O geólogo Glênio
da Costa Alvarez ficou sabendo pelo Diário
Oficial, na manhã desta quinta-feira, 6 de
junho, que estava exonerado do cargo de presidente
da Fundação Nacional do Índio
(Funai). O ministro da Justiça Miguel Reale
Jr, a quem Alvarez era subordinado, ainda não
explicou o motivo da descortesia, mas o Cimi confirmou
que o ex-presidente da Funai entrou em rota de colisão
com o governo por contrariar políticos e
empresários que têm interesses econômicos
em terras indígenas.
Segundo fontes ouvidas pelo Cimi, o presidente Fernando
Henrique Cardoso chamou o ministro Miguel Reale
Jr ontem à tarde a seu gabinete para pedir
a cabeça de Glênio Alvarez, tarefa
que o ministro providenciou imediatamente, a tempo
de mandar publicar a exoneração na
edição do Diário Oficial desta
quinta-feira.
Dois recentes episódios expuseram Glênio
Alvarez ao mau humor dos inimigos dos povos indígenas.
Há duas semanas, o ministro Miguel Reale
Jr mandou suspender os trabalhos de identificação
da terra indígena Araça’í,
do povo Guarani, localizada em Santa Catarina, determinados
por Alvarez. A decisão do ministro foi tomada
logo depois que ele recebeu em seu gabinete, no
dia 21 de maio, os deputados federais Gervásio
Silva (PFL), Antônio Carlos Konder Reis (PFL)
e Hugo Biehl (PPB), notoriamente contrários
aos direitos dos povos indígenas. Por outro
lado, nessa terça-feira, 4 de junho, a Funai
posicionou-se contra o Projeto de Lei n.º 1610/96,
de autoria do vice-líder do governo no Senado,
Romero Jucá (PSDB-RR), que abre de forma
indiscriminada as terras indígenas para a
exploração mineral. A posição
da Funai foi externada por meio do chefe do Departamento
de Patrimônio Indígena e Meio Ambiente
do órgão, Wagner Sena, em reunião
técnica realizada na Comissão de Defesa
do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, onde está
sendo analisado o projeto de Jucá, já
aprovado pelo Senado.
Ao comentar a demissão de Glênio Alvarez,
Wagner Sena afirmou que esse projeto "atropela
os direitos dos índios e se sobrepõe
à preservação ambiental".
Curiosamente, o presidente da Comissão, deputado
Pinheiro Landim (PMDB-CE), que havia se comprometido
a retirar o projeto de pauta, depois de ouvir as
ponderações da maioria das entidades
governamentais e não-governamentais que participaram
da reunião técnica – o único
órgão que se manifestou favoravelmente
foi o Departamento Nacional de Produção
Mineral -, anunciou que o projeto voltará
a ser apreciado na próxima semana.
Não é a primeira vez que Glênio
da Costa Alvarez se choca com os interesses defendidos
por Romero Jucá. Esse último foi um
dos principais incentivadores das invasões
dos garimpeiros nas terras dos índios Yanomami,
em Roraima, em meados dos anos 80, que resultaram
numa tragédia para aquele povo, com grandes
perdas humanas. Em contrapartida, Alvarez, um funcionário
de carreira da Funai, foi o responsável pela
demarcação das terras dos Yanomami,
em 1991.
Quando Romero Jucá foi presidente da Funai,
entre maio de 1986 e setembro de 1988, o órgão
indigenista oficial escancarou as terras indígenas
a diversos interesses econômicos, incluindo
madeireiros, mineradores e garimpeiros. Não
por coincidência, depois de sair da Funai,
Jucá foi premiado pelo presidente José
Sarney com a nomeação para o cargo
de governador do então Território
Federal de Roraima, no dia 15 de setembro de 1988.
Desde então, Jucá e a sua mulher,
Tereza, fazem carreira política em Roraima,
que se tornou Estado.
O chefe do Departamento de Artesanato da Funai,
Otacílio Antunes dos Reis Filho, será
o novo presidente do órgão indigenista
oficial, segundo anunciou o Ministério da
Justiça. Reis Filho fez parte da equipe de
Romero Jucá na presidência da Funai
e é homem de sua confiança.
A queda de Glênio da Costa Alvarez e a ascensão
de Otacílio Antunes dos Reis Filho representam
um preocupante retrocesso político, que põe
em risco os direitos constitucionais dos povos indígenas,
ainda que o governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso nunca tenha praticado uma política
indigenista mais séria e respeitosa.