O médico
amazonense Marcus Barros toma posse como diretor
geral do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(Inpa)
Sexta-feira foi dia de festa para
os ambientalistas. Afinal, depois de dois concursos
públicos nos quais tirou o primeiro lugar,
finalmente, Barros tomou posse no cargo. Depois
do primeiro concurso, há cerca de dois anos,
apesar de ter sido o escolhido, teve seu nome vetado
por políticos locais. Isso não o fez
desistir. No ano passado, encarou novamente outro
concurso público e venceu novamente. Só
que dessa vez ganhou e levou. Leia, a entrevista
que o dr. Marcus Barros deu à reportagem
do ISA e saiba quais são seu planos à
frente do Inpa, instituto de pesquisa fundamental
para a Amazônia e para o Brasil.
Dono de um currículo extenso, desde que se
formou em 1972 pela Universidade do Amazonas, o
médico Marcus Barros não parou de
estudar. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro,
especializou-se em Medicina Tropical e, mais tarde,
no Japão, na área de Imunologia, dedicou-se
a estudar a doença de Chagas. Fundador do
Hospital Universitário Getúlio Vargas
(AM), foi reitor da Universidade do Amazonas, de
1989 a 1993. Nesse período, a universidade
desenvolveu importantes projetos de interiorização
e promoveu abertura para novas parcerias, tornando-se
referência marcante como instituição
de pesquisa na região. (veja abaixo as opiniões
de Marcus Barros).
"Precisamos nos relacionar
com o homem"
ISA - Sua nomeação para a direção
geral do Inpa saiu em fevereiro, depois de um segundo
concurso público. O senhor havia vencido
o concurso anterior, mas na ocasião seu nome,
segundo consta, foi vetado pelo senador Gilberto
Mestrinho (AM). Os dois concursos se deram durante
o governo Fernando Henrique Cardoso. O que mudou
para que sua indicação, desta vez,
se tornasse viável?
Marcus Barros - É preciso analisar alguns
fatores. Primeiro, estamos em ano eleitoral; segundo,
os políticos têm de se reciclar. Uma
das coisas inerentes aos políticos é
a autocrítica. O político que não
se autocritica tende a desaparecer. Quando falo
em autocrítica estou me referindo a mudança
de comportamento e não a um ato de contrição.
Vejo agora, que quem induziu aquela "desnomeação",
desculpe o neologismo - na época do primeiro
concurso - resolveu não vetar meu nome pela
segunda vez. Sabe por quê? Porque, pela segunda
vez, houve outro concurso, com todas as regras cumpridas,
novos candidatos e tive a felicidade de ser novamente
o primeiro. Como o segundo colocado era um paulista,
acredito que quem vetou meu nome no processo anterior,
dificilmente teria espaço política
para vetar agora. Até porque, na época,
o veto causou descontentamento intenso. Desta vez,
creio que entenderam que vetar novamente não
seria correto e fizeram uma autocrítica pública
- e eu reconheço isso. Assim, disseram que,
pelo mérito já explicitado, eu deveria
dirigir o Inpa.
ISA - O senhor poderia fazer uma
rápida avaliação da situação
atual do Inpa em termos de recursos humanos e de
infra-estrutura e dos conhecimentos acumulados que
o instituto tem sobre a Amazônia?
Marcus Barros - Como outras instituições,
o Inpa perdeu muitos recursos humanos. Hoje, temos
apenas cerca de 220 pesquisadores. O que melhorou
muito foi a qualidade: temos 45% de doutores e cerca
de 42% de mestres. Isso é bastante significativo.
Mas para enfrentar a missão que temos pela
frente seria preciso, no mínimo, dobrar esse
número. A infra-estrutura melhorou um pouco
com os projetos do Programa Piloto de Proteção
às Florestas Tropicais do Brasil (PPG7),
mas necessita de atualização rápida.
Não é possível que estejamos
na era da fibra ótica e ainda trabalhemos
com telefones analógicos. Precisamos melhorar
muito no que diz respeito à modernidade administrativa
para que possamos dar continuidade às atividades
de pesquisa. O que nós temos acumulado na
Amazônia, nesses anos, se constitui numa fonte
rica, não só para passar esses conhecimentos
à população e transformá-los
em tecnologia - em associação com
outras instituições e ONGs, especialmente
as que trabalham com populações indígenas
- como também queremos discutir com os grandes
projetos em curso na Amazônia. O Sivam, por
exemplo, necessita do Inpa, assim como o CBA (Centro
de Biotecnologia da Amazônia). Por outro lado,
precisamos mostrar o que temos nas áreas
de interesse comum, sem que haja paralelismo. E
estamos abertos a isso.
ISA - Sobre a missão institucional
do Inpa, ela permanece tal e qual foi formulada
na sua fundação?
Marcus Barros - O Inpa tem três momentos distintos
em sua missão: primeiro, a missão
de sua criação, ou seja, o Inpa se
antepôs ao projeto da Unesco dos três
grandes trópicos: o andino, o árido
e o úmido. Este último seria o nosso
e estabeleceu a missão que eu chamo de fase
estritamente estratégica. Em outras palavras,
o Inpa foi criado para gerar o conhecimento que
mantivesse uma Amazônia para os brasileiros.
Para isso, era preciso levantar a biodiversidade
ao máximo e estudar o seu funcionamento.
No início da década de 90, o Inpa
passou por outra missão, desta vez, mais
operacional. Foi quando ampliou não apenas
a infra-estrutura - que ainda não se completou
-, mas também a atividade de pesquisa, que
passaram a ser mais ágeis. A terceira fase
é a que eu chamo de o Inpa e a sociedade.
E tem sua origem no planejamento estratégico
participativo. Queremos criar conselhos em que a
sociedade seja ouvida e queremos trabalhar por demanda
dos vários setores organizados da sociedade,
inclusive com as populações indígenas,
que já se organizam como é o caso
da Coiab (Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira),
da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Forin), e em outros
organismos internacionais. Portanto, para traçar
essa nova missão, dentro da idéia
de participação popular, democrática,
é necessário que a sociedade seja
ouvida.
ISA - O Inpa reúne basicamente
"cientistas naturais" organizados em alguns
departamentos. O senhor acha que essa equipe com
suas competências e da forma como está
organizada é suficiente e adequada para enfrentar
as questões de produção de
conhecimento, que estão colocadas para um
futuro sustentável da Amazônia?
Marcus Barros - Não. Acredito que a equipe
tem de se ampliar um pouco. Por exemplo, o Inpa
tem que ter uma Coordenação de Ciências
Humanas e não deixar isso só com o
Museu Goeldi, no Pará. A Amazônia é
muito grande e nós precisamos ter mais ciências
políticas, ciências sociais, antropologia,
sociologia, etnobotânica. Precisamos nos relacionar
com o homem porque nessa missão, o homem
deve ser a preocupação mais importante.
Todo o estudo da biodiversidade deve estar centrado
no homem. Nós cuidamos da natureza, entendemos
o seu funcionamento, para ter o homem como fim último.
Precisamos, também, ter um núcleo
de comunicação forte. O Inpa se comunica
pouco, o Inpa diz pouco o que produz, e produz muito.
Nós precisamos criar estratégias,
através da comunicação social,
inclusive interna, para que o Inpa seja muito pacificado,
que não seja pulverizado em grandes grupos
e competências. É missão da
nova administração juntar esses grandes
grupos. Se há uma política em busca
de um futuro comum para a terra, nós temos
de buscar um futuro comum para o Inpa, com a participação
de todos. Senão, viramos apenas ilhas de
excelência e não Inpa.
ISA - Como o Inpa tem se relacionado
ou pretende se relacionar com as populações
tradicionais da Amazônia, no sentido da produção
do conhecimento sobre a região?
Marcus Barros - Isso é um débito,
uma dívida grave que o Inpa tem. Nós
até já nos relacionamos com algumas.
Conversamos com os representantes dos Saterês-Maués,
dos Baniwa, e vamos abrir ainda mais. Tudo que o
Inpa puder fazer para assessorar essas organizações
indígenas, usando a tecnologia de que dispomos
em complementação ao seu conhecimento
tradicional, vai ser feito.
ISA - Até por ter uma história
na Fundação Vitória Amazônica,
o senhor pretende estreitar as relações
do Inpa com as ONGs?
Marcus Barros - Certamente. Essas organizações
são importantíssimas para a sociedade.
Eu tenho experiência na FVA e com outras organizações
não-governamentais e posso dizer que o nosso
trabalho, apesar de sermos governamentais, é
de respeito, integração, parceria,
produção conjunta. Invejo muito os
trabalhos do ISA no Médio Rio Negro com as
populações indígenas, com a
recuperação da cultura dessas populações.
Queria que o Inpa tivesse tido uma participação
maior nessa produção sobre a biodiversidade
da Amazônia realizada pelo ISA e outras instituições.
Enfim, acho que temos de estar muito próximos
nesses trabalhos.
ISA - E com outros institutos
de pesquisa, públicos e privados?
Marcus Barros - Nós temos de estar muito
próximos do Mamirauá e principalmente
do Museu Goeldi, no Pará, que faz coisas
diferentes do Inpa, mas que são atividades
complementares. O Goeldi tem o homem como o centro
e isso nós ainda não sabemos fazer.
Por isso, precisamos buscar essa experiência.
Também buscaremos contato com a Universidade
do Pará, com a Universidade do Amazonas,
que dirigi, e, sem qualquer preconceito, com as
universidades privadas, com o CBA, com as federações
da indústria e do comércio. Estamos
criando um núcleo de negócios para
estreitar a relação com os empresários.
Agora, queremos, com a maior modéstia, que
o Inpa seja uma liderança nessas parcerias.
ISA - Na sua gestão, qual
será a política de cooperação
que adotará com outros atores - no Brasil
e nos demais países da Bacia - da cena amazônica,
que estão produzindo e usando conhecimentos
para viver e explorar os recursos da região?
Marcus Barros - O Inpa tem que ser um pouco Unamaz
(Universidade da Amazônia), que congrega centros
de pesquisa de toda a Bacia Amazônica. A Amazônia
não é apenas brasileira e o Inpa tem
de entender isso. Mas é um desafio que exige
ousadia de nossa parte. O Inpa tem de sair de Manaus,
sem deixar Manaus, e estar presente pelo menos nos
Estados onde já esteve presente. E tem de
dar um salto além das fronteiras, tem de
estar na Colômbia, no Peru, na Bolívia,
na Venezuela, nas Guianas, porque são países
que fazem parte da Amazônia.
ISA - O Inpa tem um programa estratégico
de pesquisas dirigidas à questão fundamental
da conservação, uso sustentável
e repartição dos benefícios
da biodiversidade na Amazônia brasileira?
Marcus Barros - Sim, tem, só precisa ampliar.
ISA - Como será para o
senhor, que é amazonense, dirigir o Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia?
Marcus Barros - Sinto um orgulho enorme, porque
é um resgate. Nós fomos historicamente
deixados de lado. A Amazônia não pertencia
ao Brasil. Na época da Colônia, a metrópole
se reportava ao Brasil e ao Grão-Pará,
nem existia o termo Amazônia. Só depois
nós nos tornamos Amazônia. Mesmo assim,
sempre há um afastamento, um isolamento,
uma tentativa de isolar de todas as maneiras a Amazônia
e os amazônidas. Não estou me fazendo
de vítima, mas eu, que nasci aqui, vejo isso
a todo momento. E nós nos esforçamos
muito para ser competitivos - no bom sentido -,
com o resto do Brasil que se desenvolveu. À
medida que o Inpa é estratégico para
a região e, por um concurso nacional, um
amazonense foi escolhido, segundo dizem, por mérito,
para dirigir um instituto que viu nascer, isso é
motivo de orgulho. Pelo menos, a paixão pela
Amazônia está presente na administração
do Inpa.
ISA- Nas últimas eleições,
o senhor concorreu ao cargo de senador da República
e teve a expressiva votação de 373
mil votos, só em Manaus. O senhor desistiu
da carreira política?
Marcus Barros - Muitas pessoas me perguntam se desviei
o eixo. Respondo que esse é o meu eixo, essa
é a minha estrada. Aquela era uma alternativa
em que eu iria ampliar mais a minha idéia
de ajudar o Brasil. Porém, prefiro ser mais
modesto e ajudar só a Amazônia. Ser
senador da República seria ótimo,
mas eu tentarei, com a comunidade do Inpa, contribuir
para o desenvolvimento regional. A tarefa, agora,
é essa. Eu me sinto mais em casa aqui no
Inpa do que numa casa legislativa. A prática,
aqui, eu já tenho há mais de 30 anos.