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EXÉRCITO QUER REABRIR O TRÁFEGO EM ESTRADA
QUE CORTA AS TERRAS DOS ÍNDIOS WAIMIRI ATROARI EM RORAIMA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) Brasil
Novembro de 2001

Sob o argumento de que a interdição do tráfego na rodovia no período noturno fere o direito constitucional de ir e vir, o Comando Militar da Amazônia defende a suspensão da medida, sem levar em conta a história traumática da construção da estrada, e a ameaça que representaria para a segurança dos índios e o meio ambiente na região, como a poluição dos rios e o atropelamento e a caça de animais.

No dia 1° de novembro, a Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari, em Roraima, recebeu uma comitiva ilustre para uma reunião de tema bastante delicado. Representantes do Comando Militar da Amazônia, do Programa Waimiri Atroari (PWA), da Funai e do Ministério Público Federal se sentaram com lideranças indígenas Waimiri Atroari para conversar sobre a liberação do tráfego noturno na BR-174. A estrada liga Manaus a Boa Vista e segue até a fronteira com a Venezuela e a interdição noturna foi determinada, em 1974, pelo Exército Brasileiro. Agora, o Exército está solicitando a suspensão de medida.

Durante a reunião, o líder Waimiri Atroari, Mario Parwé, relembrou a todos os conflitos ocorridos durante a construção da BR-174 (veja histórico adiante). Não se pode, de fato, esquecer da reação dos índios contra a estrada e os ataques que sofreram. Já o general Claudimar M. Nunes, Comandante da Primeira Brigada de Infantaria de Selva do Exército, baseada em Boa Vista, argumentou que a interdição noturna do tráfego na estrada fere o direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros previsto na Constituição, e que a fiscalização da rodovia compete à Polícia Rodoviária Federal.

Entretanto, a Funai e o Ministério Público Federal discordam da posição que o Exército defende. A subprocuradora geral da República e coordenadora da 6ª Câmara do Ministério Público Federal, Dra. Ela Castilho, presente ao encontro, afirmou "não estar em questão apenas o direito constitucional de ir e vir, mas igualmente o direito constitucional dos índios ao usufruto de suas terras de acordo com o artigo 231 da Constituição Federal, razão pela qual inexiste ilegalidade na restrição do tráfego, devendo os direitos serem compatibilizados sem que um se sobreponha ao outro".

A subprocuradora ressaltou ainda que a exclusão do leito da BR-174 da terra indígena demarcada não tem força jurídica para desqualificar a sua natureza essencial de terra indígena. E que a restrição ora existente não anula o direito de ir e vir e assegura razoavelmente os direitos dos Waimiri Atroari a um meio ambiente preservado para a sua reprodução física e cultural.

Na mesma linha, o representante do presidente da Funai, Dinarte Madeiro, manifestou a posição da entidade indigenista favorável à forma de controle da estrada que vem sendo executada pelos índios.

Convidado pelo PWA a participar do encontro, o antropólogo Mércio Gomes foi um pouco mais longe ao lembrar que o direito de ir e vir nas estradas brasileiras é um direito relativo já que empresas privadas e instituições de controle do estado cobram pedágio, restringindo de várias maneiras o tráfego.

O resumo da história

Na década de 70, com o surto desenvolvimentista, muitas estradas foram abertas cortando territórios indígenas, sem levar em conta as populações que ali viviam. A história brasileira desse período registra inúmeros massacres de aldeias indígenas inteiras. Com a construção da BR-174 não foi diferente. Seu traçado inicial era Manaus- Caracaraí, depois alterado para Manaus-Boa Vista, seguindo dali até a fronteira com a Venezuela. Justamente por atravessar terras indígenas sua construção, iniciada em 1968, sofreu diversas paralisações.

O enfrentamento ocorrido nessa época entre índios e não-índios levou os Waimiri Atroari quase à extinção. De 3000 indivíduos em 1974, restaram 374 em 1986. Ou seja, mais de 85% da população foi exterminada. Por temer represálias por parte dos índios, contrários à construção da estrada, e também assegurar sua integridade física, proteger suas terras e evitar acidentes na estrada com gente e animais, é que o Exército decidiu fechar a estrada ao tráfego noturno. "Os Waimiri temiam e ainda temem represálias durante a noite de parentes de pessoas que morreram em conflitos com eles", diz José Porfírio Carvalho, indigenista e coordenador do Programa Waimiri Atroari.

Com 970 quilômetros de extensão total - sendo aproximadamente 1000 quilômetros entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR) e mais 220 quilômetros até a fronteira com a Venezuela - a BR-174 corta nada menos que 125 quilômetros das terras Waimiri Atroari. Nesse trecho de mata densa existem seis aldeias com 906 índios e uma grande riqueza de espécies animais. O tráfego noturno também estimularia a caça ilegal e o atropelamento dos bichos na estrada.
De dia, todos os motoristas que atravessam a terra indígena pela BR-174 são monitorados, já que não há socorro na estrada e os veículos quebram muito. "Todos os ônibus e caminhões com cargas perecíveis, depois de passarem pelo primeiro posto de controle na TI, caso não cheguem ao próximo posto três horas depois é porque algo aconteceu. Então, é dado o alerta e um veículo é acionado para percorrer o trecho em questão ", informa Carvalho. "Há mais de 20 anos a estrada funciona assim. Fecha às 18h00 e reabre às 6h00. A exceção fica com os ônibus, os veículos com cargas perecíveis e emergências, o que comprova seu caráter seletivo e temporário".

Reabertura preocupa

No início, o medo de um contra-ataque por parte dos índios levou o Exército a formar comboios para acompanhar os veículos na BR, tanto à frente quanto na retaguarda. E, logo depois, decidiu pelo fechamento noturno da estrada com barreiras instaladas em Abonari, no Amazonas e em Jundiá, em Roraima - ao sul e ao norte da Terra Indígena.

Em 1999, com o asfaltamento da estrada, o Exército repassou a responsabilidade para os Waimiri Atroari, desativando os postos em Abonari (AM) e em Jundiá (RR). É bom ressaltar que o asfaltamento da estrada dependia da aprovação de uma lei complementar, conforme o disposto no artigo 6º do artigo 231 da Constituição Federal. Entretanto, os índios permitiram que se asfaltasse a rodovia, mesmo sem a aprovação da lei - até hoje não aprovada.

Em cerimônia solene, os militares entregaram simbolicamente às lideranças Waimiri Atroari a chave do trecho da rodovia que passa por suas terras. "A iniciativa de fechar a estrada foi do Exército, que também por iniciativa própria lhes entregou a chave. Quem criou essa situação não foram os índios. Eles receberam a missão de controlar a estrada como um reconhecimento ao seu trabalho. Não dá para chegar agora e dizer que querem de volta, até porque a estrada nunca esteve totalmente fechada", explica Artur Nobre Mendes, diretor de assuntos fundiários da Funai.

De acordo com Artur Mendes, a Funai acha que essa situação deve ser negociada com os índios, levando em conta o histórico da construção da estrada e tudo o que esses índios passaram. "Isso ainda é muito forte e presente entre eles. Trata-se de negociar uma forma de controle na qual eles se sintam seguros", diz.
Enquanto a questão está em debate, uma campanha por parte de parlamentares roraimenses pela reabertura da estrada está conseguindo o apoio da população do estado. Isso está preocupando os índios Waimiri Atroari, indigenistas e entidades indigenistas. E não é para menos, já que estão em jogo a segurança desse povo e a possibilidade de invasões em suas terras. Isso sem contar os impactos ambientais que a suspensão da medida poderá causar, como atropelamentos de animais - que já são freqüentes - e de crianças.

Deveriam servir de exemplo, os acidentes que ocorreram e continuam a ocorrer em outro trecho da BR-174, o que atravessa a Terra Indígena São Marcos ainda em Roraima, e é fiscalizado pela Polícia Rodoviária Federal. Os índios que ali vivem (Wapixana, Macuxi e Taurepang) são vítimas constantes de crimes, invasões e atropelamentos.

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa (Inês Zanchetta)

 
 
 
 

 

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