EXPEDIÇÃO NO PARÁ
CONSTATA QUE PEIXE-BOI AMAZÔNICO
É ITEM DE CAÇA PARA OS RIBEIRINHOS
DO TAPAJÓS
Panorama Ambiental
Pará - Brasil
Setembro de 2002
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Caçado de maneira
predatória desde que a chegada dos primeiros colonizadores
na região, no século XVII, o peixe-boi da
Amazônia está entre os animais selvagens mais
ameaçados de extinção do mundo.
O verdadeiro grau de ameaça
do peixe-boi amazônico(Trichechus inunguis) ainda
é um mistério para os pesquisadores. Para
tentar esclarecer essa situação, um grupo
de estudiosos ligados ao Projeto Peixe-Boi, do Centro Mamíferos
Aquáticos/Ibama, viaja pela região oeste do
Pará em busca de informações que possam
orientar as ações de conservação
da espécie. Depois de percorrer mais de 6.400 quilômetros
ao longo dos rios Solimões, Negro, Purus, Madeira
e parte do Amazonas, no Estado do Amazonas, em 2000, a Expedição
Peixe-Boi da Amazônia encontra-se no rio Tapajós
em busca de sinais da presença do peixe-boi. Até
meados de setembro deste ano serão visitadas mais
de setenta comunidades na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
e na Floresta Nacional do Tapajós, às margens
dos rios Tapajós e Arapiuns. O trabalho na região
tem o apoio do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Avistar o animal é difícil. Já os relatos
de caça feitos pelos ribeirinhos e os afiados arpões
usados na captura do animal podem ser encontrados em praticamente
todas as comunidades por onde passa a expedição.
Em Vila Franca, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns,
o pescador Raimundo Gamboa, 60 anos, diz que aprendeu com
o irmão a arte de caçar o peixe-boi. Ele conta
que a captura requer habilidades especiais, força
e trabalho de, no mínimo, três homens capazes
de dominar o animal. É uma prática que passa
de geração a geração. A caça
ao peixe-boi faz parte da cultura dos ribeirinhos.
Vila Franca é um local emblemático na perseguição
secular ao peixe-boi amazônico. Relatos históricos
registram que somente entre os anos de 1776 e 1778 foram
exportados para a Europa 58 toneladas de carne e 1.613 barris
de gordura de peixe-boi processados na vila que funcionava
como entreposto comercial da época. Com o advento
da indústria do couro na região- entre os
anos de 1935 a 1954 - estima-se que mais de 20 mil animais
foram mortos para abastecer as fábricas de cola,
correias de máquinas, mangueiras e outros subprodutos
do resistente couro do peixe-boi. Dos antigos armazéns
de Vila Franca restam apenas algumas ruínas e a memória
dos tempos em que o peixe-boi era abundante em toda a região.
Atualmente, a caça ao peixe-boi, apesar de proibida
por lei, serve como meio de subsistência para os ribeirinhos
e produto de comércio para o mercado clandestino
que tem em Santarém seu epicentro regional. O quilo
da carne custa, em média, R$ 1,00 na mão de
quem caça. No mercado, o preço pode subir
um pouco.
O extrativista Agostinho de Souza, da comunidade de Maripá,
na Reserva Tapajós-Arapiuns, confirma que o comércio
clandestino da carne do peixe-boi ainda existe na região
mas que acontece apenas "sob encomenda". Com 68
anos, o homem de traços caboclos lamenta não
ter mais a destreza necessária para caçar
o peixe-boi. Para provar sua "valentia", ele exibe
como um troféu o arpão de ferro e a haste
de madeira com que ele ajudou a matar, "só uns
seis" peixes-bois.
Para os ribeirinhos, o peixe-boi representa uma fonte extra
de alimento. Eles atestam que a carne possui sabores distintos:
"uma parte peixe e a outra é boi", explica
a esposa de seu Agostinho, revelando um conhecimento profundo
sobre as técnicas de tratar a carne do animal, mais
uma evidência de que os "seis" peixes-bois
arpoados pelo marido podem ter sido pura modéstia.
Culinária
Sem estar envolvidas diretamente
na captura dos peixes-bois, as mulheres entrevistadas na
comunidade de Arumã - uma das comunidades na rota
da expedição - demonstram grande conhecimento
sobre as formas de "tratar" a carne do peixe-boi.
(Mais uma evidência de que a caça ao animal
ocorre com freqüência.) Se os homens são
os caçadores, as mulheres são as responsáveis
por fazer a carne do animal chegar à mesa. Temperos
amazônicos dão o sabor às receitas para
a carne servida assada, frita ou cozida à moda. Para
conservar a carne durante longos períodos, faz-se
a "mixira", técnica que consiste no armazenamento
da carne pré-cozida na própria gordura do
animal, que também é usada para fritar peixes
e outras carnes. Os ribeirinhos também acreditam
que a fricção da gordura pode curar doenças
como o reumatismo e outras inflamações. Essa
crença é unânime entre os entrevistados.
Desequilíbrio na floresta
A ausência do peixe-boi
lagos e igarapés da Amazônia pode provocar
desequilíbrios capazes de atingir peixes, plantas
e o próprio homem. A alteração afeta
todo o ciclo de vida na floresta onde se caça o mamífero
aquático. Sem predadores naturais, o peixe-boi tem
no homem o seu principal inimigo. Sem saber, o ribeirinho
contribui para o empobrecimento da sua fonte de sobrevivência.
Ao matar o peixe-boi, elimina-se um dos principais agentes
da cadeia alimentar que se forma na água. Herbívoro,
o peixe boi se nutre das plantas aquáticas (aguapés,
murerus e outros capins). Cada animal adulto chega a consumir
até 20 quilos de vegetais por dia. Se o excesso dessas
plantas não for eliminado, elas podem impedir a passagem
de luz para dentro da água e provocar a morte dos
peixes dos quais se alimentam os ribeirinhos.
Da elaboração de sua dieta, o peixe-boi elimina
nutrientes que servirão de base para o crescimento
de fitoplâncton (algas quase invisíveis de
tão pequenas) e zôoplancton (larvas de peixe
e minúsculos crustáceos). Esses elementos
são a base da vida nos rios. Sem eles, toda a cadeia
alimentar - que atinge inclusive o homem - sofrerá
as conseqüências.
Vaqueiros das águas
Um vocabulário muito
comum nos Pampas gaúchos, nas extensas fazendas do
Pantanal ou nos campos das Gerais tem lugar garantido na
fala dos ribeirinhos da Amazônia que praticam a caça
ao peixe-boi. Para eles, a fêmea da espécie
é "vaca", o filhote é "bezerro",
"novilho" ou "vitela", quando fêmea
e "mamote" e "garrote" quando é
macho. O capim e as demais plantas aquáticas que
alimentam o animal são o "pasto". Por analogia,
os caçadores são vaqueiros, só que
nesse caso a montaria são singelas canoas que quase
sempre são arrastadas pela força do animal
ferido na tentativa de se esquivar da morte. Muitas vezes,
os vaqueiros das águas acabam derrubados entre galhos
espinhosos no terrível rodeio que acontece bem longe
dos olhos do público. Na hora do golpe derradeiro,
os peixes-bois estão em desvantagem em relação
ao gado. A morte do mamífero amazônico se consuma
com uma técnica que inclui a introdução
de tornos de madeira nas narinas do animal, às vezes
associada a golpes de porrete nas narinas impedindo a respiração.
O fim é uma agonizante morte por asfixia.
Fonte:
Ibama (www.ibama.gov.br)
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