Panorama
 
 
 

DEPOIS DA RIO+10: AS LIÇÕES APREENDIDAS EM JOHANNESBURGO

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Setembro de 2002

 

A Cúpula da Terra do Rio de Janeiro -1992 produziu a Agenda 21, documento que determinou as grandes diretrizes de sustentabilidade aos governos nacionais e locais do planeta, um plano de ação global sem precedentes. Porém, as melhores estratégias só são boas se implantadas.

Dez anos depois, a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (ou em inglês WSSD, World Summit on Sustainable Development) de Joanesburgo, África do Sul, buscou, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 2002, junto aos líderes nacionais a adoção de medidas concretas e identificação de metas (targets) quantificáveis para pôr em ação de forma eficaz a Agenda 21. Avaliaram-se os avanços obtidos e ampliou-se o escopo para as chamadas Metas do Milênio que visavam, além de garantir a sustentabilidade ambiental: erradicar a fome e pobreza extremas; alcançar uma mínima educação primária com iguais oportunidades para homens e mulheres; reduzir a mortalidade infantil com especial enfoque ao combate à AIDS e malária; melhorar as condições de vida dos que moram em favelas e de outras populações mais necessitadas; ampliar o acesso à água potável; desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento que incluísse sistemas internacionais de comércio e financiamento não discriminatórios e atendesse às necessidades especiais dos países em desenvolvimento, aliviando suas dívidas externas, provendo trabalho aos jovens e acesso a remédios e novas tecnologias.

Os tema referente a metas quantitativas e prazos para a implantação de energias renováveis, proposto pelo Prof. José Goldemberg, foi um dos - senão o - ponto central das discussões da Conferência, com ampla cobertura da mídia e acirradas posições dos governos e das organizações ambientalistas e empresariais. Após exaustivas discussões técnicas e negociações políticas, o assunto, que não constava da Agenda 21 mas perpassa diversas questões básicas referentes à sustentabilidade e equidade, foi incluído no Artigo 19 (e) do documento final da WSSD. O resultado, um dos últimos produzidos na Conferência dada a sua sensibilidade e importância, foi considerado no mínimo frustrante pelos ambientalistas e pela imprensa.

Contudo, grandes avanços foram obtidos. A conscientização mundial sobre a chamada energia positiva jamais foi tão ampla. Os opositores às metas quantificadas e com prazo se isolaram, criando um novo desenho geopolítico mundial. Os avanços alcançados são irreversíveis, abrindo espaço para o reconhecimento oficial e por consenso da importância da questão e para a adoção de metas inter-regionais, por blocos de países. O Protocolo de Quioto ganhou um novo impulso, assim como o conceito de compromissos nacionais reais e significativos em termos de meio ambiente e justiça social.

Um balanço da Cúpula Mundial de Joanesburgo

A WSSD reuniu 60 mil participantes, sendo 12 mil de delegações incluindo chefes de Estado, líderes de ONGs, empresas e outros grupos principais (major groups). Além dos encontros intergovernamentais, eventos coordenados pelas Nações Unidas buscaram a troca de experiências e maiores oportunidades para diálogo entre os participantes oficiais dos encontros oficiais. Outros ocorreram outros eventos paralelos, gerenciados por grupos independentes da ONU.

Encontros preparatórios para a WSSD realizaram-se em Nova York (Prepcom1,abril- maio 2001; Prepcom 2, janeiro-fevereiro 2002; PrepCom3, março-abril 2002) e Bali (Prepcom4, maio-junho 2002). Foram organizados pela Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (conhecida como CSD10), que guia e dá suporte ao processo de negociações entre Estados-membros e grupos majoritários..

Muito se evoluiu em termos de conscientização ambiental com o que se presenciou na arena de Joanesburgo. Ao contrário do propalado pessimismo após a WSSD, um balanço realista indica que muitos avanços foram obtidos. Os novos renováveis, ou "energia positiva", são apenas uma delas. O mais importante é o novo patamar de conscientização pública atingido graças aos debates - e mais do que visíveis embates - da Conferência.

Reconhecidas as importâncias das parcerias, estas pouco podem oferecer se não se atrelarem a metas e prazos, a reais e significativos compromissos por parte dos países em desenvolvimento. Desenhou-se um novo mapa de relações no planeta, determinado pela polarização dos interesses dos diversos países e grupos. A conhecida separação Norte desenvolvido - Sul em desenvolvimento determinada pela economia globalizada deu lugar à dos blocos favoráveis e dos contrários a compromissos realistas, tanto ambientais quanto sociais.

Mais do que isso, inverteu-se o rumo das propostas multilaterais que geram questões de soberania nacional. Estas, tradicionalmente, se referiam a exigências dos países industrializados sobre os em desenvolvimento, como aquelas quanto ao uso de florestas e preservação da biodiversidade por parte dos países em desenvolvimento. A soberania nacional passou a ser invocada por países industrializados, diante da rejeição ao mero assistencialismo e da exigência do estabe1ecimento de metas e prazos que comprometem os padrões de produção e consumo desses países.
O movimento foi iniciado pela proposta brasileira de metas para os chamados novos renováveis, fontes mais limpas de energia que incluem a solar, a dos ventos, a geotermal, das pequenas hidrelétricas e a da biomassa. Apoiada pelo movimento ambientalista, com destaque para o Greenpeace e WWF (World Wildlife Fund), recebeu outros nomes como energia positiva e se tornou sua bandeira central em Joanesburgo. Além das organizações não governamentais (ou ONGs), uma forte pressão foi feita pela opinião pública, amparada pela mídia. O eleitorado europeu, sensibilizado pelas catastróficas inundações na Alemanha, Áustria e Tchecoslováquia, exigiu de seus ministros e demais representantes que não voltassem da Conferência com uma derrota.

A Proposta Brasileira de Energia

A proposta brasileira sobre metas de energia renovável foi, assim, o iniciador desse processo. Concebida pelo Prof. José Goldemberg e amparada por estudos especializados do Brasil e do exterior, surpreendia pela simplicidade e ao mesmo tempo pela abrangência de seus efeitos. Através do estabelecimento de uma meta global de um aumento para dez por cento na participação das energias renováveis na matriz global, possibilitaria, além de mitigar os efeitos causadores nas mudanças climáticas globais, aliviar os problemas locais e transfronteiriços de poluição atmosférica pela gradual substituição dos combustíveis fósseis.

Em 1998, a energia renovável correspondia a 4,4% do total da matriz global. Destes, metade corresponde à energia hidráulica e metade aos ditos "novos renováveis", sendo 1,7% provindo de biomassa "moderna" (como, por exemplo, os produtos da cana) e 0,5% das demais fontes renováveis. A energia nuclear tem 6,5% e o restantes 79,6% vêm de fontes fósseis, como o petróleo, gás natural e carvão. A biomassa tradicional (principalmente lenha) conta com 9,5% do total. Os países que não conseguissem atingir suas metas poderiam comprar - por um sistema de trading - os certificados de produção de energia renovável de outros países. O sistema proposto é muito mais simples do aqueles do Protocolo de Quioto . A meta para todos os países vai muito além das "responsabilidades comuns mas diferenciadas entre os países", razão alegada pelos Estados Unidos para não ratificar sua participação no Protocolo.

Mais ainda, o uso de energias renováveis possibilita a progressiva substituição da queima da biomassa tradicional. A queima de lenha por meios tradicionais é a principal causa de doenças respiratórias no mundo, mais do que a poluição causada por indústrias, comércio, usinas termelétricas e veículos. Afeta principalmente idosos, mulheres e crianças, que passam boa parte do tempo junto a fogueiras e fogões primitivos, respirando fuligem e gases tóxicos.
A qualidade do ar das grandes cidades também melhora significativamente com a adição à gasolina de etanol, em substituição a carburantes à base de metanol de origem fóssil e chumbo. O uso de energias renováveis pode perfeitamente coexistir com o de fontes fósseis, que podem ter um uso mais racional (como, por exemplo, nas indústrias de plásticos e outros polímeros) e prolongado, postergando seu inevitável esgotamento.

Além disso, a produção de energia renovável é descentralizada, totalmente compatível com as Metas do Milênio para aliviar a situação dos países em desenvolvimento. Tal descentralização garante o fornecimento de eletricidade e calor a comunidades isoladas, melhorando significativamente seu padrão de vida. Gera empregos locais, garante a segurança do suprimento de energia no longo prazo (ao contrário das grandes instalações petrolíferas e nucleares, sujeitas a atentados, guerras e locautes econômicos), alivia a dívida externa dos países pela compra de petróleo (possibilitando o redirecionamento de recursos para a saúde e educação).

A produção de bioenergia é complementar - e não substitutiva - em relação à de alimentos. A multiplicação dos efeitos faz com que técnicas modernas de uso do solo possam ser aplicadas a outras (a biomassa, por exemplo, gera de 2 a 10 vezes mais empregos que os sistemas de energia de origem fóssil) plantações.

Energia, assim, é um item que perpassa praticamente todas as questões de desenvolvimento sustentado. Assim como o ar que respiramos, a água que utilizamos e os alimentos que ingerimos, é uma necessidade vital.

Ao se tratarem sobre questões de energia, três enfoques são possíveis: (a) eficiência energética, uso racional; (b) novas tecnologias de produção e; (c) renovabilidade das fontes de produção.

O principal argumento contrário às novas fontes renováveis é o seu ainda custo de produção não competitivo. Contudo, deve-se lembrar que tais tecnologias ainda estão em sua infância e necessitam de mecanismos de incentivo, dentre os quais os subsídios. Mais ainda, o desenvolvimento de tais tecnologias, assim como o de qualquer outra, segue a chamada curva de aprendizado (em inglês, learning curve)ou seja, os custos de produção diminuem à medida em que uma maior quantidade acumulada desse produto é vendida. Desta forma, subsídios são prejudiciais se forem permanentes. Devem ser aplicados a essas tecnologias emergentes, mas atrelados a prazos para sua gradual eliminação (em inglês, sunset clauses).

As energias renováveis já crescem 7% ao ano, comparados aos 2% de crescimento no consumo de fontes de origem fóssil. As energias eólica e solar fotovoltaica vêm sofrendo um verdadeiro boom, crescendo à razão de 35% anuais. Assim, serão competitivas em um curto espaço de tempo.

Esse movimento, chamado de Revolução Verde, conseguiu colocar do mesmo lado empresas e ambientalistas. Empresas como a Shell e BMW, reconhecendo a importância do assunto e a impossibilidade de retrocesso na questão, apresentaram estratégias concretas e de longo prazo em Joanesburgo. A rede de cosméticos The Body Shop promoveu, junto com o Greenpeace internacional, uma petição aos governos pela chamada energia positiva. O mesmo Greenpeace conseguiu, em um momento considerado histórico, reunir-se com antigos opositores, como o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) e grandes empresas como a Lafarge (multinacional do setor de cimento) a BP (British Petroleum, que agora se autodenomina Beyond Petroleum, ou "além do petróleo"), além do Prof. Goldemberg, representante da delegação brasileira.

Evolução da negociação: as PrepCom

Na Conferência de Joanesburgo havia propostas mandatórias que geravam compromissos junto a todos os países (Tipo I) e propostas de parcerias bilaterais ou multilaterais, voluntárias, entre organizações (Tipo II).
As propostas de Tipo I podiam ser meramente programáticas, ou estabelecer metas e prazos. Essas precisam ser muito bem redigidas, de forma precisa e compreensível, além de aprovadas por consenso (e não por voto) pelos países. Assim, conceitos como "perda de biodiversidade" ou "energia renovável" precisam ser satisfatoriamente quantificáveis e aceitáveis.
A proposta de metas e prazos, conceitualmente de Tipo I, não pode ser considerado um ineditismo: os Protocolos de Montreal para a eliminação das substâncias destruidoras do ozônio estratosférico e o de Quioto para a mitigação das emissões dos gases de efeito estufa já as aplicam.

A União Européia adotou em setembro de 2001 uma Diretiva para a "promoção da eletricidade produzida por fontes renováveis no mercado interno de eletricidade. De acordo com essa Ditetiva, Estados-membros devem ter suas próprias metas indicativas de renováveis em 12% do consumo bruto nacional de energia em 2010 e 22,1% da geração de eletricidade até 2010.
O aumento da contribuição de renováveis foi uma das possibilidades recomendadas aos governos recomendado pelo GEF (Global Environment Facility) em janeiro de 2002, em um evento paralelo à preparatória da WSSD (PrepCom II). Determinava que os governos "deveriam adotar metas e prazos para incrementar tanto a eficiência energética quanto o uso de combustíveis renováveis, baseando-se em metas existentes, como o da Comunidade Européia em atingir 12 por cento de energia de renováveis até 2010 e o da Índia de atingir 10 por cento na nova geração de eletricidade a partir de renováveis até 2012. A determinação de metas juntamente com a adoção de políticas e medidas, enviam uma forte mensagem econômica e política, que pode desencadear a força do mercado."
O relatório do Chairman da Conferência Preparatória PrepCom II incluiu como um de seus itens o "aumento da participação de novas energias renováveis para pelo menos 5% do uso total de energia até 2010 em todos os países".
Os Ministros de Meio Ambiente da América Latina e Caribe adotaram, em maio de 2002, como resolução a proposta brasileira de "aumentar na região o uso de energia renovável para uma participação de 10% do total até 2010 . A proposta brasileira permite o comércio entre países de certificados de energia renovável moderna, o que certamente contribui para sua viabilização.

Posteriormente, em Bali, indonésia, ocorreu a Conferência Preparatória (PrepCom IV).

Nesta, a Suíça propôs

"Diversificar o fornecimento de energia através do desenvolvimento de tecnologiasmais limpas, mais eficientes e inovadoras de combustíveis fósseis, e promover o aumento na participação de fontes renováveis não-hidráulicas para pelo menos 5% do fornecimento total de energia primária até 2010".

Já a União Européia apresentou o seguinte texto:

"Diversificar o fornecimento de energia através do desenvolvimento de tecnologiasmais limpas, mais eficientes e inovadoras de combustíveis fósseis, e promover o aumento na participação de fontes renováveis modernas para pelo menos 2% com o objetivo de aumentar a a participação global para pelo menos 15% do fornecimento total de energia primária até 2010. Para atingir esse objetivo todos os países deveriam adotar e implantar metas nacionais ambiciosas Para países industrializados, essas metas deveriam atingir um aumento na participação de fontes renováveis de energia no fornecimento energético total de pelo menos 2 pontos percentuaisdo fornecimento total de energia até 2010 relativo a 2000"
Na esfera de negociações internacionais, as decisões não são tomadas por maioria, mas por consenso. Isso significa que o texto deve satisfazer a todos os participantes das Conferências, deve ser o máximo denominador comum. Assim, os textos das propostas podem parecer tímidos e repetitivos, mas pequenos nuances podem significar muito em termos de compromissos dos países. Alguns exemplos são:

• há uma diferença entre países "industrializados" e "desenvolvidos". No primeiro termo incluem-se Brasil, México e Argentina.

• a expressão "tecnologias energéticas custo-efetivas", ou mesmo "tecnologias energéticas eficientes de origem fóssil e renovável", pode ser interpretada como a possibilidade de se compararem as de fontes fósseis, ainda de menor custo, com as novas renováveis, que ainda estão em sua fase inicial e precisam, muitas vezes, de subsídios até que atinjam um estágio de mercado que as possibilite competir com as tradicionais. É a chamada curva de aprendizagem (learning curve) de demanda. O exemplo mais óbvio é o á1cool brasileiro, que conseguiu competir com a gasolina após a maturação de sua produção. A frase deve se expressar como "tecnologias energéticas eficientes de origem fóssil e tecnologias de energia renovável". Países membros da OPEP exigem a inclusão do termo "combustíveis fósseis".

• a substituição de "tecnologias energéticas eficientes de origem fóssil e tecnologias de energia renovável" por "tecnologias energéticas eficientes" abre espaço para a energia nuclear. Mesmo se estiver incluído o termo "tecnologias mais limpas", os defensores de usinas nucleares argumentam que tais usinas mitigam emissões atmosféricas de poluentes locais e gás carbônico, causador do aumento do efeito estufa.

• há uma grande polêmica sobre a definição de "renovável". Uma é a que se refere às grandes hidrelétricas, que comprovadamente têm alto nível de impactos ambientais, uma grande preocupação em especial dos maiores grupos ambientalistas. Por outro lado, as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs ou small hydro) são em geral ambientalmente desejáveis por tais grupos (isto é, uma energia boa ou renovável moderna). A fronteira entre uma PCH e uma hidrelétrica convencional varia de local para local, geralmente em torno dos 30MW de potência.

• outra questão importante é a da queima da biomassa tradicional, que pode ser tanto a lenha de desflorestamento quanto madeiras especialmente cultivadas e processadas para esse fim (caso da Finlândia), ou ainda a chamada derrama natural de galhos de árvores, tradicionalmente recolhida por populações locais de forma sustentável. Países africanos subsaarianos preocupam-se que o estabelecimento de metas para renováveis os obrigue a deixar de utilizar madeira (de desflorestamento ou não) e adquirir energia cara.

Assim, um texto que obtenha consenso de todos os países é de dificílima confecção. O texto consolidado na Prepcom IV de Bali foi incluído no Relatório do Chairman, sendo o objeto das negociações da WSSD de Joanesburgo.
[[Diversificar o fornecimento de energia através do desenvolvimento de tecnologias mais limpas, mais eficientes e inovadoras a partir de combustíveis fósseis, e promover ] aumentar a participação de fontes [não-hídricas]/[novas] renováveis [para pelo menos 2%]/[objetivando aumentar a participação global para pelo menos 15% do fornecimento total de energia até 2010].[Para atingir isso todos os países deveriam adotar e implantar metas nacionais ambiciosas]. [Para países industrializados, essas metas devem buscar um aumento na participação de fontes renováveis de energia no fornecimento total de energia para pelo menos 2 pontos percentuais do fornecimento total de energia até 2010 relativos a 2000]/[para peslo menos 5% do fornecimento total de energia primária][até 2010] em nível de metas para 2010. Para atingir isso, todos os países deveriam adotar e implantar metas nacionais específicas;]]
O texto apresenta-se assim, de difícil leitura. Os colchetes (brackets) são os pontos de negociação. Os verbos muitas vezes são tímidos (como por exemplo, "deveriam") para que se obtenha o consenso. Por outro lado, termos sutis como "metas nacionais ambiciosas" representam que os compromissos devem ir bem além da situação que normalmente ocorreria (o chamado business as usual) sem a determinação do texto.
A inclusão de um valor numérico para metas, ainda que insignificante e business as usual, abre espaço para posteriores aumentos dessas metas, razão de preocupação de grandes fornecedores e consumidores de energia fóssil, caso dos países árabes da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP ou, em inglês, OPEC), EUA, Japão e Austrália.

O rito na WSSD

Como não há um tribunal que puna pelo não-cumprimento, as sanções no modelo do Direito Internacional são, em geral, condenações por outros países ou retaliações políticas e comerciais (soft law). As negociações sobre um texto devem ser feitas por representantes oficiais (no caso do Brasil, o Ministro de Meio Ambiente e os diplomatas do Itamarati), auxiliados tecnicamente por outros delegados (como foi o caso do Secretário de Meio Ambiente e seus assessores para a questão de energias renováveis).
Essa é a importância de se ter uma delegação suficientemente numerosa e ativamente atuante. Países europeus trazem especialistas para cada um dos principais pontos de discussão, que chegam com antecedência nos locais dos eventos e articulam, ainda nos corredores, as alianças e consensos. As metas de energia renovável, por exemplo, eram um sub-ítem de um artigo do documento de negociação.
O Brasil é membro do G-77, grupo de países em desenvolvimento. Tal grupo consta também com outros países de grande porte (Argentina, Índia e Filipinas, por exemplo), países membros da OPEP (países árabes e Venezuela), pequenas ilhas (Santa Lucia, Vanuatu) e nações africanas. O México, membro da OPEP, deixou de participar do G-77.
Outros grandes blocos de negociação são a EU (União Européia) e o JUSCANZ (Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Suíça, Noruega, México e Islândia). Fazem parte da OECD (OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que inclui os países desenvolvidos.
Os encontros intergovernamentais da WDDS eram inicialmente em nível técnico, por grupos de paises (G77, EU, JUSCANZ). Falavam pelos países os representantes diplomáticos ou, quando autorizados por estes, técnicos. Em cada grupo, formavam-se subgrupos técnicos, sob a relatoria de um dos países, para tratar de assuntos específicos.
Os blocos de países se reuniam duas ou três vezes ao dia. Também por uma ou mais vezes ao dia se reuniam todos os países, em encontros denominados Processo de Viena, para discutir e fechar o texto do documento final a ser submetido para a esfera política. O documento de Bali serviu como base para as negociações da WSSD. Para evitar idas e vindas nas negociações, dentro dessa estrutura poderiam ser acatadas as propostas dos países. O protesto de uma pequena ilha com 3 mil habitantes era suficiente para suspender as negociações.
Tanto nas reuniões de blocos quanto no Processo de Viena, os encontros são presididos pelo Chairman, que dá a palavra aos delegados dos países para se exprimirem sobre o texto. Somente através deste Chairman são consideradas oficiais as conversas entre os países; discussões diretas não são permitidas. Nas reuniões somente é permitida a presença de delegados oficiais, ficando de fora a imprensa, as ONGs, que permaneciam nos demais locais do Centro de Convenções, aos quais era vedado o acesso do público não credenciado. Esse motivo gerou uma série de protestos nas ruas de Joanesburgo. O Centro Conferência possuia, por razões de segurança, limitação a 6 mil lugares. Como havia o dobro de delegados, o acesso era restrito. No Centro também realizaram-se reuniões temáticas plenárias, com acesso dos delegados e membros credenciados da imprensa e major groups.
Terminada a fase de negociações técnicas, com ou sem consenso, o texto seguiria para a negociação política entre ministros de Estado. Nesta negociação, restrita a poucos delegados por país, se caracteriza por processos de troca de apoios pelos representantes entre os diversos parágrafos do texto. Assim, por exemplo, a recusa da proposta de energia por um país pobre poderia ser recompensada pela ajuda humanitária por um país rico. Tais mecanismos políticos são difíceis ou impossíveis de rastrear.

A negociação das renováveis na WSSD

Para as energias renováveis, Parágrafo 19 (e) do documento final da WSSD, a relatoria para o G77, onde estava o Brasil, foi do delegado do Irã e coordenação técnica do representante da Argentina.
No Processo de Viena, a polarização se deu entre os altamente favoráveis a metas (em especial Brasil, União Européia, Islândia, Noruega, Suíça, México, Venezuela, Vanuatu, Nova Zelândia e África do Sul), moderadamente favoráveis (restante da EU, Tanzânia, Uganda), moderadamente desfavoráveis (Índia, Coréia, Quênia) e totalmente contrários (Estados Unidos, Japão, Arábia Saudita, Nigéria, Austrália, Canadá). Demais países permaneceram neutros ou não se expressaram.
Na Reunião Plenária de Energia, falou pelo Brasil o Prof. Goldemberg. A favor da proposta se posicionaram os representantes dos jovens, mulheres, indígenas, empresários, comunidade científica e outros major groups, que exigiam metas e prazos. Contrariamente discursou o delegado da Nigéria, invocando questões de soberania nacional. As mesmas questões faziam parte das notícias veiculadas pela imprensa nos países árabes da OPEP, segundo uma representante libanesa do Greenpeace. A grande maioria da imprensa ocidental era amplamente favorável à iniciativa. A CNN entrevistou a delegada norte-americana, que afirmou que as metas de renováveis não resolveriam a questão da energia, mas sim as parcerias e a ajuda internacional (os EUA aumentaram em 50% sua ajuda aos países carentes). Segundo sua leitura, "a Conferência havia avançado, pois na maioria dos parágrafos do texto havia se chegado a um consenso". Entretanto, o avanço foi nos temas onde não havia polêmica.
As ONGs insistiram na exclusão das grandes hidrelétricas, enquanto determinados governos que apoiavam a iniciativa de renováveis exigiam a sua inc1usão. A solução conciliatória proposta pelo Brasil e aceita por todos foi a inclusão de recomendações ambientais de entidades internacionalmente reconhecidas, visando a redução de seus impactos. Como nomes como o da Comissão Mundial de Barragens não podem constar expressamente do texto final, foram propostas "diretrizes reconhecidas de sustentabilidade ambiental".
Outro problema foi a biomassa tradicional. Assim como não existe nos balanços energéticos a distinção entre pequenas e grandes hidrelétricas, também não há uma separação entre a queima energética da biomassa renovável da não renovável. A biomassa considerada tradicional pode ser renovável, como é o caso do estrume na Índia ou os briquetes de madeira para queima em lareiras da Finlândia. Mesmo na queima de lenha, parte vem da derrama natural das árvores, uma forma sustentável. Os países africanos, grandes consumidores de lenha sustentável e não sustentável, manifestaram preocupação com metas individuais nacionais, deixando para um segundo plano a flexibilidade pelo trading e os benefícios da modernização da queima de biomassa . A possibilidade de barganhas ou pressões de países mais ricos não deve ser também descartada.
Na discussão política feita nos dois dias anteriores ao encerramento da WSSD, o Brasil tinha sua palavra submetida ao G77, com o assunto sobre energia relatado pelo Irã. O delegado iraniano era um hábil negociador, pressionado pelo Brasil e Argentina de um lado e pela Arábia Saudita de outro, uma delegação de muita expressão política.
Os EUA pressionaram e obtiveram êxito para a substituição de "tecnologias de fontes fósseis e renováveis" por "tecnologias energéticas", detalhe pouco perceptível no texto final que abriu espaço para a energia nuclear.

A Argentina foi muito eficiente na busca de um consenso para o texto final, que, apesar de não conter metas percentuais e prazos expressos, reconheceu o papel destes mecanismos. O resultado final do Parágrafo 19 (e) foi, assim traduzido para o português:
Diversificar o fornecimento de energia pelo desenvolvimento de tecnologias energéticas avançadas, mais limpas, mais eficientes, baratas e custo-efetivas, inclusive tecnologias por combustíveis fósseis tão quanto tecnologias de energias renováveis, hidrelétricas incluídas, e sua transferência para países em desenvolvimento em termos concessionais de forma mutuamente acordada. Com senso de urgência, aumentar substancialmente a parcela por fontes de energia renovável, com o objetivo de aumentar sua contribuição no fornecimento total de energia, reconhecendo o papel de metas nacionais e voluntárias regionais, assim como iniciativas onde elas existirem, e garantir que políticas energéticas apóiam os esforços dos países em desenvolvimento para a erradicação da pobreza, e regularmente avaliar as informações disponíveis para rever o processo para esse objetivo.
Os grupos contrários foram obrigados a reconhecer o papel das metas para renováveis. Como já existem as da América Latina- Caribe e da União Européia, há espaço para uma iniciativa "Transatlântica", que já está em fase inicial de harmonização. Uma etapa muito importante é a verificação, uniformização e adequação metodológica das estatísticas mundiais de energia.
Outros parágrafos promovem o acesso a serviços de energia confiáveis e baratos para o desenvolvimento sustentado para atingir os Millenium Development Goals ,a eliminação de subsídios danosos aos desenvolvimento sustentado e a convocação aos países para desenvolver e implantar ações dentro do previsto na 9a. Sessão da Comissão de Desenvolvimento Sustentado, CSD-9 .

Conclusões: as lições aprendidas

Um balanço final mostra que, apesar do aparente fracasso nas negociações da WSSD de Joanesburgo, as energias renováveis estão na ordem do dia e são ponto de honra de governos nacionais, entidades ambientalistas e imprensa. O movimento pela energia positiva é irreversível, tanto pela opinião pública quanto pelas pressões sobre os recursos naturais.
As maiores empresas do planeta, inclusive as tradicionalmente poluidoras, alinham-se nessa posição. Da mesma forma se posicionam os governos mais democráticos, que reconhecem suas responsabilidades, questionam as tomadas de decisão sob pressões políticas de grupos de interesse, adotam iniciativas de forma voluntária.
O texto final do Parágrafo 19 (e) sobre metas de energia renovável, apesar de muito aquém da proposta brasileira original, abre espaço para a integração de tais iniciativas. A experiência com o esforço capitaneado pelo Brasil mostrou que o enfoque de metas e prazos é a ferramenta básica, de alta sensibilidade política. Tal enfoque, compensatório e voltado ao mercado, deverá ser cada vez mais aplicado a outros temas, como água, florestas e outros recursos naturais.
As lições de Joanesburgo foram, assim, fundamentais para futuras negociações entre países para equidade social e sustentabilidade ambiental.

 
 
Fonte: SMA – Secretaria Estadual do Meio Ambiente de São Paulo (www.ambiente.sp.gov.br)
Assessoria de imprensa (Oswaldo Lucon e Suani Coelho- SMA/CETESB)
 
 
 
 
 
 

 

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