Na avaliação
de Nurit Bensusan, coordenadora de Biodiversidade
do Instituto Socioambiental (ISA), que participou
da conferência como observadora, a reunião
não teve avanços significativos. A
coordenadora faz ainda análise crítica
sobre as posições da delegação
brasileira na reunião, que recebeu o prêmio
“motosserra de ouro”, dedicado àqueles que
mais “atrapalharam” as negociações
à promoção do uso sustentável
e à conservação das florestas
da convenção
No dia 19/04, encerrou-se, em
Haia, na Holanda, mais uma conferência dos
países signatários da Convenção
sobre Diversidade Biológica (CDB). Derivada
da Rio-92, a convenção que está
completando 10 anos, possui três grandes objetivos:
a conservação da biodiversidade, a
promoção de seu uso sustentável
e a repartição justa e eqüitativa
dos benefícios oriundos da utilização
racional da biodiversidade. Essa foi a 6ª conferência
dos membros da convenção, que já
somam 183 países. É o fórum
máximo de decisões, por meio do qual
a implementação da CDB avança
ou não.
Nessa reunião, as discussões mais
importantes giraram em torno da adoção
de um programa sobre biodiversidade florestal, de
diretrizes para o acesso e a repartição
dos benefícios derivados do uso dos recursos
genéticos e de um plano estratégico
de implementação da convenção.
Vários outros assuntos foram debatidos, como
uma estratégia global para a conservação
de plantas, medidas contra espécies exóticas
e invasoras e a relação entre conhecimento
tradicional e acesso a recursos genéticos.
Apesar da amplitude e da importância dos temas,
não é possível dizer que avanços
significativos foram realizados.
Diretrizes para o acesso aos recursos
genéticos e repartição dos
benefícios derivados desse uso
Não há dúvidas
de que as diretrizes adotadas para o acesso aos
recursos genéticos e para a repartição
dos benefícios pelos países representam
um passo importante no sentido de reforçar
a importância da garantia de revelação
do país de origem do recurso genético
e do uso do conhecimento tradicional associado.
O Brasil insistiu numa definição clara
de país provedor de recurso genético,
contribuindo para a que as diretrizes não
se prestem a interpretações equivocadas.
A adoção dessas diretrizes é
também importante para o equilíbrio
entre os três objetivos da convenção
e para estabelecer um mandato mais claro da CDB
sobre a questão da propriedade intelectual
dos recursos genéticos. Apesar de algumas
interpretações positivas sobre as
conseqüências dessas diretrizes, elas
perdem facilmente a força pois são
voluntárias, ou seja, cada país pode
adotá-las ou não, conforme a sua vontade.
Um plano para a implementação
da CDB
As discussões sobre um
plano estratégico de implementação
para a CDB ilustram a insatisfação
dos países membros com sua evolução.
O plano adotado apenas reitera obrigações
já existentes, não possuindo objetivos
ou indicadores concretos.
A única exceção, festejada
por muito países, é a adoção
da estratégia global para a conservação
de plantas, que possui objetivos claros, indicadores
concretos, cronograma explícito e potencial
para ser um modelo na conciliação
de prioridades internacionais e ações
nacionais. Acredita-se que o enfoque adotado nessa
estratégia pode servir de precedente para
as futuras discussões na CDB e, mais do que
tudo, pode funcionar como um instrumento de implementação
da convenção.
Prêmio motosserra de ouro
vai para o Brasil
Por fim, analisemos o mais triste
desses casos, a adoção de um programa
sobre biodiversidade florestal. Ao examinar esse
tópico, é necessário levar
em conta a posição brasileira nessa
discussão, que mereceu das ONGs o prêmio
“motosserra de ouro”, dedicado àqueles que
mais “atrapalham” as negociações e
impedem os avanços da promoção
do uso sustentável e conservação
das florestas na convenção.
O objeto dos debates na conferência era a
adoção do programa elaborado pelo
SBSTTA (grupo subsidiário de aconselhamento
científico, técnico e tecnológico
da CDB) em novembro de 2001.
O programa possui 130 atividades e o grande desafio
da conferência era encontrar maneiras de priorizar
algumas delas. Desde o primeiro momento, havia uma
polarização entre os países
que não queriam que as prioridades fossem
estabelecidas no âmbito internacional e os
que consideravam essencial o estabelecimento dessas
medidas para assegurar o futuro do programa e das
florestas.
O Brasil liderou o grupo dos partidários
de prioridades decididas apenas nacionalmente. O
grupo oposto foi comandado pela União Européia.
A polarização da discussão
em torno dessa questão fez com que os debates
se arrastassem sem nenhum progresso por vários
dias.
Por fim, por insistência do Brasil, adotou-se
um programa sem prioridades internacionais. Em várias
outras questões relativas ao programa de
biodiversidade florestal, a delegação
brasileira insistiu em determinadas posições,
aparentemente sem nenhuma outra justificativa, a
não ser retardar as discussões e talvez
até mesmo colocar em risco a adoção
do programa.
Questões sem resposta
Diante desse comportamento da
delegação brasileira, cabe perguntar
se o Brasil queria evitar a adoção
do programa de biodiversidade florestal ou se o
país tem interesse em impedir o estabelecimento
de um programa forte e consistente de biodiversidade
florestal no âmbito da CDB. Se esse for o
caso, por quê?
Muito do discurso brasileiro é pontuado pela
questão da soberania sobre nossos recursos
biológicos. Se essa questão fosse
efetivamente a fonte do temor diante de um programa
forte de biodiversidade florestal, valeria indagar:
soberania para quê? Soberania para desenvolver
um novo modelo de ocupação da terra
nos ambientes de floresta, como na Amazônia,
respeitando o direito e os modos de vida dos povos
indígenas e comunidades locais e usando de
forma mais racional os recursos naturais, ou soberania
para promover um modelo predatório de ocupação,
que inclui a presença constante de corporações
cujos interesses não passam sequer perto
do desenvolvimento sustentável, sem nenhuma
cobrança internacional?
O posicionamento de nossos representantes nesse
fórum de negociação internacional
traz a tona a questão da democratização
da política externa do país e a participação
da sociedade brasileira nesses processos. Além
de não existirem meios institucionalizados
para a sociedade civil e os demais setores do governo
conhecerem as posições que o país
leva para tais encontros, não há uma
prestação de contas para a sociedade
do ocorrido nos fóruns internacionais de
negociação.
Aparentemente há um descompasso entre os
ministérios integrantes da delegação
brasileira, como assessores técnicos e o
Itamaraty. É difícil crer, por exemplo,
que não houvesse interesse da parte do Ministério
do Meio Ambiente da adoção de um programa
forte de biodioversidade florestal.
O triste resultado disso é um programa abaixo
das expectativas, um prêmio “motosserra de
ouro” para o currículo do país, uma
série de perguntas que não querem
calar sobre as posições brasileiras
na sexta conferência dos países membros
da CDB e um enorme abismo entre a sociedade brasileira
- que mostrou recentemente, numa pesquisa de opinião,
seu interesse em conservar as florestas - e os representantes
brasileiros na convenção que, acima
de tudo, falharam em responder a tais anseios.