Panorama
 
 
 

ENTREVISTA COM MARCOS BARROS, NOVO DIRETOR GERAL DO INPA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2002

O médico amazonense Marcus Barros toma posse como diretor geral do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Sexta-feira foi dia de festa para os ambientalistas. Afinal, depois de dois concursos públicos nos quais tirou o primeiro lugar, finalmente, Barros tomou posse no cargo. Depois do primeiro concurso, há cerca de dois anos, apesar de ter sido o escolhido, teve seu nome vetado por políticos locais. Isso não o fez desistir. No ano passado, encarou novamente outro concurso público e venceu novamente. Só que dessa vez ganhou e levou. Leia, a entrevista que o dr. Marcus Barros deu à reportagem do ISA e saiba quais são seu planos à frente do Inpa, instituto de pesquisa fundamental para a Amazônia e para o Brasil.

Dono de um currículo extenso, desde que se formou em 1972 pela Universidade do Amazonas, o médico Marcus Barros não parou de estudar. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializou-se em Medicina Tropical e, mais tarde, no Japão, na área de Imunologia, dedicou-se a estudar a doença de Chagas. Fundador do Hospital Universitário Getúlio Vargas (AM), foi reitor da Universidade do Amazonas, de 1989 a 1993. Nesse período, a universidade desenvolveu importantes projetos de interiorização e promoveu abertura para novas parcerias, tornando-se referência marcante como instituição de pesquisa na região. (veja abaixo as opiniões de Marcus Barros).

"Precisamos nos relacionar com o homem"
ISA - Sua nomeação para a direção geral do Inpa saiu em fevereiro, depois de um segundo concurso público. O senhor havia vencido o concurso anterior, mas na ocasião seu nome, segundo consta, foi vetado pelo senador Gilberto Mestrinho (AM). Os dois concursos se deram durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O que mudou para que sua indicação, desta vez, se tornasse viável?
Marcus Barros - É preciso analisar alguns fatores. Primeiro, estamos em ano eleitoral; segundo, os políticos têm de se reciclar. Uma das coisas inerentes aos políticos é a autocrítica. O político que não se autocritica tende a desaparecer. Quando falo em autocrítica estou me referindo a mudança de comportamento e não a um ato de contrição. Vejo agora, que quem induziu aquela "desnomeação", desculpe o neologismo - na época do primeiro concurso - resolveu não vetar meu nome pela segunda vez. Sabe por quê? Porque, pela segunda vez, houve outro concurso, com todas as regras cumpridas, novos candidatos e tive a felicidade de ser novamente o primeiro. Como o segundo colocado era um paulista, acredito que quem vetou meu nome no processo anterior, dificilmente teria espaço política para vetar agora. Até porque, na época, o veto causou descontentamento intenso. Desta vez, creio que entenderam que vetar novamente não seria correto e fizeram uma autocrítica pública - e eu reconheço isso. Assim, disseram que, pelo mérito já explicitado, eu deveria dirigir o Inpa.

ISA - O senhor poderia fazer uma rápida avaliação da situação atual do Inpa em termos de recursos humanos e de infra-estrutura e dos conhecimentos acumulados que o instituto tem sobre a Amazônia?
Marcus Barros - Como outras instituições, o Inpa perdeu muitos recursos humanos. Hoje, temos apenas cerca de 220 pesquisadores. O que melhorou muito foi a qualidade: temos 45% de doutores e cerca de 42% de mestres. Isso é bastante significativo. Mas para enfrentar a missão que temos pela frente seria preciso, no mínimo, dobrar esse número. A infra-estrutura melhorou um pouco com os projetos do Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), mas necessita de atualização rápida. Não é possível que estejamos na era da fibra ótica e ainda trabalhemos com telefones analógicos. Precisamos melhorar muito no que diz respeito à modernidade administrativa para que possamos dar continuidade às atividades de pesquisa. O que nós temos acumulado na Amazônia, nesses anos, se constitui numa fonte rica, não só para passar esses conhecimentos à população e transformá-los em tecnologia - em associação com outras instituições e ONGs, especialmente as que trabalham com populações indígenas - como também queremos discutir com os grandes projetos em curso na Amazônia. O Sivam, por exemplo, necessita do Inpa, assim como o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia). Por outro lado, precisamos mostrar o que temos nas áreas de interesse comum, sem que haja paralelismo. E estamos abertos a isso.

ISA - Sobre a missão institucional do Inpa, ela permanece tal e qual foi formulada na sua fundação?
Marcus Barros - O Inpa tem três momentos distintos em sua missão: primeiro, a missão de sua criação, ou seja, o Inpa se antepôs ao projeto da Unesco dos três grandes trópicos: o andino, o árido e o úmido. Este último seria o nosso e estabeleceu a missão que eu chamo de fase estritamente estratégica. Em outras palavras, o Inpa foi criado para gerar o conhecimento que mantivesse uma Amazônia para os brasileiros. Para isso, era preciso levantar a biodiversidade ao máximo e estudar o seu funcionamento. No início da década de 90, o Inpa passou por outra missão, desta vez, mais operacional. Foi quando ampliou não apenas a infra-estrutura - que ainda não se completou -, mas também a atividade de pesquisa, que passaram a ser mais ágeis. A terceira fase é a que eu chamo de o Inpa e a sociedade. E tem sua origem no planejamento estratégico participativo. Queremos criar conselhos em que a sociedade seja ouvida e queremos trabalhar por demanda dos vários setores organizados da sociedade, inclusive com as populações indígenas, que já se organizam como é o caso da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Forin), e em outros organismos internacionais. Portanto, para traçar essa nova missão, dentro da idéia de participação popular, democrática, é necessário que a sociedade seja ouvida.

ISA - O Inpa reúne basicamente "cientistas naturais" organizados em alguns departamentos. O senhor acha que essa equipe com suas competências e da forma como está organizada é suficiente e adequada para enfrentar as questões de produção de conhecimento, que estão colocadas para um futuro sustentável da Amazônia?
Marcus Barros - Não. Acredito que a equipe tem de se ampliar um pouco. Por exemplo, o Inpa tem que ter uma Coordenação de Ciências Humanas e não deixar isso só com o Museu Goeldi, no Pará. A Amazônia é muito grande e nós precisamos ter mais ciências políticas, ciências sociais, antropologia, sociologia, etnobotânica. Precisamos nos relacionar com o homem porque nessa missão, o homem deve ser a preocupação mais importante. Todo o estudo da biodiversidade deve estar centrado no homem. Nós cuidamos da natureza, entendemos o seu funcionamento, para ter o homem como fim último. Precisamos, também, ter um núcleo de comunicação forte. O Inpa se comunica pouco, o Inpa diz pouco o que produz, e produz muito. Nós precisamos criar estratégias, através da comunicação social, inclusive interna, para que o Inpa seja muito pacificado, que não seja pulverizado em grandes grupos e competências. É missão da nova administração juntar esses grandes grupos. Se há uma política em busca de um futuro comum para a terra, nós temos de buscar um futuro comum para o Inpa, com a participação de todos. Senão, viramos apenas ilhas de excelência e não Inpa.

ISA - Como o Inpa tem se relacionado ou pretende se relacionar com as populações tradicionais da Amazônia, no sentido da produção do conhecimento sobre a região?
Marcus Barros - Isso é um débito, uma dívida grave que o Inpa tem. Nós até já nos relacionamos com algumas. Conversamos com os representantes dos Saterês-Maués, dos Baniwa, e vamos abrir ainda mais. Tudo que o Inpa puder fazer para assessorar essas organizações indígenas, usando a tecnologia de que dispomos em complementação ao seu conhecimento tradicional, vai ser feito.

ISA - Até por ter uma história na Fundação Vitória Amazônica, o senhor pretende estreitar as relações do Inpa com as ONGs?
Marcus Barros - Certamente. Essas organizações são importantíssimas para a sociedade. Eu tenho experiência na FVA e com outras organizações não-governamentais e posso dizer que o nosso trabalho, apesar de sermos governamentais, é de respeito, integração, parceria, produção conjunta. Invejo muito os trabalhos do ISA no Médio Rio Negro com as populações indígenas, com a recuperação da cultura dessas populações. Queria que o Inpa tivesse tido uma participação maior nessa produção sobre a biodiversidade da Amazônia realizada pelo ISA e outras instituições. Enfim, acho que temos de estar muito próximos nesses trabalhos.

ISA - E com outros institutos de pesquisa, públicos e privados?
Marcus Barros - Nós temos de estar muito próximos do Mamirauá e principalmente do Museu Goeldi, no Pará, que faz coisas diferentes do Inpa, mas que são atividades complementares. O Goeldi tem o homem como o centro e isso nós ainda não sabemos fazer. Por isso, precisamos buscar essa experiência. Também buscaremos contato com a Universidade do Pará, com a Universidade do Amazonas, que dirigi, e, sem qualquer preconceito, com as universidades privadas, com o CBA, com as federações da indústria e do comércio. Estamos criando um núcleo de negócios para estreitar a relação com os empresários. Agora, queremos, com a maior modéstia, que o Inpa seja uma liderança nessas parcerias.

ISA - Na sua gestão, qual será a política de cooperação que adotará com outros atores - no Brasil e nos demais países da Bacia - da cena amazônica, que estão produzindo e usando conhecimentos para viver e explorar os recursos da região?
Marcus Barros - O Inpa tem que ser um pouco Unamaz (Universidade da Amazônia), que congrega centros de pesquisa de toda a Bacia Amazônica. A Amazônia não é apenas brasileira e o Inpa tem de entender isso. Mas é um desafio que exige ousadia de nossa parte. O Inpa tem de sair de Manaus, sem deixar Manaus, e estar presente pelo menos nos Estados onde já esteve presente. E tem de dar um salto além das fronteiras, tem de estar na Colômbia, no Peru, na Bolívia, na Venezuela, nas Guianas, porque são países que fazem parte da Amazônia.

ISA - O Inpa tem um programa estratégico de pesquisas dirigidas à questão fundamental da conservação, uso sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade na Amazônia brasileira?
Marcus Barros - Sim, tem, só precisa ampliar.

ISA - Como será para o senhor, que é amazonense, dirigir o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia?
Marcus Barros - Sinto um orgulho enorme, porque é um resgate. Nós fomos historicamente deixados de lado. A Amazônia não pertencia ao Brasil. Na época da Colônia, a metrópole se reportava ao Brasil e ao Grão-Pará, nem existia o termo Amazônia. Só depois nós nos tornamos Amazônia. Mesmo assim, sempre há um afastamento, um isolamento, uma tentativa de isolar de todas as maneiras a Amazônia e os amazônidas. Não estou me fazendo de vítima, mas eu, que nasci aqui, vejo isso a todo momento. E nós nos esforçamos muito para ser competitivos - no bom sentido -, com o resto do Brasil que se desenvolveu. À medida que o Inpa é estratégico para a região e, por um concurso nacional, um amazonense foi escolhido, segundo dizem, por mérito, para dirigir um instituto que viu nascer, isso é motivo de orgulho. Pelo menos, a paixão pela Amazônia está presente na administração do Inpa.

ISA- Nas últimas eleições, o senhor concorreu ao cargo de senador da República e teve a expressiva votação de 373 mil votos, só em Manaus. O senhor desistiu da carreira política?
Marcus Barros - Muitas pessoas me perguntam se desviei o eixo. Respondo que esse é o meu eixo, essa é a minha estrada. Aquela era uma alternativa em que eu iria ampliar mais a minha idéia de ajudar o Brasil. Porém, prefiro ser mais modesto e ajudar só a Amazônia. Ser senador da República seria ótimo, mas eu tentarei, com a comunidade do Inpa, contribuir para o desenvolvimento regional. A tarefa, agora, é essa. Eu me sinto mais em casa aqui no Inpa do que numa casa legislativa. A prática, aqui, eu já tenho há mais de 30 anos.

 
 

Fonte: ISA – Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org.br)
Assessoria de imprensa

 
 
 
 
 
 

 

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