Professor
José Goldemberg, secretário estadual
do Meio Ambiente
Vem sendo discutida na mídia,
com certa freqüência, a possibilidade
de serem permitidos no Brasil os veículos
leves movidos a diesel. Seus defensores se justificam
pela idéia do livre mercado. Argumenta-se,
inclusive, que nos outros países esta é
uma prática comum.
Entretanto, trata-se de uma política que
carece de fundamentos técnicos, ambientais
e econômicos.
Em termos técnicos e ambientais, deve ser
observado que, apesar de ser o motor a diesel mais
eficiente, suas emissões poluentes são
mais danosas que as dos motores a gasool (gasolina
com 22% de álcool), especialmente, os óxidos
de nitrogênio (NOx) que, junto com os óxidos
de enxofre (SOx), são os formadores da chuva
ácida, sendo também precursores da
formação, nos dias quentes com intensa
radiação solar, do preocupante ozônio
troposférico (O3).
As emissões médias de NOx de um automóvel
a diesel de última geração
são mais de três vezes maiores do que
aquelas dos motores a gasool ou álcool, o
que é particularmente crítico para
o meio ambiente de grandes cidades tropicais como
São Paulo.
Há, ainda, o material particulado fino (MP2,5),
formado por minúsculas partículas
com diâmetros inferiores a 2,5 micra (milésimos
de milímetro), que penetram nas regiões
mais profundas dos pulmões (alvéolos),
carregando consigo sulfatos e hidrocarbonetos policíclicos
e aromáticos de altíssima toxicidade.
Recente estudo do Centro de Vigilância
Epidemiológica de São Paulo mostra
que as altas concentrações atmosféricas
de O3 e MP2,5 na Região Metropolitana de
São Paulo são correlacionadas com
milhares de ocorrências de doenças
respiratórias e óbitos anuais, especialmente
entre crianças e idosos. Essa inflada morbi-mortalidade
foi associada pelo Banco Mundial a custos sociais
de centenas de milhões de reais anuais.
A "Revista Science" também publicou
estudo a esse respeito, com a participação
de pesquisador da Faculdade de Medicina da USP,
realizado nas cidades do México, Nova Iorque,
Santiago e São Paulo. Nessas quatro cidades,
poderiam ser evitadas entre 2001 e 2020, com a redução
em 10% das concentrações de O3 e NOx,
cerca de 64 mil mortes prematuras, 65 mil casos
de bronquite crônica e 37 milhões de
pessoas-dia de atividades restringidas ou dias de
trabalho perdidos, causados por sintomas relacionados
com os altos níveis de contaminação
por esses dois poluentes. Segundo os autores, esse
estudo tem caráter conservador, devido ao
fato de não terem sido levados em conta os
efeitos na saúde por outros poluentes como
o benzeno, hidrocarbonetos policíclicos e
aromáticos, e outros contaminantes tóxicos
que, indiretamente, também seriam reduzidos
no âmbito das medidas convencionais de prevenção
e controle da poluição do ar.
Por sua vez, a Agência de Proteção
Ambiental da Suécia estimou que, se as vendas
de veículos a diesel aumentassem de 1 para
20%, as emissões de NOx dobrariam e as de
particulados seriam duas vezes e meia maiores. Segundo
os mesmos estudos, as emissões de carros
novos a diesel são 3 a 4 vezes mais cancerígenas
do que aquelas de automóveis a gasolina e
as emissões de particulados são 10
a 15 vezes maiores.
Mais ainda, esses dados se referem às especificações
do diesel naquele país, onde o teor de enxofre
é de 10 ppm (partes por milhão), o
que não corresponde absolutamente à
realidade brasileira. No Brasil, o diesel comercial
comum tem ainda um teor de enxofre muito alto, de
3.500 ppm, e o Diesel Metropolitano, de 2.000 ppm
(200 vezes maior que o diesel sueco!), sem perspectiva
de redução no curto prazo. Considerando
esses baixos teores de enxofre de seu diesel, os
suecos também calcularam um custo social
devido à poluição de $ 2,00
Coroas Suecas para cada litro de diesel, contra
apenas $ 1,00 Coroa Sueca para a gasolina.
Em termos macroeconômicos, a situação
é igualmente crítica. O diesel representa
um gargalo significativo na matriz energética
brasileira. Em vista do elevado consumo no setor
de transporte de carga e no setor de geração
elétrica descentralizada (principalmente
nas comunidades isoladas da Amazônia), o Brasil
é obrigado a utilizar um perfil de refino
que produz o máximo possível de diesel,
o que gera um excedente de gasolina a ser exportado.
Mesmo assim, ainda é necessário importar
diesel puro, para complementar a oferta. Em 2000,
por exemplo, foram gastos (segundo a Agência
Nacional de Petróleo) 1,2 bilhões
de dólares (FOB) com a importação
de diesel puro para garantir a oferta desse combustível,
montante equivalente a aproximadamente 40% do total
do dispêndio financeiro na importação
de derivados de petróleo.
Além disso, como se sabe, para manter reduzidos
os custos de transporte coletivo e de carga no país,
há subsídios especiais ao diesel -
subsídios estes pagos por todos os consumidores
de automóveis a gasolina. Assim, a idéia
de permitir a introdução de veículos
a diesel é perversa, pois iria beneficiar
apenas uma parcela reduzida da população,
que são os potenciais proprietários
de automóveis de passeio, com prejuízos
não apenas ao meio ambiente, como também
à balança de pagamentos do País.
Apesar da produção crescente de petróleo
nacional e dos seus derivados no país - a
produção do diesel aumentou em 10
milhões de m3 entre 1991 e 2000 -, ainda
permanece a dependência externa de combustíveis,
em vista do consumo cada vez mais elevado.
Por todos esses motivos, a redução
no consumo de diesel no país, tanto no setor
de transporte como no setor elétrico, deve
ser um objetivo a ser atingido a curto prazo.
Mais ainda, essa necessidade vai ao encontro da
tendência mundial de redução
nas emissões de carbono responsáveis
pelo efeito estufa, dentro das negociações
do Protocolo de Quioto.
A defesa da liberação da produção
e comercialização de veículos
leves a diesel vem, portanto, na contramão
da tendência mundial de implementação
de políticas sustentáveis. Na verdade,
dever-se-ia estudar possibilidades para a substituição
do óleo diesel por outros energéticos
de forma técnica e ambientalmente adequada,
como os combustíveis renováveis.
(Artigo publicado no jornal Gazeta
Mercantil, edição de 10 de maio de
2002, página 3, seção Análises
e Perspectivas)