. “O homem já está morto”, teria dito Darci. Em resposta, Darly recomendou: “Então prepara a vaca para o churrasco”.

Por causa dessa revelação e correndo risco de morte, Genésio passou a ser protegido primeiro pela Igreja (Pastoral da Terra) e depois pelo escritor Zuenir Ventura, que lançou recentemente o livro “Chico Mendes - Crime e Castigo”. Hoje, já maior de idade, Genésio integra o Programa de Proteção à Testemunha e seu paradeiro é mantido em segredo.

 
 

Fonte: Agência Brasil - Radiobras (www.radiobras.gov.br)
Ascom

 
 
 
 
 
 

 

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