Região de mineração
de ouro, onde impera a informalidade, com dimensões
maiores que Portugal, Tapajós é a
maior área garimpeira do Brasil e do mundo.
São 100 mil Km² explorados por algo
em torno de 50 mil garimpeiros. Encravada na porção
sudoeste do Pará, a 1.300 quilômetros
de Belém, Tapajós tem mais de 200
pistas de pouso ativas, mas já teve em tempos
áureos cerca de 500. Sua produção
anual é de cinco toneladas e, desde 58, quando
começaram as atividades na região,
registra média de 12 toneladas, tendo alcançado
o pico de 25 toneladas, no final da década
de 80.
Com índices assim tão gigantescos,
Tapajós é considerado um desafio quando
a tarefa é enumerar indicadores de sustentabilidade
para a área. O próprio garimpo no
país é, em si, um capítulo
à parte da atividade mineral brasileira,
que hoje procura se inserir dentro dos conceitos
de indústria ambientalmente e socialmente
saudável. Projeto em fase de gestação,
ou seja, em busca de recursos, do Centro de Tecnologia
Mineral (Cetem), instituto ligado ao ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT), definiu para
o Tapajós a necessidade de identificar, antes
de tudo, quais são os parâmetros econômicos
do garimpo ali. Seus idealizadores acreditam que,
a partir daí, será uma conseqüência
natural, estabelecer os padrões ambientais
e sociais.
O projeto é uma parceria do engenheiro de
minas do Cetem, Roberto Villas Bôas e do geólogo
e consultor ambiental independente Alberto Rogério
Benedito da Silva. De acordo com Alberto Rogério,
em sua apresentação no seminário
"Indicadores de Sustentabilidade para a Indústria
Extrativa Mineral", realizado em Carajás,
à semana passada, é temerário
apresentar indicadores para o garimpo no Brasil,
ainda mais quando se toma o Tapajós como
modelo. "A indústria da mineração
é precavida e tem dados, informações
sistematizadas. Mas o garimpo é informal
e também precário, principalmente
quando se leva em conta os ajustes à legislação
minerária e ambiental", explica o geólogo.
Alberto Rogério acredita que, dentro de dois
meses, seja possível iniciar o trabalho de
definição dos parâmetros econômicos
de Tapajós. O que se quer é estabelecer
uma metodologia de trabalho para mapear as áreas
viáveis de serem exploradas. Ou seja, colocar
a tecnologia a serviço do garimpeiro para
organizar a mineração. "A idéia
é quantificar o volume de ouro nos veios
que forem surgindo e nos já existentes, para
depois estipular o tempo de trabalho que o garimpeiro
terá. Se não for viável economicamente,
o próprio garimpeiro vai querer investir
em outra área", conta Alberto Rogério,
ao explicar a dinâmica do projeto.
Com o empreendimento devidamente estudado, ele acredita
que o garimpeiro poderá organizar sua atividade
e pagar melhor seu sócio e seus trabalhadores.
"Hoje, quando o dono do garimpo, que é
o investidor capitalista, o que investe dinheiro
no beneficiamento, quebra, leva toda a cadeia de
pessoas que trabalham com ele. Daí que vêm
as ilhas sociais de problemas", observa. Para
o geólogo, com o dinheiro melhor investido,
o dono do garimpo poderá perfeitamente fazer
o trabalho de recuperação da área
que foi explorada.
O grande passivo ambiental do garimpo, hoje, está
na água. Não é só o
mercúrio que está presente nos corpos
hídricos usados seja para a exploração
do ouro de aluvião, seja para beneficiamento
do ouro primário, aquele que está
nas rochas. Quando o garimpeiro retira o ouro dos
barrancos dos rios, remove cascalho e quando separa
o ouro do material chamado esteril, porque não
serve produtivamente, ele faz com que o rio fique
removido, com alta concentração de
silte e argila. As partículas são
muito finas e demoram a decantar, provocando um
efeito visual negativo e também a descaracterização
do habitat fluvial dos seres que ali vivem. Outro
efeito do carreamento dessas partículas é
o assoreamento do rio, que tem sua lâmina
de água diminuída com o tempo.
A agressão ambiental provocada pelo garimpo,
ao contrário da mineração de
outros produtos, assim, é extensiva, conforme
explica Albero Rogério. "Não
chega a castigar a floresta, porque desmata poucas
árvores para construção das
pistas de pouso, no caso de áreas isoladas
como o Tapajós, embora haja degradação
das matas ciliares, que acompanham os rios",
avalia. Ele acredita que, com os parâmetros
econômicos influenciando a lida do garimpeiro
e o processo decisório de onde explorar,
ficará mais fácil chegar a outras
melhorias, como, por exemplo, a redução
do uso do mercúrio na garimpagem.
O mercúrio é um metal pesado que se
acumula no organismo humano e, a longo prazo, pode
causar problemas neurológicos. A substância
pode ter efeito também na carga genética
das gerações futuras. Por outro lado,
é a tecnologia mais fácil e mais barata
para o garimpeiro que o utiliza no barranco, num
equipamento chamado cobra-fumando, que separa o
ouro da terra e ainda na bateia, um grande prato
cônico onde ele apura o ouro. Ao sacudir ouro
e mercúrio, mergulhados na água, o
garimpeiro consegue que os metais fiquem no fundo
do prato porque são mais pesados. A água
residual é jogada no rio.
Em seguida, para separar os dois, ele usa fogo.
Nesse processo, há outro agravante. Quando
queimado, o mercúrio exala um gás
tóxico que, aspirado ao longo da vida, é
letal. "A cianetação é
uma técnica alternativa, mas muito cara.
E, além disso, precisa ser utilizada em tanques
empilhados. Como na região chove muito, há
o risco de estourar a barreira de contenção
e a contaminação com cianeto é
aguda. Mata na hora. Então, o garimpeiro
prefere morrer aos poucos com o mercúrio,
pode se dizer", conta Alberto Rogério,
que já fez diversas visitas a garimpos do
Pará, quando trabalhou por sete anos para
o governo do estado. A realidade é praticamente
a mesma em todos eles.
Na sua visão, fazer um trabalho de conscientização
entre os garimpeiros é possível, seja
pela regularização de sua atividade,
ou pelo uso de técnicas limpas de exploração
e beneficiamento. Na década de 90, por exemplo,
foi o projeto Camga-Tapajós, do governo paraense,
quem atingiu de forma mais abrangente a comunidade
do garimpo. Foram realizados estudos sócio-econômicos,
de impacto ambiental (especificamente sobre a contaminação
mercurial), cursos de educação ambiental
e campanhas informativas, e um trabalho de transformação
do modelo de garimpagem. Esse último se traduziu
no estabelecimento da figura empresarial no garimpo.
Os donos de garimpo fizeram contratos de compra
e venda com empresas e, assim, tinham destino certo
para seu produto. As empresas ganhavam porque não
precisavam investir em prospecção,
fase de pesquisa cara, que, na informalidade do
garimpo, já estava praticamente pronta.
Com a criação da Associação
dos Mineradores de Ouro do Tapajós (Amot),
a interlocução com as empresas e com
as autoridades públicas ficou mais fácil
ainda. Hoje, no entanto, praticamente não
há contrato do tipo, vigente na região.
Tudo porque o garimpo tem uma regulação
própria, baseada nas leis de mercado. Alberto
Rogério explica o motivo do declínio
de uma parceria que foi tão promissora por
um tempo. "Entre 90 e 96, a onça do
ouro estava cotada entre US$ 380 e US$ 400. Depois,
o preço foi caindo até chegar a US$
260 no ano passado. Só ultimamente, o ouro
recuperou um pouco seu valor e está cotado
a US$ 320".
Mineral estratégico, o ouro é sempre
cobiçado por exploradores aventureiros, por
mais que seu preço oscile. Sua exploração
está presente em 236 mil Km² da Amazônia,
em pontos separados e longíquos, o que prova
seu poder de capital. Transportado de avião,
barco ou em precárias vias rodoviárias,
como é o caso do ouro garimpado, o mineral
sempre atrairá aqueles que pensam em fazer
fortuna. Talvez por isso, o trabalho social e ambiental
em áreas garimpeiras seja, ao mesmo tempo
sacerdotal e necessário.