A Cúpula da Terra do Rio
de Janeiro -1992 produziu a Agenda 21, documento
que determinou as grandes diretrizes de sustentabilidade
aos governos nacionais e locais do planeta, um plano
de ação global sem precedentes. Porém,
as melhores estratégias só são
boas se implantadas.
Dez anos depois, a Conferência Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável (ou em inglês
WSSD, World Summit on Sustainable Development) de
Joanesburgo, África do Sul, buscou, entre
26 de agosto e 4 de setembro de 2002, junto aos
líderes nacionais a adoção
de medidas concretas e identificação
de metas (targets) quantificáveis para pôr
em ação de forma eficaz a Agenda 21.
Avaliaram-se os avanços obtidos e ampliou-se
o escopo para as chamadas Metas do Milênio
que visavam, além de garantir a sustentabilidade
ambiental: erradicar a fome e pobreza extremas;
alcançar uma mínima educação
primária com iguais oportunidades para homens
e mulheres; reduzir a mortalidade infantil com especial
enfoque ao combate à AIDS e malária;
melhorar as condições de vida dos
que moram em favelas e de outras populações
mais necessitadas; ampliar o acesso à água
potável; desenvolver uma parceria global
para o desenvolvimento que incluísse sistemas
internacionais de comércio e financiamento
não discriminatórios e atendesse às
necessidades especiais dos países em desenvolvimento,
aliviando suas dívidas externas, provendo
trabalho aos jovens e acesso a remédios e
novas tecnologias.
Os tema referente a metas quantitativas
e prazos para a implantação de energias
renováveis, proposto pelo Prof. José
Goldemberg, foi um dos - senão o - ponto
central das discussões da Conferência,
com ampla cobertura da mídia e acirradas
posições dos governos e das organizações
ambientalistas e empresariais. Após exaustivas
discussões técnicas e negociações
políticas, o assunto, que não constava
da Agenda 21 mas perpassa diversas questões
básicas referentes à sustentabilidade
e equidade, foi incluído no Artigo 19 (e)
do documento final da WSSD. O resultado, um dos
últimos produzidos na Conferência dada
a sua sensibilidade e importância, foi considerado
no mínimo frustrante pelos ambientalistas
e pela imprensa.
Contudo, grandes avanços foram obtidos. A
conscientização mundial sobre a chamada
energia positiva jamais foi tão ampla. Os
opositores às metas quantificadas e com prazo
se isolaram, criando um novo desenho geopolítico
mundial. Os avanços alcançados são
irreversíveis, abrindo espaço para
o reconhecimento oficial e por consenso da importância
da questão e para a adoção
de metas inter-regionais, por blocos de países.
O Protocolo de Quioto ganhou um novo impulso, assim
como o conceito de compromissos nacionais reais
e significativos em termos de meio ambiente e justiça
social.
Um balanço da Cúpula
Mundial de Joanesburgo
A WSSD reuniu 60 mil participantes,
sendo 12 mil de delegações incluindo
chefes de Estado, líderes de ONGs, empresas
e outros grupos principais (major groups). Além
dos encontros intergovernamentais, eventos coordenados
pelas Nações Unidas buscaram a troca
de experiências e maiores oportunidades para
diálogo entre os participantes oficiais dos
encontros oficiais. Outros ocorreram outros eventos
paralelos, gerenciados por grupos independentes
da ONU.
Encontros preparatórios para a WSSD realizaram-se
em Nova York (Prepcom1,abril- maio 2001; Prepcom
2, janeiro-fevereiro 2002; PrepCom3, março-abril
2002) e Bali (Prepcom4, maio-junho 2002). Foram
organizados pela Comissão das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Sustentável
(conhecida como CSD10), que guia e dá suporte
ao processo de negociações entre Estados-membros
e grupos majoritários..
Muito se evoluiu em termos de
conscientização ambiental com o que
se presenciou na arena de Joanesburgo. Ao contrário
do propalado pessimismo após a WSSD, um balanço
realista indica que muitos avanços foram
obtidos. Os novos renováveis, ou "energia
positiva", são apenas uma delas. O mais
importante é o novo patamar de conscientização
pública atingido graças aos debates
- e mais do que visíveis embates - da Conferência.
Reconhecidas as importâncias das parcerias,
estas pouco podem oferecer se não se atrelarem
a metas e prazos, a reais e significativos compromissos
por parte dos países em desenvolvimento.
Desenhou-se um novo mapa de relações
no planeta, determinado pela polarização
dos interesses dos diversos países e grupos.
A conhecida separação Norte desenvolvido
- Sul em desenvolvimento determinada pela economia
globalizada deu lugar à dos blocos favoráveis
e dos contrários a compromissos realistas,
tanto ambientais quanto sociais.
Mais do que isso, inverteu-se o rumo das propostas
multilaterais que geram questões de soberania
nacional. Estas, tradicionalmente, se referiam a
exigências dos países industrializados
sobre os em desenvolvimento, como aquelas quanto
ao uso de florestas e preservação
da biodiversidade por parte dos países em
desenvolvimento. A soberania nacional passou a ser
invocada por países industrializados, diante
da rejeição ao mero assistencialismo
e da exigência do estabe1ecimento de metas
e prazos que comprometem os padrões de produção
e consumo desses países.
O movimento foi iniciado pela proposta brasileira
de metas para os chamados novos renováveis,
fontes mais limpas de energia que incluem a solar,
a dos ventos, a geotermal, das pequenas hidrelétricas
e a da biomassa. Apoiada pelo movimento ambientalista,
com destaque para o Greenpeace e WWF (World Wildlife
Fund), recebeu outros nomes como energia positiva
e se tornou sua bandeira central em Joanesburgo.
Além das organizações não
governamentais (ou ONGs), uma forte pressão
foi feita pela opinião pública, amparada
pela mídia. O eleitorado europeu, sensibilizado
pelas catastróficas inundações
na Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia,
exigiu de seus ministros e demais representantes
que não voltassem da Conferência com
uma derrota.
A Proposta Brasileira de Energia
A proposta brasileira sobre metas
de energia renovável foi, assim, o iniciador
desse processo. Concebida pelo Prof. José
Goldemberg e amparada por estudos especializados
do Brasil e do exterior, surpreendia pela simplicidade
e ao mesmo tempo pela abrangência de seus
efeitos. Através do estabelecimento de uma
meta global de um aumento para dez por cento na
participação das energias renováveis
na matriz global, possibilitaria, além de
mitigar os efeitos causadores nas mudanças
climáticas globais, aliviar os problemas
locais e transfronteiriços de poluição
atmosférica pela gradual substituição
dos combustíveis fósseis.
Em 1998, a energia renovável correspondia
a 4,4% do total da matriz global. Destes, metade
corresponde à energia hidráulica e
metade aos ditos "novos renováveis",
sendo 1,7% provindo de biomassa "moderna"
(como, por exemplo, os produtos da cana) e 0,5%
das demais fontes renováveis. A energia nuclear
tem 6,5% e o restantes 79,6% vêm de fontes
fósseis, como o petróleo, gás
natural e carvão. A biomassa tradicional
(principalmente lenha) conta com 9,5% do total.
Os países que não conseguissem atingir
suas metas poderiam comprar - por um sistema de
trading - os certificados de produção
de energia renovável de outros países.
O sistema proposto é muito mais simples do
aqueles do Protocolo de Quioto . A meta para todos
os países vai muito além das "responsabilidades
comuns mas diferenciadas entre os países",
razão alegada pelos Estados Unidos para não
ratificar sua participação no Protocolo.
Mais ainda, o uso de energias renováveis
possibilita a progressiva substituição
da queima da biomassa tradicional. A queima de lenha
por meios tradicionais é a principal causa
de doenças respiratórias no mundo,
mais do que a poluição causada por
indústrias, comércio, usinas termelétricas
e veículos. Afeta principalmente idosos,
mulheres e crianças, que passam boa parte
do tempo junto a fogueiras e fogões primitivos,
respirando fuligem e gases tóxicos.
A qualidade do ar das grandes cidades também
melhora significativamente com a adição
à gasolina de etanol, em substituição
a carburantes à base de metanol de origem
fóssil e chumbo. O uso de energias renováveis
pode perfeitamente coexistir com o de fontes fósseis,
que podem ter um uso mais racional (como, por exemplo,
nas indústrias de plásticos e outros
polímeros) e prolongado, postergando seu
inevitável esgotamento.
Além disso, a produção de energia
renovável é descentralizada, totalmente
compatível com as Metas do Milênio
para aliviar a situação dos países
em desenvolvimento. Tal descentralização
garante o fornecimento de eletricidade e calor a
comunidades isoladas, melhorando significativamente
seu padrão de vida. Gera empregos locais,
garante a segurança do suprimento de energia
no longo prazo (ao contrário das grandes
instalações petrolíferas e
nucleares, sujeitas a atentados, guerras e locautes
econômicos), alivia a dívida externa
dos países pela compra de petróleo
(possibilitando o redirecionamento de recursos para
a saúde e educação).
A produção de bioenergia é
complementar - e não substitutiva - em relação
à de alimentos. A multiplicação
dos efeitos faz com que técnicas modernas
de uso do solo possam ser aplicadas a outras (a
biomassa, por exemplo, gera de 2 a 10 vezes mais
empregos que os sistemas de energia de origem fóssil)
plantações.
Energia, assim, é um item que perpassa praticamente
todas as questões de desenvolvimento sustentado.
Assim como o ar que respiramos, a água que
utilizamos e os alimentos que ingerimos, é
uma necessidade vital.
Ao se tratarem sobre questões de energia,
três enfoques são possíveis:
(a) eficiência energética, uso racional;
(b) novas tecnologias de produção
e; (c) renovabilidade das fontes de produção.
O principal argumento contrário às
novas fontes renováveis é o seu ainda
custo de produção não competitivo.
Contudo, deve-se lembrar que tais tecnologias ainda
estão em sua infância e necessitam
de mecanismos de incentivo, dentre os quais os subsídios.
Mais ainda, o desenvolvimento de tais tecnologias,
assim como o de qualquer outra, segue a chamada
curva de aprendizado (em inglês, learning
curve)ou seja, os custos de produção
diminuem à medida em que uma maior quantidade
acumulada desse produto é vendida. Desta
forma, subsídios são prejudiciais
se forem permanentes. Devem ser aplicados a essas
tecnologias emergentes, mas atrelados a prazos para
sua gradual eliminação (em inglês,
sunset clauses).
As energias renováveis
já crescem 7% ao ano, comparados aos 2% de
crescimento no consumo de fontes de origem fóssil.
As energias eólica e solar fotovoltaica vêm
sofrendo um verdadeiro boom, crescendo à
razão de 35% anuais. Assim, serão
competitivas em um curto espaço de tempo.
Esse movimento, chamado de Revolução
Verde, conseguiu colocar do mesmo lado empresas
e ambientalistas. Empresas como a Shell e BMW, reconhecendo
a importância do assunto e a impossibilidade
de retrocesso na questão, apresentaram estratégias
concretas e de longo prazo em Joanesburgo. A rede
de cosméticos The Body Shop promoveu, junto
com o Greenpeace internacional, uma petição
aos governos pela chamada energia positiva. O mesmo
Greenpeace conseguiu, em um momento considerado
histórico, reunir-se com antigos opositores,
como o World Business Council for Sustainable Development
(WBCSD) e grandes empresas como a Lafarge (multinacional
do setor de cimento) a BP (British Petroleum, que
agora se autodenomina Beyond Petroleum, ou "além
do petróleo"), além do Prof.
Goldemberg, representante da delegação
brasileira.
Evolução da negociação:
as PrepCom
Na Conferência de Joanesburgo
havia propostas mandatórias que geravam compromissos
junto a todos os países (Tipo I) e propostas
de parcerias bilaterais ou multilaterais, voluntárias,
entre organizações (Tipo II).
As propostas de Tipo I podiam ser meramente programáticas,
ou estabelecer metas e prazos. Essas precisam ser
muito bem redigidas, de forma precisa e compreensível,
além de aprovadas por consenso (e não
por voto) pelos países. Assim, conceitos
como "perda de biodiversidade" ou "energia
renovável" precisam ser satisfatoriamente
quantificáveis e aceitáveis.
A proposta de metas e prazos, conceitualmente de
Tipo I, não pode ser considerado um ineditismo:
os Protocolos de Montreal para a eliminação
das substâncias destruidoras do ozônio
estratosférico e o de Quioto para a mitigação
das emissões dos gases de efeito estufa já
as aplicam.
A União Européia
adotou em setembro de 2001 uma Diretiva para a "promoção
da eletricidade produzida por fontes renováveis
no mercado interno de eletricidade. De acordo com
essa Ditetiva, Estados-membros devem ter suas próprias
metas indicativas de renováveis em 12% do
consumo bruto nacional de energia em 2010 e 22,1%
da geração de eletricidade até
2010.
O aumento da contribuição de renováveis
foi uma das possibilidades recomendadas aos governos
recomendado pelo GEF (Global Environment Facility)
em janeiro de 2002, em um evento paralelo à
preparatória da WSSD (PrepCom II). Determinava
que os governos "deveriam adotar metas e prazos
para incrementar tanto a eficiência energética
quanto o uso de combustíveis renováveis,
baseando-se em metas existentes, como o da Comunidade
Européia em atingir 12 por cento de energia
de renováveis até 2010 e o da Índia
de atingir 10 por cento na nova geração
de eletricidade a partir de renováveis até
2012. A determinação de metas juntamente
com a adoção de políticas e
medidas, enviam uma forte mensagem econômica
e política, que pode desencadear a força
do mercado."
O relatório do Chairman da Conferência
Preparatória PrepCom II incluiu como um de
seus itens o "aumento da participação
de novas energias renováveis para pelo menos
5% do uso total de energia até 2010 em todos
os países".
Os Ministros de Meio Ambiente da América
Latina e Caribe adotaram, em maio de 2002, como
resolução a proposta brasileira de
"aumentar na região o uso de energia
renovável para uma participação
de 10% do total até 2010 . A proposta brasileira
permite o comércio entre países de
certificados de energia renovável moderna,
o que certamente contribui para sua viabilização.
Posteriormente, em Bali, indonésia,
ocorreu a Conferência Preparatória
(PrepCom IV).
Nesta, a Suíça propôs
"Diversificar o fornecimento
de energia através do desenvolvimento de
tecnologiasmais limpas, mais eficientes e inovadoras
de combustíveis fósseis, e promover
o aumento na participação de fontes
renováveis não-hidráulicas
para pelo menos 5% do fornecimento total de energia
primária até 2010".
Já a União Européia
apresentou o seguinte texto:
"Diversificar o fornecimento
de energia através do desenvolvimento de
tecnologiasmais limpas, mais eficientes e inovadoras
de combustíveis fósseis, e promover
o aumento na participação de fontes
renováveis modernas para pelo menos 2% com
o objetivo de aumentar a a participação
global para pelo menos 15% do fornecimento total
de energia primária até 2010. Para
atingir esse objetivo todos os países deveriam
adotar e implantar metas nacionais ambiciosas Para
países industrializados, essas metas deveriam
atingir um aumento na participação
de fontes renováveis de energia no fornecimento
energético total de pelo menos 2 pontos percentuaisdo
fornecimento total de energia até 2010 relativo
a 2000"
Na esfera de negociações internacionais,
as decisões não são tomadas
por maioria, mas por consenso. Isso significa que
o texto deve satisfazer a todos os participantes
das Conferências, deve ser o máximo
denominador comum. Assim, os textos das propostas
podem parecer tímidos e repetitivos, mas
pequenos nuances podem significar muito em termos
de compromissos dos países. Alguns exemplos
são:
• há uma diferença
entre países "industrializados"
e "desenvolvidos". No primeiro termo incluem-se
Brasil, México e Argentina.
• a expressão "tecnologias
energéticas custo-efetivas", ou mesmo
"tecnologias energéticas eficientes
de origem fóssil e renovável",
pode ser interpretada como a possibilidade de se
compararem as de fontes fósseis, ainda de
menor custo, com as novas renováveis, que
ainda estão em sua fase inicial e precisam,
muitas vezes, de subsídios até que
atinjam um estágio de mercado que as possibilite
competir com as tradicionais. É a chamada
curva de aprendizagem (learning curve) de demanda.
O exemplo mais óbvio é o á1cool
brasileiro, que conseguiu competir com a gasolina
após a maturação de sua produção.
A frase deve se expressar como "tecnologias
energéticas eficientes de origem fóssil
e tecnologias de energia renovável".
Países membros da OPEP exigem a inclusão
do termo "combustíveis fósseis".
• a substituição
de "tecnologias energéticas eficientes
de origem fóssil e tecnologias de energia
renovável" por "tecnologias energéticas
eficientes" abre espaço para a energia
nuclear. Mesmo se estiver incluído o termo
"tecnologias mais limpas", os defensores
de usinas nucleares argumentam que tais usinas mitigam
emissões atmosféricas de poluentes
locais e gás carbônico, causador do
aumento do efeito estufa.
• há uma grande polêmica
sobre a definição de "renovável".
Uma é a que se refere às grandes hidrelétricas,
que comprovadamente têm alto nível
de impactos ambientais, uma grande preocupação
em especial dos maiores grupos ambientalistas. Por
outro lado, as pequenas centrais hidrelétricas
(PCHs ou small hydro) são em geral ambientalmente
desejáveis por tais grupos (isto é,
uma energia boa ou renovável moderna). A
fronteira entre uma PCH e uma hidrelétrica
convencional varia de local para local, geralmente
em torno dos 30MW de potência.
• outra questão importante
é a da queima da biomassa tradicional, que
pode ser tanto a lenha de desflorestamento quanto
madeiras especialmente cultivadas e processadas
para esse fim (caso da Finlândia), ou ainda
a chamada derrama natural de galhos de árvores,
tradicionalmente recolhida por populações
locais de forma sustentável. Países
africanos subsaarianos preocupam-se que o estabelecimento
de metas para renováveis os obrigue a deixar
de utilizar madeira (de desflorestamento ou não)
e adquirir energia cara.
Assim, um texto que obtenha consenso
de todos os países é de dificílima
confecção. O texto consolidado na
Prepcom IV de Bali foi incluído no Relatório
do Chairman, sendo o objeto das negociações
da WSSD de Joanesburgo.
[[Diversificar o fornecimento de energia através
do desenvolvimento de tecnologias mais limpas, mais
eficientes e inovadoras a partir de combustíveis
fósseis, e promover ] aumentar a participação
de fontes [não-hídricas]/[novas] renováveis
[para pelo menos 2%]/[objetivando aumentar a participação
global para pelo menos 15% do fornecimento total
de energia até 2010].[Para atingir isso todos
os países deveriam adotar e implantar metas
nacionais ambiciosas]. [Para países industrializados,
essas metas devem buscar um aumento na participação
de fontes renováveis de energia no fornecimento
total de energia para pelo menos 2 pontos percentuais
do fornecimento total de energia até 2010
relativos a 2000]/[para peslo menos 5% do fornecimento
total de energia primária][até 2010]
em nível de metas para 2010. Para atingir
isso, todos os países deveriam adotar e implantar
metas nacionais específicas;]]
O texto apresenta-se assim, de difícil leitura.
Os colchetes (brackets) são os pontos de
negociação. Os verbos muitas vezes
são tímidos (como por exemplo, "deveriam")
para que se obtenha o consenso. Por outro lado,
termos sutis como "metas nacionais ambiciosas"
representam que os compromissos devem ir bem além
da situação que normalmente ocorreria
(o chamado business as usual) sem a determinação
do texto.
A inclusão de um valor numérico para
metas, ainda que insignificante e business as usual,
abre espaço para posteriores aumentos dessas
metas, razão de preocupação
de grandes fornecedores e consumidores de energia
fóssil, caso dos países árabes
da Organização dos Países Produtores
de Petróleo (OPEP ou, em inglês, OPEC),
EUA, Japão e Austrália.
O rito na WSSD
Como não há um tribunal
que puna pelo não-cumprimento, as sanções
no modelo do Direito Internacional são, em
geral, condenações por outros países
ou retaliações políticas e
comerciais (soft law). As negociações
sobre um texto devem ser feitas por representantes
oficiais (no caso do Brasil, o Ministro de Meio
Ambiente e os diplomatas do Itamarati), auxiliados
tecnicamente por outros delegados (como foi o caso
do Secretário de Meio Ambiente e seus assessores
para a questão de energias renováveis).
Essa é a importância de se ter uma
delegação suficientemente numerosa
e ativamente atuante. Países europeus trazem
especialistas para cada um dos principais pontos
de discussão, que chegam com antecedência
nos locais dos eventos e articulam, ainda nos corredores,
as alianças e consensos. As metas de energia
renovável, por exemplo, eram um sub-ítem
de um artigo do documento de negociação.
O Brasil é membro do G-77, grupo de países
em desenvolvimento. Tal grupo consta também
com outros países de grande porte (Argentina,
Índia e Filipinas, por exemplo), países
membros da OPEP (países árabes e Venezuela),
pequenas ilhas (Santa Lucia, Vanuatu) e nações
africanas. O México, membro da OPEP, deixou
de participar do G-77.
Outros grandes blocos de negociação
são a EU (União Européia) e
o JUSCANZ (Japão, Estados Unidos, Canadá,
Austrália, Nova Zelândia, Suíça,
Noruega, México e Islândia). Fazem
parte da OECD (OCDE - Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico), que inclui os países desenvolvidos.
Os encontros intergovernamentais da WDDS eram inicialmente
em nível técnico, por grupos de paises
(G77, EU, JUSCANZ). Falavam pelos países
os representantes diplomáticos ou, quando
autorizados por estes, técnicos. Em cada
grupo, formavam-se subgrupos técnicos, sob
a relatoria de um dos países, para tratar
de assuntos específicos.
Os blocos de países se reuniam duas ou três
vezes ao dia. Também por uma ou mais vezes
ao dia se reuniam todos os países, em encontros
denominados Processo de Viena, para discutir e fechar
o texto do documento final a ser submetido para
a esfera política. O documento de Bali serviu
como base para as negociações da WSSD.
Para evitar idas e vindas nas negociações,
dentro dessa estrutura poderiam ser acatadas as
propostas dos países. O protesto de uma pequena
ilha com 3 mil habitantes era suficiente para suspender
as negociações.
Tanto nas reuniões de blocos quanto no Processo
de Viena, os encontros são presididos pelo
Chairman, que dá a palavra aos delegados
dos países para se exprimirem sobre o texto.
Somente através deste Chairman são
consideradas oficiais as conversas entre os países;
discussões diretas não são
permitidas. Nas reuniões somente é
permitida a presença de delegados oficiais,
ficando de fora a imprensa, as ONGs, que permaneciam
nos demais locais do Centro de Convenções,
aos quais era vedado o acesso do público
não credenciado. Esse motivo gerou uma série
de protestos nas ruas de Joanesburgo. O Centro Conferência
possuia, por razões de segurança,
limitação a 6 mil lugares. Como havia
o dobro de delegados, o acesso era restrito. No
Centro também realizaram-se reuniões
temáticas plenárias, com acesso dos
delegados e membros credenciados da imprensa e major
groups.
Terminada a fase de negociações técnicas,
com ou sem consenso, o texto seguiria para a negociação
política entre ministros de Estado. Nesta
negociação, restrita a poucos delegados
por país, se caracteriza por processos de
troca de apoios pelos representantes entre os diversos
parágrafos do texto. Assim, por exemplo,
a recusa da proposta de energia por um país
pobre poderia ser recompensada pela ajuda humanitária
por um país rico. Tais mecanismos políticos
são difíceis ou impossíveis
de rastrear.
A negociação das
renováveis na WSSD
Para as energias renováveis,
Parágrafo 19 (e) do documento final da WSSD,
a relatoria para o G77, onde estava o Brasil, foi
do delegado do Irã e coordenação
técnica do representante da Argentina.
No Processo de Viena, a polarização
se deu entre os altamente favoráveis a metas
(em especial Brasil, União Européia,
Islândia, Noruega, Suíça, México,
Venezuela, Vanuatu, Nova Zelândia e África
do Sul), moderadamente favoráveis (restante
da EU, Tanzânia, Uganda), moderadamente desfavoráveis
(Índia, Coréia, Quênia) e totalmente
contrários (Estados Unidos, Japão,
Arábia Saudita, Nigéria, Austrália,
Canadá). Demais países permaneceram
neutros ou não se expressaram.
Na Reunião Plenária de Energia, falou
pelo Brasil o Prof. Goldemberg. A favor da proposta
se posicionaram os representantes dos jovens, mulheres,
indígenas, empresários, comunidade
científica e outros major groups, que exigiam
metas e prazos. Contrariamente discursou o delegado
da Nigéria, invocando questões de
soberania nacional. As mesmas questões faziam
parte das notícias veiculadas pela imprensa
nos países árabes da OPEP, segundo
uma representante libanesa do Greenpeace. A grande
maioria da imprensa ocidental era amplamente favorável
à iniciativa. A CNN entrevistou a delegada
norte-americana, que afirmou que as metas de renováveis
não resolveriam a questão da energia,
mas sim as parcerias e a ajuda internacional (os
EUA aumentaram em 50% sua ajuda aos países
carentes). Segundo sua leitura, "a Conferência
havia avançado, pois na maioria dos parágrafos
do texto havia se chegado a um consenso". Entretanto,
o avanço foi nos temas onde não havia
polêmica.
As ONGs insistiram na exclusão das grandes
hidrelétricas, enquanto determinados governos
que apoiavam a iniciativa de renováveis exigiam
a sua inc1usão. A solução conciliatória
proposta pelo Brasil e aceita por todos foi a inclusão
de recomendações ambientais de entidades
internacionalmente reconhecidas, visando a redução
de seus impactos. Como nomes como o da Comissão
Mundial de Barragens não podem constar expressamente
do texto final, foram propostas "diretrizes
reconhecidas de sustentabilidade ambiental".
Outro problema foi a biomassa tradicional. Assim
como não existe nos balanços energéticos
a distinção entre pequenas e grandes
hidrelétricas, também não há
uma separação entre a queima energética
da biomassa renovável da não renovável.
A biomassa considerada tradicional pode ser renovável,
como é o caso do estrume na Índia
ou os briquetes de madeira para queima em lareiras
da Finlândia. Mesmo na queima de lenha, parte
vem da derrama natural das árvores, uma forma
sustentável. Os países africanos,
grandes consumidores de lenha sustentável
e não sustentável, manifestaram preocupação
com metas individuais nacionais, deixando para um
segundo plano a flexibilidade pelo trading e os
benefícios da modernização
da queima de biomassa . A possibilidade de barganhas
ou pressões de países mais ricos não
deve ser também descartada.
Na discussão política feita nos dois
dias anteriores ao encerramento da WSSD, o Brasil
tinha sua palavra submetida ao G77, com o assunto
sobre energia relatado pelo Irã. O delegado
iraniano era um hábil negociador, pressionado
pelo Brasil e Argentina de um lado e pela Arábia
Saudita de outro, uma delegação de
muita expressão política.
Os EUA pressionaram e obtiveram êxito para
a substituição de "tecnologias
de fontes fósseis e renováveis"
por "tecnologias energéticas",
detalhe pouco perceptível no texto final
que abriu espaço para a energia nuclear.
A Argentina foi muito eficiente
na busca de um consenso para o texto final, que,
apesar de não conter metas percentuais e
prazos expressos, reconheceu o papel destes mecanismos.
O resultado final do Parágrafo 19 (e) foi,
assim traduzido para o português:
Diversificar o fornecimento de energia pelo desenvolvimento
de tecnologias energéticas avançadas,
mais limpas, mais eficientes, baratas e custo-efetivas,
inclusive tecnologias por combustíveis fósseis
tão quanto tecnologias de energias renováveis,
hidrelétricas incluídas, e sua transferência
para países em desenvolvimento em termos
concessionais de forma mutuamente acordada. Com
senso de urgência, aumentar substancialmente
a parcela por fontes de energia renovável,
com o objetivo de aumentar sua contribuição
no fornecimento total de energia, reconhecendo o
papel de metas nacionais e voluntárias regionais,
assim como iniciativas onde elas existirem, e garantir
que políticas energéticas apóiam
os esforços dos países em desenvolvimento
para a erradicação da pobreza, e regularmente
avaliar as informações disponíveis
para rever o processo para esse objetivo.
Os grupos contrários foram obrigados a reconhecer
o papel das metas para renováveis. Como já
existem as da América Latina- Caribe e da
União Européia, há espaço
para uma iniciativa "Transatlântica",
que já está em fase inicial de harmonização.
Uma etapa muito importante é a verificação,
uniformização e adequação
metodológica das estatísticas mundiais
de energia.
Outros parágrafos promovem o acesso a serviços
de energia confiáveis e baratos para o desenvolvimento
sustentado para atingir os Millenium Development
Goals ,a eliminação de subsídios
danosos aos desenvolvimento sustentado e a convocação
aos países para desenvolver e implantar ações
dentro do previsto na 9a. Sessão da Comissão
de Desenvolvimento Sustentado, CSD-9 .
Conclusões: as lições
aprendidas
Um balanço final mostra
que, apesar do aparente fracasso nas negociações
da WSSD de Joanesburgo, as energias renováveis
estão na ordem do dia e são ponto
de honra de governos nacionais, entidades ambientalistas
e imprensa. O movimento pela energia positiva é
irreversível, tanto pela opinião pública
quanto pelas pressões sobre os recursos naturais.
As maiores empresas do planeta, inclusive as tradicionalmente
poluidoras, alinham-se nessa posição.
Da mesma forma se posicionam os governos mais democráticos,
que reconhecem suas responsabilidades, questionam
as tomadas de decisão sob pressões
políticas de grupos de interesse, adotam
iniciativas de forma voluntária.
O texto final do Parágrafo 19 (e) sobre metas
de energia renovável, apesar de muito aquém
da proposta brasileira original, abre espaço
para a integração de tais iniciativas.
A experiência com o esforço capitaneado
pelo Brasil mostrou que o enfoque de metas e prazos
é a ferramenta básica, de alta sensibilidade
política. Tal enfoque, compensatório
e voltado ao mercado, deverá ser cada vez
mais aplicado a outros temas, como água,
florestas e outros recursos naturais.
As lições de Joanesburgo foram, assim,
fundamentais para futuras negociações
entre países para equidade social e sustentabilidade
ambiental.