Nacoça Pio, João
Cinta-Larga, Alzac Tataré e Amaral, caciques
Cinta-Larga, presos desde o dia 20 de abril, foram
soltos ontem à noite, (25/04) depois de passarem
seis dias recolhidos à carceragem da Polícia
Federal, em Porto Velho (RO). No mesmo final de
semana, o garimpo dos Cinta-Larga, na Terra Indígena
Roosevelt foi invadido por garimpeiros que dali
haviam sido retirados. O saldo da invasão,
não confirmado oficialmente, seria de 4 garimpeiros
mortos e 28 feridos.
Os caciques Cinta-Larga foram
presos no dia 20, em cumprimento a mandado de prisão
preventiva expedido pela justiça, acusados
de crimes como homicídio, favorecimento de
garimpo ilegal, degradação ambiental,
e ainda outros delitos como porte ilegal de armas.
Todos pertencem à Terra Indígena Roosevelt,
município de Espigão D´Oeste
(RO), onde está instalado um garimpo de diamantes.
Fato que merece registro é que a ordem de
prisão preventiva autorizada pelo juiz federal
da 3ª Vara de Porto Velho, Selmar Saraiva da
Silva Filho, datada de 12 de abril, incluía
além dos quatro caciques que foram encarcerados,
outras lideranças como o índio César
Cinta-Larga,que havia sido assassinado em fevereiro.
Os caciques Pio, João, Tataré e Amaral
são responsáveis pela intermediação
com garimpeiros, índios, Ministério
Público Federal, Polícia Federal e
outros órgãos governamentais para
a desintrusão daquelas terras.
Surpresa geral
A ação da Polícia
Federal pegou de surpresa tanto índios quanto
os procuradores da 6ª Câmara do Ministério
Público Federal, responsável pelo
caso, ao qual está dando prioridade absoluta.
A espinhosa missão aceita pelos caciques
no começo do ano, implicava honrar um acordo
feito com garimpeiros e depois rompê-lo –
ou seja, administrar um duro período de transição
-, além de convencer outros índios
Cinta-Larga a colaborar, abandonando o garimpo.
Com a entrada em cena do Ministério Público
Federal e outros órgãos governamentais,
a operação-retirada foi bem planejada
e discutida para evitar confrontos. A prisão
dos quatro caciques, em plena realização
da operação, atrapalhou a estratégia
montada pelo Ministério Público.
Caciques querem paralisação
do garimpo
Os quatro caciques são
exatamente os mesmos que lideraram a mudança
de posição dos índios Cinta-Larga
em relação ao garimpo. Quando perceberam
ter perdido o controle das atividades no garimpo
procuraram o Ministério Público Federal
(MPF), no final do ano passado. Em fevereiro, eles
entregaram um documento no qual pediam a paralisação
do garimpo e se comprometiam a apoiar a retirada
dos garimpeiros e de suas máquinas com a
ajuda de todos os índios envolvidos na atividade.
Essa visita dos caciques foi precedida por um pedido
de um grupo de mulheres Cinta-Larga que também
queriam a paralisação das atividades
do garimpo. Elas reclamavam que as relações
internas, as condições de vida e o
relacionamento com seus maridos e com a comunidade
em geral estavam se deteriorando.
Compromisso assumido e assinado
Com o documento dos índios
e o compromisso por eles assumido e assinado, procuradores
do MPF foram a Cacoal (RO) e no dia 1º de março
realizaram uma assembléia, na qual os índios
reafirmaram seu compromisso. O MPF, então,
relatou o fato ao delegado da cidade de Pimenta
Bueno (RO) - que estava com o pedido de prisão
preventiva das principais lideranças indígenas
Cinta-Larga em mãos -, para que ele soubesse
do acordo feito com os índios.
Durante a assembléia, o MPF tratou de outros
assuntos como a saúde dos Cinta-Larga em
função da desnutrição
das crianças e alternativas de autosustentabilidade
para eles foram debatidas.
Ao longo do mês de março, várias
reuniões foram feitas reunindo a Funai, o
Ibama, o Ministério da Justiça, a
Presidência da República, a Procuradoria
da República e a Secretaria de Direitos Humanos.
O caso foi levado a uma reunião do Conselho
dos Direitos da Pessoa Humana, a pedido do então
ministro Aloísio Nunes Ferreira.
Começa a retirada
No dia 25 de março, iniciou-se
a etapa de retirada dos garimpeiros, na qual mais
de duas mil pessoas deixaram a área. Tudo
correu normalmente até o sábado da
prisão dos caciques, líderes do movimento
pela paralisação do garimpo e a invasão
do garimpo pelos garimpeiros retirados.
Na segunda-feira à noite (22/04) e na terça-feira,
a comissão que está cuidando do caso,
chamada força-tarefa, formada por procuradores
de Rondônia, Mato Grosso e Brasília,
a Funai, a PF, o Ibama, o Ministério do Meio
Ambiente e convidados envolvidos na questão,
deveria se reunir em Brasília com os caciques.
Como estavam presos, o MPF reuniu-se mesmo assim
e os procuradores deixaram claro que não
aceitavam tais prisões, pedindo a revogação
da prisão preventiva. Nada pior que essas
prisões, naquele momento, para atrapalhar
a estratégia que o Ministério Público
vinha levando a cabo.
O MPF está estudando a hipótese de
que as mortes ocorridas dentro do garimpo (em dezembro
de 2001 e janeiro de 2002), pelas quais os índios
foram acusados, podem ter sido causadas por brigas
entre facções rivais de garimpeiros
ali instalados.
Com a palavra, Pio Cinta-Larga
"Me pegaram dizendo que a
gente tinha culpa. Eu tinha ido pedir para retirar
os garimpeiros, mas a Federal dizia que tinha índio
que queria os garimpeiros lá e nós
não sabíamos", relatou Pio Cinta-Larga
à reportagem do ISA, por telefone hoje de
manhã. "Tínhamos combinado que
íamos colaborar e por isso eles não
iam prender a gente, tinha guerreiro lá no
garimpo ajudando a tirar garimpeiro".
Os dias na prisão, entretanto, não
abalaram a decisão dos caciques de lutar
pela paralisação do garimpo. "Pretendemos
continuar e cobrar mesmo do MPF e da PF para retirar
os garimpeiros da área. E se meu companheiro
índio não colaborar, vou denunciá-lo
à polícia", avisa Pio. Ele lembrou
também que como este é um ano eleitoral
as coisas vão ficar difíceis. "Os
políticos e candidatos vão vir em
cima de nós índios".
Razões político-eleitoreiras
O temor de Pio tem razão
de ser. Hoje, 26 de abril, o jornal "O Estadão
do Norte", de Rondônia, publicou reportagem
em seu site informando que o ex-prefeito de Ariquemes
(RO), Ernandes Amorim, também ex-senador
cassado, estava incitando os garimpeiros a invadir
novamente o garimpo. Amorim deu declarações
ao jornal admitindo ter sido ele a determinar a
invasão ao garimpo no final de semana passado,
que teria resultado na morte de quatro garimpeiros
e em 28 feridos, informação não
confirmada oficialmente. Amorim não parou
por aí. Disse ao jornal frases como "terra
de índio é para ser invadida"
e "qualquer problema com a polícia,
eu resolvo".
Na quinta-feira, Ernandes Amorim transformou a praça
principal de Espigão D´Oeste em palanque,
incitando os garimpeiros ali reunidos a invadir
o garimpo. A população da cidade está
preocupada com o que pode vir a acontecer. Teme-se
uma tragédia no garimpo Cinta-Larga.
"Quatro caciques foram presos, depois soltos,
mas a questão do crime organizado, que está
se materializando na região, em função
dos últimos acontecimentos, não foi
abordada", diz a indigenista Maria Inês
Hargreaves que acompanha de perto os casos envolvendo
os índios Cinta-Larga.
O antropólogo João Dal Poz, da Universidade
de Mato Grosso, que trabalha com os Cinta-Larga
pergunta: "Que operação é
essa que resultou na prisão de índios,
que não retirou todos os garimpeiros da área
e não prendeu nenhum peixe grande?"