BIODIVERSIDADE
E ENGENHARIA GENÉTICA
MEDIDA PROVISÓRIA
No 2.126-12, de 25 de maio de 2001.
Regulamenta o inciso II
do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição,
os arts. 1o, 8o, alínea "j", 10, alínea
"c", 15 e 16, alíneas 3 e 4 da Convenção
sobre Diversidade Biológica, dispõe sobre
o acesso ao patrimônio genético, a proteção
e o acesso ao conhecimento tradicional associado, a repartição
de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia para sua conservação e utilização,
e dá outras providências
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição
que lhe confere o art. 62 da Constituição,
adota a seguinte Medida Provisória, com força
de lei:
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1o Esta Medida Provisória dispõe sobre
os bens, os direitos e as obrigações relativos:
I - ao acesso a componente do patrimônio genético
existente no território nacional, na plataforma continental
e na zona econômica exclusiva para fins de pesquisa
científica, desenvolvimento tecnológico ou
bioprospecção;
II - ao acesso ao conhecimento tradicional associado ao
patrimônio genético, relevante à conservação
da diversidade biológica, à integridade do
patrimônio genético do País e à
utilização de seus componentes;
III - à repartição justa e eqüitativa
dos benefícios derivados da exploração
de componente do patrimônio genético e do conhecimento
tradicional associado; e
IV - ao acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia para a conservação e a utilização
da diversidade biológica.
§ 1o O acesso a componente do patrimônio genético
para fins de pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico ou bioprospecção far-se-á
na forma desta Medida Provisória, sem prejuízo
dos direitos de propriedade material ou imaterial que incidam
sobre o componente do patrimônio genético acessado
ou sobre o local de sua ocorrência.
§ 2o O acesso a componente do patrimônio genético
existente na plataforma continental observará o disposto
na Lei no 8.617, de 4 de janeiro de 1993.
Artigo 2o O acesso ao patrimônio genético existente
no País somente será feito mediante autorização
da União e terá o seu uso, comercialização
e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à
fiscalização, restrições e repartição
de benefícios nos termos e nas condições
estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento.
Artigo 3o Esta Medida Provisória não se aplica
ao patrimônio genético humano.
Artigo 4o É preservado o intercâmbio e a difusão
de componente do patrimônio genético e do conhecimento
tradicional associado praticado entre si por comunidades
indígenas e comunidades locais para seu próprio
benefício e baseados em prática costumeira.
Artigo 5o É vedado o acesso ao patrimônio genético
para práticas nocivas ao meio ambiente e à
saúde humana e para o desenvolvimento de armas biológicas
e químicas.
Artigo 6o A qualquer tempo, existindo evidência científica
consistente de perigo de dano grave e irreversível
à diversidade biológica, decorrente de atividades
praticadas na forma desta Medida Provisória, o Poder
Público, por intermédio do Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético, previsto no art. 10,
com base em critérios e parecer técnico, determinará
medidas destinadas a impedir o dano, podendo, inclusive,
sustar a atividade, respeitada a competência do órgão
responsável pela biossegurança de organismos
geneticamente modificados.
CAPÍTULO II
DAS DEFINIÇÕES
Artigo 7o Além dos conceitos e das definições
constantes da Convenção sobre Diversidade
Biológica, considera-se para os fins desta Medida
Provisória:
I - patrimônio genético: informação
de origem genética, contida em amostras do todo ou
de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano
ou animal, na forma de moléculas e substâncias
provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos
obtidos destes organismos vivos ou mortos, encontrados em
condições in situ, inclusive domesticados,
ou mantidos em coleções ex situ, desde que
coletados em condições in situ no território
nacional, na plataforma continental ou na zona econômica
exclusiva;
II - conhecimento tradicional associado: informação
ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena
ou de comunidade local, com valor real ou potencial, associada
ao patrimônio genético;
III - comunidade local: grupo humano, incluindo remanescentes
de comunidades de quilombos, distinto por suas condições
culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações
sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas
instituições sociais e econômicas;
IV - acesso ao patrimônio genético: obtenção
de amostra de componente do patrimônio genético
para fins de pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico ou bioprospecção, visando
a sua aplicação industrial ou de outra natureza;
V - acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção
de informação sobre conhecimento ou prática
individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético,
de comunidade indígena ou de comunidade local, para
fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico
ou bioprospecção, visando sua aplicação
industrial ou de outra natureza;
VI - acesso à tecnologia e transferência de
tecnologia: ação que tenha por objetivo o
acesso, o desenvolvimento e a transferência de tecnologia
para a conservação e a utilização
da diversidade biológica ou tecnologia desenvolvida
a partir de amostra de componente do patrimônio genético
ou do conhecimento tradicional associado;
VII - bioprospecção: atividade exploratória
que visa identificar componente do patrimônio genético
e informação sobre conhecimento tradicional
associado, com potencial de uso comercial;
VIII - espécie ameaçada de extinção:
espécie com alto risco de desaparecimento na natureza
em futuro próximo, assim reconhecida pela autoridade
competente;
IX - espécie domesticada: aquela em cujo processo
de evolução influiu o ser humano para atender
às suas necessidades;
X - Autorização de Acesso e de Remessa: documento
que permite, sob condições específicas,
o acesso a amostra de componente do patrimônio genético
e sua remessa à instituição destinatária
e o acesso a conhecimento tradicional associado;
XI - Autorização Especial de Acesso e de Remessa:
documento que permite, sob condições específicas,
o acesso a amostra de componente do patrimônio genético
e sua remessa à instituição destinatária
e o acesso a conhecimento tradicional associado, com prazo
de duração de até dois anos, renovável
por iguais períodos;
XII - Termo de Transferência de Material: instrumento
de adesão a ser firmado pela instituição
destinatária antes da remessa de qualquer amostra
de componente do patrimônio genético, indicando,
quando for o caso, se houve acesso a conhecimento tradicional
associado;
XIII - Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios:
instrumento jurídico multilateral, que qualifica
as partes, o objeto e as condições de acesso
e de remessa de componente do patrimônio genético
e de conhecimento tradicional associado, bem como as condições
para repartição de benefícios;
XIV - condição ex situ: manutenção
de amostra de componente do patrimônio genético
fora de seu habitat natural, em coleções vivas
ou mortas.
CAPÍTULO III
DA PROTEÇÃO AO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO
Artigo 8o Fica protegido por esta Medida Provisória
o conhecimento tradicional das comunidades indígenas
e das comunidades locais, associado ao patrimônio
genético, contra a utilização e exploração
ilícita e outras ações lesivas ou não
autorizadas pelo Conselho de Gestão de que trata
o art. 10, ou por instituição credenciada.
§ 1o O Estado reconhece o direito das comunidades indígenas
e das comunidades locais para decidir sobre o uso de seus
conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio
genético do País, nos termos desta Medida
Provisória e do seu regulamento.
§ 2o O conhecimento tradicional associado ao patrimônio
genético de que trata esta Medida Provisória
integra o patrimônio cultural brasileiro e poderá
ser objeto de cadastro, conforme dispuser o Conselho de
Gestão ou legislação específica.
§ 3o A proteção outorgada por esta Medida
Provisória não poderá ser interpretada
de modo a obstar a preservação, a utilização
e o desenvolvimento de conhecimento tradicional de comunidade
indígena ou comunidade local.
§ 4o A proteção ora instituída
não afetará, prejudicará ou limitará
direitos relativos à propriedade intelectual.
Artigo 9o À comunidade indígena e à
comunidade local que criam, desenvolvem, detêm ou
conservam conhecimento tradicional associado ao patrimônio
genético, é garantido o direito de:
I - ter indicada a origem do acesso ao conhecimento tradicional
em todas as publicações, utilizações,
explorações e divulgações;
II - impedir terceiros não autorizados de:
a) utilizar, realizar testes, pesquisas ou exploração,
relacionados ao conhecimento tradicional associado;
b) divulgar, transmitir ou retransmitir dados ou informações
que integram ou constituem conhecimento tradicional associado;
III - perceber benefícios pela exploração
econômica por terceiros, direta ou indiretamente,
de conhecimento tradicional associado, cujos direitos são
de sua titularidade, nos termos desta Medida Provisória.
Parágrafo único. Para efeito desta Medida
Provisória, qualquer conhecimento tradicional associado
ao patrimônio genético poderá ser de
titularidade da comunidade, ainda que apenas um indivíduo,
membro dessa comunidade, detenha esse conhecimento.
CAPÍTULO IV
DAS COMPETÊNCIAS E ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS
Artigo 10. Fica criado, no âmbito do Ministério
do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético, de caráter deliberativo e normativo,
composto de representantes de órgãos e de
entidades da Administração Pública
Federal que detêm competência sobre as diversas
ações de que trata esta Medida Provisória.
§ 1o O Conselho de Gestão será presidido
pelo representante do Ministério do Meio Ambiente.
§ 2o O Conselho de Gestão terá sua composição
e seu funcionamento dispostos no regulamento.
Artigo 11. Compete ao Conselho de Gestão:
I - coordenar a implementação de políticas
para a gestão do patrimônio genético;
II - estabelecer:
a) normas técnicas;
b) critérios para as autorizações de
acesso e de remessa;
c) diretrizes para elaboração do Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefícios;
d) critérios para a criação de base
de dados para o registro de informação sobre
conhecimento tradicional associado;
III - acompanhar, em articulação com órgãos
federais, ou mediante convênio com outras instituições,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
IV - deliberar sobre:
a) autorização de acesso e de remessa de amostra
de componente do patrimônio genético, mediante
anuência prévia de seu titular;
b) autorização de acesso a conhecimento tradicional
associado, mediante anuência prévia de seu
titular;
c) autorização especial de acesso e de remessa
de amostra de componente do patrimônio genético
à instituição nacional, pública
ou privada, que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins, e à universidade
nacional, pública ou privada, com prazo de duração
de até dois anos, renovável por iguais períodos,
nos termos do regulamento;
d) autorização especial de acesso a conhecimento
tradicional associado à instituição
nacional, pública ou privada, que exerça atividade
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins, e à universidade nacional, pública
ou privada, com prazo de duração de até
dois anos, renovável por iguais períodos,
nos termos do regulamento;
e) credenciamento de instituição pública
nacional de pesquisa e desenvolvimento ou de instituição
pública federal de gestão para autorizar outra
instituição nacional, pública ou privada,
que exerça atividade de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins:
1. a acessar amostra de componente do patrimônio genético
e de conhecimento tradicional associado;
2. a remeter amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública
ou privada, ou para instituição sediada no
exterior;
f) credenciamento de instituição pública
nacional para ser fiel depositária de amostra de
componente do patrimônio genético;
V - dar anuência aos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios quanto ao atendimento dos requisitos
previstos nesta Medida Provisória e no seu regulamento;
VI - promover debates e consultas públicas sobre
os temas de que trata esta Medida Provisória;
VII - funcionar como instância superior de recurso
em relação a decisão de instituição
credenciada e dos atos decorrentes da aplicação
desta Medida Provisória;
VIII - aprovar seu regimento interno.
§ 1o Das decisões do Conselho de Gestão
caberá recurso ao plenário, na forma do regulamento.
§ 2o O Conselho de Gestão poderá organizar-se
em câmaras temáticas, para subsidiar decisões
do plenário.
Artigo 12. A atividade de coleta de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado,
que contribua para o avanço do conhecimento e que
não esteja associada à bioprospecção,
quando envolver a participação de pessoa jurídica
estrangeira, será autorizada pelo órgão
responsável pela política nacional de pesquisa
científica e tecnológica, observadas as determinações
desta Medida Provisória e a legislação
vigente.
Parágrafo único. A autorização
prevista no caput deste artigo observará as normas
técnicas definidas pelo Conselho de Gestão,
o qual exercerá supervisão dessas atividades.
Artigo 13. Compete ao Presidente do Conselho de Gestão
firmar, em nome da União, Contrato de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios.
§ 1o Mantida a competência de que trata o caput
deste artigo, o Presidente do Conselho de Gestão
subdelegará ao titular de instituição
pública federal de pesquisa e desenvolvimento ou
instituição pública federal de gestão
a competência prevista no caput deste artigo, conforme
sua respectiva área de atuação.
§ 2o Quando a instituição prevista no
parágrafo anterior for parte interessada no contrato,
este será firmado pelo Presidente do Conselho de
Gestão.
Artigo 14. Caberá à instituição
credenciada de que tratam os números 1 e 2 da alínea
"e" do inciso IV do art. 11 desta Medida Provisória
uma ou mais das seguintes atribuições, observadas
as diretrizes do Conselho de Gestão:
I - analisar requerimento e emitir, a terceiros, autorização:
a) de acesso a amostra de componente do patrimônio
genético existente em condições in
situ no território nacional, na plataforma continental
e na zona econômica exclusiva, mediante anuência
prévia de seus titulares;
b) de acesso a conhecimento tradicional associado, mediante
anuência prévia dos titulares da área;
c) de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético para instituição nacional,
pública ou privada, ou para instituição
sediada no exterior;
II - acompanhar, em articulação com órgãos
federais, ou mediante convênio com outras instituições,
as atividades de acesso e de remessa de amostra de componente
do patrimônio genético e de acesso a conhecimento
tradicional associado;
III - criar e manter:
a) cadastro de coleções ex situ, conforme
previsto no art. 18 desta Medida Provisória;
b) base de dados para registro de informações
obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio
genético;
c) base de dados relativos às Autorizações
de Acesso e de Remessa, aos Termos de Transferência
de Material e aos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, na forma do regulamento;
IV - divulgar, periodicamente, lista das Autorizações
de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência
de Material e dos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios;
V - acompanhar a implementação dos Termos
de Transferência de Material e dos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios referente aos processos por ela autorizados.
§ 1o A instituição credenciada deverá,
anualmente, mediante relatório, dar conhecimento
pleno ao Conselho de Gestão sobre a atividade realizada
e repassar cópia das bases de dados à unidade
executora prevista no art. 15.
§ 2o A instituição credenciada, na forma
do art. 11, deverá observar o cumprimento das disposições
desta Medida Provisória, do seu regulamento e das
decisões do Conselho de Gestão, sob pena de
seu descredenciamento, ficando, ainda, sujeita à
aplicação, no que couber, das penalidades
previstas no art. 30 e na legislação vigente.
Artigo 15. Fica autorizada a criação, no âmbito
do Ministério do Meio Ambiente, de unidade executora
que exercerá a função de secretaria
executiva do Conselho de Gestão, de que trata o art.
10 desta Medida Provisória, com as seguintes atribuições,
dentre outras:
I - implementar as deliberações do Conselho
de Gestão;
II - dar suporte às instituições credenciadas;
III - emitir, de acordo com deliberação do
Conselho de Gestão e em seu nome:
a) Autorização de Acesso e de Remessa;
b) Autorização Especial de Acesso e de Remessa;
IV - acompanhar, em articulação com os demais
órgãos federais, as atividades de acesso e
de remessa de amostra de componente do patrimônio
genético e de acesso a conhecimento tradicional associado;
V - credenciar, de acordo com deliberação
do Conselho de Gestão e em seu nome, instituição
pública nacional de pesquisa e desenvolvimento ou
instituição pública federal de gestão
para autorizar instituição nacional, pública
ou privada:
a) a acessar amostra de componente do patrimônio genético
e de conhecimento tradicional associado;
b) a enviar amostra de componente do patrimônio genético
para instituição nacional, pública
ou privada, ou para instituição sediada no
exterior, respeitadas as exigências do art. 19 desta
Medida Provisória;
VI - credenciar, de acordo com deliberação
do Conselho de Gestão e em seu nome, instituição
pública nacional para ser fiel depositária
de amostra de componente do patrimônio genético;
VII - registrar os Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, após anuência do Conselho
de Gestão;
VIII - divulgar lista de espécies de intercâmbio
facilitado constantes de acordos internacionais, inclusive
sobre segurança alimentar, dos quais o País
seja signatário, de acordo com o § 2o do art.
19 desta Medida Provisória;
IX - criar e manter:
a) cadastro de coleções ex situ, conforme
previsto no art. 18;
b) base de dados para registro de informações
obtidas durante a coleta de amostra de componente do patrimônio
genético;
c) base de dados relativos às Autorizações
de Acesso e de Remessa, aos Termos de Transferência
de Material e aos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios;
X - divulgar, periodicamente, lista das Autorizações
de Acesso e de Remessa, dos Termos de Transferência
de Material e dos Contratos de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios.
CAPÍTULO V
DO ACESSO E DA REMESSA
Artigo 16. O acesso a componente do patrimônio genético
existente em condições in situ no território
nacional, na plataforma continental e na zona econômica
exclusiva, e ao conhecimento tradicional associado far-se-á
mediante a coleta de amostra e de informação,
respectivamente, e somente será autorizado a instituição
nacional, pública ou privada, que exerça atividades
de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas
e afins, mediante prévia autorização,
na forma desta Medida Provisória.
§ 1o O responsável pela expedição
de coleta deverá, ao término de suas atividades
em cada área acessada, assinar com o seu titular
ou representante declaração contendo listagem
do material acessado, na forma do regulamento.
§ 2o Excepcionalmente, nos casos em que o titular da
área ou seu representante não for identificado
ou localizado por ocasião da expedição
de coleta, a declaração contendo listagem
do material acessado deverá ser assinada pelo responsável
pela expedição e encaminhada ao Conselho de
Gestão.
§ 3o Sub-amostra representativa de cada população
componente do patrimônio genético acessada
deve ser depositada em condição ex situ em
instituição credenciada como fiel depositária,
de que trata a alínea "f" do inciso IV
do art. 11 desta Medida Provisória, na forma do regulamento.
§ 4o Quando houver perspectiva de uso comercial, o
acesso a amostra de componente do patrimônio genético,
em condições in situ, e ao conhecimento tradicional
associado só poderá ocorrer após assinatura
de Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios.
§ 5o Caso seja identificado potencial de uso econômico,
de produto ou processo, passível ou não de
proteção intelectual, originado de amostra
de componente do patrimônio genético e de informação
oriunda de conhecimento tradicional associado, acessado
com base em autorização que não estabeleceu
esta hipótese, a instituição beneficiária
obriga-se a comunicar ao Conselho de Gestão ou a
instituição onde se originou o processo de
acesso e de remessa, para a formalização de
Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios.
§ 6o A participação de pessoa jurídica
estrangeira em expedição para coleta de amostra
de componente do patrimônio genético in situ
e para acesso de conhecimento tradicional associado somente
será autorizada quando em conjunto com instituição
pública nacional, ficando a coordenação
das atividades obrigatoriamente a cargo desta última
e desde que todas as instituições envolvidas
exerçam atividades de pesquisa e desenvolvimento
nas áreas biológicas e afins.
§ 7o A pesquisa sobre componentes do patrimônio
genético deve ser realizada preferencialmente no
território nacional.
§ 8o A Autorização de Acesso e de Remessa
de amostra de componente do patrimônio genético
de espécie de endemismo estrito ou ameaçada
de extinção dependerá da anuência
prévia do órgão competente.
§ 9o A Autorização de Acesso e de Remessa
dar-se-á após a anuência prévia:
I - da comunidade indígena envolvida, ouvido o órgão
indigenista oficial, quando o acesso ocorrer em terra indígena;
II - do órgão competente, quando o acesso
ocorrer em área protegida;
III - do titular de área privada, quando o acesso
nela ocorrer;
IV - do Conselho de Defesa Nacional, quando o acesso se
der em área indispensável à segurança
nacional;
V - da autoridade marítima, quando o acesso se der
em águas jurisdicionais brasileiras, na plataforma
continental e na zona econômica exclusiva.
§ 10. O detentor de Autorização de Acesso
e de Remessa de que tratam os incisos I a V do § 9o
deste artigo fica responsável a ressarcir o titular
da área por eventuais danos ou prejuízos,
desde que devidamente comprovados.
§ 11. A instituição detentora de Autorização
Especial de Acesso e de Remessa encaminhará ao Conselho
de Gestão as anuências de que tratam os §§
8º e 9º deste artigo antes ou por ocasião
das expedições de coleta a serem efetuadas
durante o período de vigência da Autorização,
cujo descumprimento acarretará o seu cancelamento.
Artigo 17. Em caso de relevante interesse público,
assim caracterizado pelo Conselho de Gestão, o ingresso
em área pública ou privada para acesso a amostra
de componente do patrimônio genético dispensará
anuência prévia dos seus titulares, garantido
a estes o disposto nos arts. 24 e 25 desta Medida Provisória.
§ 1o No caso previsto no caput deste artigo, a comunidade
indígena, a comunidade local ou o proprietário
deverá ser previamente informado.
§ 2o Em se tratando de terra indígena, observar-se-á
o disposto no § 6o do art. 231 da Constituição
Federal.
Artigo 18. A conservação ex situ de amostra
de componente do patrimônio genético deve ser
realizada no território nacional, podendo, suplementarmente,
a critério do Conselho de Gestão, ser realizada
no exterior.
§ 1o As coleções ex situ de amostra de
componente do patrimônio genético deverão
ser cadastradas junto à unidade executora do Conselho
de Gestão, conforme dispuser o regulamento.
§ 2o O Conselho de Gestão poderá delegar
o cadastramento de que trata o § 1o deste artigo a
uma ou mais instituições credenciadas na forma
das alíneas "d" e "e" do inciso
IV do art. 11 desta Medida Provisória.
Artigo 19. A remessa de amostra de componente do patrimônio
genético de instituição nacional, pública
ou privada, para outra instituição nacional,
pública ou privada, será efetuada a partir
de material em condições ex situ, mediante
a informação do uso pretendido, observado
o cumprimento cumulativo das seguintes condições,
além de outras que o Conselho de Gestão venha
a estabelecer:
I - depósito de sub-amostra representativa de componente
do patrimônio genético em coleção
mantida por instituição credenciada, caso
ainda não tenha sido cumprido o disposto no §
3o do art. 16 desta Medida Provisória;
II - nos casos de amostra de componente do patrimônio
genético acessado em condições in situ,
antes da edição desta Medida Provisória,
o depósito de que trata o inciso anterior será
feito na forma acessada, se ainda disponível, nos
termos do regulamento;
III - fornecimento de informação obtida durante
a coleta de amostra de componente do patrimônio genético
para registro em base de dados mencionada na alínea
"b" do inciso III do art. 14 e alínea "b"
do inciso IX do art. 15 desta Medida Provisória;
IV - prévia assinatura de Termo de Transferência
de Material.
§ 1o Sempre que houver perspectiva de uso comercial
de produto ou processo resultante da utilização
de componente do patrimônio genético será
necessária a prévia assinatura de Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefícios.
§ 2o A remessa de amostra de componente do patrimônio
genético de espécies consideradas de intercâmbio
facilitado em acordos internacionais, inclusive sobre segurança
alimentar, dos quais o País seja signatário,
deverá ser efetuada em conformidade com as condições
neles definidas, mantidas as exigências deles constantes.
§ 3o A remessa de qualquer amostra de componente do
patrimônio genético de instituição
nacional, pública ou privada, para instituição
sediada no exterior, será efetuada a partir de material
em condições ex situ, mediante a informação
do uso pretendido e a prévia autorização
do Conselho de Gestão ou de instituição
credenciada, observado o cumprimento cumulativo das condições
estabelecidas nos incisos I a IV e §§ 1o e 2o
deste artigo.
Artigo 20. O Termo de Transferência de Material terá
seu modelo aprovado pelo Conselho de Gestão.
CAPÍTULO VI
DO ACESSO À TECNOLOGIA E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Artigo 21. A instituição que receber amostra
de componente do patrimônio genético ou conhecimento
tradicional associado facilitará o acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia para a conservação
e utilização desse patrimônio ou desse
conhecimento à instituição nacional
responsável pelo acesso e remessa da amostra e da
informação sobre o conhecimento, ou instituição
por ela indicada.
Artigo 22. O acesso à tecnologia e transferência
de tecnologia entre instituição nacional de
pesquisa e desenvolvimento, pública ou privada, e
instituição sediada no exterior, poderá
realizar-se, dentre outras atividades, mediante:
I - pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico;
II - formação e capacitação
de recursos humanos;
III - intercâmbio de informações;
IV - intercâmbio entre instituição nacional
de pesquisa e instituição de pesquisa sediada
no exterior;
V - consolidação de infra-estrutura de pesquisa
científica e de desenvolvimento tecnológico;
VI - exploração econômica, em parceria,
de processo e produto derivado do uso de componente do patrimônio
genético; e
VII - estabelecimento de empreendimento conjunto de base
tecnológica.
Artigo 23. A empresa que, no processo de garantir o acesso
à tecnologia e transferência de tecnologia
à instituição nacional, pública
ou privada, responsável pelo acesso e remessa de
amostra de componente do patrimônio genético
e pelo acesso à informação sobre conhecimento
tradicional associado, investir em atividade de pesquisa
e desenvolvimento no País, fará jus a incentivo
fiscal para a capacitação tecnológica
da indústria e da agropecuária, e a outros
instrumentos de estímulo, na forma da legislação
pertinente.
CAPÍTULO VII
DA REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS
Artigo 24. Os benefícios resultantes da exploração
econômica de produto ou processo desenvolvido a partir
de amostra de componente do patrimônio genético
e de conhecimento tradicional associado, obtidos por instituição
nacional ou instituição sediada no exterior,
serão repartidos, de forma justa e eqüitativa,
entre as partes contratantes, conforme dispuser o regulamento
e a legislação pertinente.
Parágrafo único. À União, quando
não for parte no Contrato de Utilização
do Patrimônio Genético e de Repartição
de Benefícios, será assegurada, no que couber,
a participação nos benefícios a que
se refere o caput deste artigo, na forma do regulamento.
Artigo 25. Os benefícios decorrentes da exploração
econômica de produto ou processo, desenvolvido a partir
de amostra do patrimônio genético ou de conhecimento
tradicional associado, poderão constituir-se, dentre
outros, de:
I - divisão de lucros;
II - pagamento de royalties;
III - acesso e transferência de tecnologias;
IV - licenciamento, livre de ônus, de produtos e processos;
e
V - capacitação de recursos humanos.
Artigo 26. A exploração econômica de
produto ou processo desenvolvido a partir de amostra de
componente do patrimônio genético ou de conhecimento
tradicional associado, acessada em desacordo com as disposições
desta Medida Provisória, sujeitará o infrator
ao pagamento de indenização correspondente
a, no mínimo, vinte por cento do faturamento bruto
obtido na comercialização de produto ou de
royalties obtidos de terceiros pelo infrator, em decorrência
de licenciamento de produto ou processo ou do uso da tecnologia,
protegidos ou não por propriedade intelectual, sem
prejuízo das sanções administrativas
e penais cabíveis.
Artigo 27. O Contrato de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios
deverá indicar e qualificar com clareza as partes
contratantes, sendo, de um lado, o proprietário da
área pública ou privada, ou o representante
da comunidade indígena e do órgão indigenista
oficial, ou o representante da comunidade local e, de outro,
a instituição nacional autorizada a efetuar
o acesso e a instituição destinatária.
Artigo 28. São cláusulas essenciais do Contrato
de Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefícios, na forma
do regulamento, sem prejuízo de outras, as que disponham
sobre:
I - objeto, seus elementos, quantificação
da amostra e uso pretendido;
II - prazo de duração;
III - forma de repartição justa e eqüitativa
de benefícios e, quando for o caso, acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia;
IV - direitos e responsabilidades das partes;
V - direito de propriedade intelectual;
VI - rescisão;
VII - penalidades;
VIII - foro no Brasil.
Parágrafo único. Quando a União for
parte, o contrato referido no caput deste artigo reger-se-á
pelo regime jurídico de direito público.
Artigo 29. Os Contratos de Utilização do Patrimônio
Genético e de Repartição de Benefícios
serão submetidos para registro no Conselho de Gestão
e só terão eficácia após sua
anuência.
Parágrafo único. Serão nulos, não
gerando qualquer efeito jurídico, os Contratos de
Utilização do Patrimônio Genético
e de Repartição de Benefícios firmados
em desacordo com os dispositivos desta Medida Provisória
e de seu regulamento.
CAPÍTULO VIII
DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
Artigo 30. Considera-se infração administrativa
contra o patrimônio genético ou ao conhecimento
tradicional associado toda ação ou omissão
que viole as normas desta Medida Provisória e demais
disposições legais pertinentes.
§ 1o As infrações administrativas serão
punidas na forma estabelecida no regulamento desta Medida
Provisória, com as seguintes sanções:
I - advertência;
II - multa;
III - apreensão das amostras de componentes do patrimônio
genético e dos instrumentos utilizados na coleta
ou no processamento ou dos produtos obtidos a partir de
informação sobre conhecimento tradicional
associado;
IV - apreensão dos produtos derivados de amostra
de componente do patrimônio genético ou do
conhecimento tradicional associado;
V - suspensão da venda do produto derivado de amostra
de componente do patrimônio genético ou do
conhecimento tradicional associado e sua apreensão;
VI - embargo da atividade;
VII - interdição parcial ou total do estabelecimento,
atividade ou empreendimento;
VIII - suspensão de registro, patente, licença
ou autorização;
IX - cancelamento de registro, patente, licença ou
autorização;
X - perda ou restrição de incentivo e benefício
fiscal concedidos pelo governo;
XI - perda ou suspensão da participação
em linha de financiamento em estabelecimento oficial de
crédito;
XII - intervenção no estabelecimento;
XIII - proibição de contratar com a Administração
Pública, por período de até cinco anos.
§ 2o As amostras, os produtos e os instrumentos de
que tratam os incisos III, IV e V do § 1o deste artigo,
terão sua destinação definida pelo
Conselho de Gestão.
§ 3o As sanções estabelecidas neste artigo
serão aplicadas na forma processual estabelecida
no regulamento desta Medida Provisória, sem prejuízo
das sanções civis ou penais cabíveis.
§ 4o A multa de que trata o inciso II do § 1o
deste artigo será arbitrada pela autoridade competente,
de acordo com a gravidade da infração e na
forma do regulamento, podendo variar de R$ 200,00 (duzentos
reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando se tratar
de pessoa física.
§ 5o Se a infração for cometida por pessoa
jurídica, ou com seu concurso, a multa será
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinqüenta
milhões de reais), arbitrada pela autoridade competente,
de acordo com a gravidade da infração, na
forma do regulamento.
§ 6o Em caso de reincidência, a multa será
aplicada em dobro.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Artigo 31. A concessão de direito de propriedade
industrial pelos órgãos competentes, sobre
processo ou produto obtido a partir de amostra de componente
do patrimônio genético, fica condicionada à
observância desta Medida Provisória, devendo
o requerente informar a origem do material genético
e do conhecimento tradicional associado, quando for o caso.
Artigo 32. Os órgãos federais competentes
exercerão a fiscalização, a interceptação
e a apreensão de amostra de componente do patrimônio
genético ou de produto obtido a partir de informação
sobre conhecimento tradicional associado, acessados em desacordo
com as disposições desta Medida Provisória,
podendo, ainda, tais atividades serem descentralizadas,
mediante convênios, de acordo com o regulamento.
Artigo 33. A parcela dos lucros e dos royalties devidos
à União, resultantes da exploração
econômica de processo ou produto desenvolvido a partir
de amostra de componente do patrimônio genético,
bem como o valor das multas e indenizações
de que trata esta Medida Provisória serão
destinados ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela
Lei no 7.797, de 10 de julho de 1989, ao Fundo Naval, criado
pelo Decreto no 20.923, de 8 de janeiro de 1932, e ao Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969,
e restabelecido pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991,
na forma do regulamento.
Parágrafo único. Os recursos de que trata
este artigo serão utilizados exclusivamente na conservação
da diversidade biológica, incluindo a recuperação,
criação e manutenção de bancos
depositários, no fomento à pesquisa científica,
no desenvolvimento tecnológico associado ao patrimônio
genético e na capacitação de recursos
humanos associados ao desenvolvimento das atividades relacionadas
ao uso e à conservação do patrimônio
genético.
Artigo 34. A pessoa que utiliza ou explora economicamente
componentes do patrimônio genético e conhecimento
tradicional associado deverá adequar suas atividades
às normas desta Medida Provisória e do seu
regulamento.
Artigo 35. O Poder Executivo regulamentará esta Medida
Provisória até 30 de dezembro de 2001.
Artigo 36. As disposições desta Medida Provisória
não se aplicam à matéria regulada pela
Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995.
Artigo 37. Ficam convalidados os atos praticados com base
na Medida Provisória no 2.126-11, de 27 de abril
de 2001.
Artigo 38. Esta Medida Provisória entra em vigor
na data de sua publicação.
Brasília, 25 de maio de 2001; 180o da Independência
e 113o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
José Gregori
José Serra
Ronaldo Mota Sardenberg
José Sarney Filho
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