Panorama
 
 
 

ARTIGO: PENAS, PELES E COURO, FESTIVAL ECOLÓGICO????!!!!

Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Junho de 2002

Artesanato com subprodutos da Fauna silvestre versus Festival

"Bateram os tambores na Baixa, jaraqui subiu o rio.....", sinais tradicionais que marcavam o início dos preparativos do maior festival folclórico do Brasil - o Festival dos Bumbás de Parintins. Nos últimos dez anos muita coisa mudou. Muita coisa cresceu neste festival, que tomou dimensões mundiais. Hoje, boi já é o ano todo. A criatividade dinamizou as alegorias e o respeito ecológico sintetizou as plumagens e penas em um gesto de grande amor dos bumbás pela natureza amazônica.

Todavia, aqueles mesmos sinais, infelizmente hoje, representam um início de outro festival. Nas águas escuras do Marao, do Andirá, do Uaicurapá e do Alto Nhamundá, nos lagos turvos e barrentos do Macuricanã, do Caldeirão e do Macurani, nas águas revoltas do Amazonas, nos meandros das Ilhas das Onças, dos Guaribas, por entre os paranás do Mamuru e do Caburi, o que se ouve e o que se sente é um lamento de morte, que mancha as águas de um vermelho escuro de sangue talhado. Neste período, araras, papagaios, maracanãs, garças, socós, piaçocas e gaviões tentam, em vão, escapar da sanha daqueles que, sem uma melhor alternativa de renda, alimentam a verdadeira indústria que se formou pela especulação do sonho de "voltar a ser índio" - ilusão criada no turista que vai a Parintins.

Um verdadeiro extermínio vem sendo praticado sistematicamente todos os anos, para alimentar a indústria de cocares, brincos, colares, e toda gama de artesanato feito com subprodutos da fauna, vendidos aos milhares de turistas que participam da saga dos bois. Se por um lado os bois cresceram, se conscientizaram, tornaram-se ecológicos não só nos poemas e toadas mas e fundamentalmente, em seus atos, passando a confeccionar suas indumentárias, cocares e fantasias com material sintético ou penas e plumas de aves domésticas, por outro lado, a demanda criada pelos artefatos que transmutariam o turista manauara ou estrangeiro em "índios de três dias" incrementaram em muito a indústria local de artesanato.

Culturalmente, no Amazonas além de algumas tribos isoladas, apenas os Hyskarianos e os Wai-wai, tinham a tradição da arte plumária. Há dez anos atrás participavam das festividades em Parintins os índios Sateré-Mawé, por já estarem mais adaptados na lida com os brancos. Nesta época o artesanato que se via era o de colares, brincos de miçangas, sementes, madeira e, no máximo, pequenas plumas (provavelmente restantes de aves eventualmente consumidas). A grande procura por cocares cada vez maiores e mais enfeitados de penas, levou os Sateré-Mawé a descaracterizarem seu artesanato (os cocares cada vez mais se assemelham aos dos Sioux americanos) e a negociarem com os Hyskarianos sua própria cultura, trazendo-os para o festival, amparados pelos próprios órgãos oficiais. Longe de entrarmos em discussões filosóficas sobre aculturamento e comercialização das tradições, reflitamos sobre as conseqüências que esses fatos trouxeram para o meio ambiente.

No período que antecede ao festival os índios não caçam mais para sua subsistência e não procuram mais a proteína animal, mas buscam sim, as penas, plumas, bicos, dentes e peles dos animais nativos de seus territórios. Além do considerável aumento na caça realizada pelos índios, a "industrialização" dos artefatos indígenas tornou lugar comum suas técnicas de fabricação, resultando num verdadeiro exército de artesãos, não indígenas, que se aperfeiçoaram na confecção em escala deste tipo de artesanato.

Nas várzeas, furos e paranás que cercam Parintins e os municípios vizinhos de Nhamundá, Barreirinha e Terra Santa, caboclos sem opção de renda se apegam às encomendas que estes artesãos e os lojistas de Parintins lhes fazem para a caça ilegal de animais silvestres. O que acontece então, é de fazer chorar o mais fanático torcedor dos bumbás. Em nome desta sub indústria do festival, essas pessoas invadem ninhais, depredam ninhos, incendeiam árvores, matam filhotes indefesos ou abatem seus pais. Espécies mais bonitas e raras são mais valorizadas, mas qualquer ave está sujeita a levar um tiro neste período, basta que tenha um pouco de cores em suas penas. O número de denúncias pelos comunitários locais, pelos donos de terras e pelos agentes ambientais, vem crescendo assustadoramente. A indignação e a revolta dessas pessoas, entretanto, tem passado desapercebida pelas multidões que perambulam pela Ilha cantando "Não mate a mata seu moço, Deus Tupã disse que não...." ou ainda "La se vai a Saracura fugindo dessa quentura e não vai mais voltar...", ou como antigamente, "Silêncio! Toda selva está chorando, passarinhos só cantam os seus lamentos de dor..". Com seus "kits de índio", ninguém parou para pensar ou se perguntar de onde vêm tantas penas ? Quem produziu esses dentes? Será que houve dor e sofrimento dos animais de onde esse material foi retirado?

A visão ecológica e toda a beleza da natureza amazônica traduzidas pelo festival caem por terra. O que nós, amantes da cultura, das tradições e de toda a grandiosidade deste festival queremos ? Queremos um festival verde e ecológico, que siga os passos de nossos ancestrais indígenas ao não agredir o meio ambiente, ou queremos continuar com esse "Festival de Sangue" que invade ninhais, restingas e beiradões ? Precisamos de enfeites para ser "índios"? Por que não nos contentarmos com o caldeirão étnico que pulsa em nossas veias, e com a alegria de brincar boi-bumbá?

"Não, não queremos acabar com o festival!", como aquelas mentes estreitas e interesseiras dos que ganham rios de dinheiro com esse comércio que destrói a fauna e explora índios e caboclos poderão bradar. Queremos um festival livre de traumas e de dramas de consciência. Um festival que cante e viva a conservação da Amazônia, de seu povo e de suas tradições. Queremos brincar pulando livres de enfeites, livres de sofrimento e dor.
Não deixe os filhos da mata morrerem!!!!
Por Paulo Andrade

 
 
Fonte: Ibama (www.ibama.gov.br)
Assessoria de imprensa
Paulo Andrade é chefe do Núcleo de Fauna Silvestre - Nufas/Ibama/AM.
 
 
 
 
 
 

 

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