O secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo, professor José
Goldemberg, foi uma das presenças de maior
destaque na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento
Sustentável, a Rio+10, que se realizou no
período de 26 de agosto a 4 de setembro,
na cidade de Johannesburgo, na África do
Sul.
É dele a proposta de aumento do uso de energias
renováveis para 10% até 2010, tornando-se
o principal protagonista de um embate que reuniu,
de um lado, os países em desenvolvimento
e a União Européia, com alguns diferenciais
como a inclusão de hidrelétricas como
fonte renovável, e de outro os Estados Unidos,
Japão, sem dúvida os maiores poluidores
do mundo, e os países do Oriente Médio,
produtores de petróleo, que viram ameaçada
a sua principal base econômica.
Apesar da proposta brasileira não ter sido
aprovada, Goldemberg salienta que a resolução
extraída ao final das reuniões reconhece
a importância e a urgência de se adotar
as energias renováveis em todo o planeta,
considerando legítimo que os blocos regionais
de países adotem metas e prazos para a implementação
dessas medidas.
O secretário considera alvissareira a decisão
de que o progresso na implementação
de energias renováveis seja revisto periodicamente
pelas Nações Unidas, o que permitirá
reabrir as negociações no próximo
ano, talvez já na Conferência de Cúpula
sobre Estratégias Globais de Energias Renováveis
anunciada pelo chanceler alemão Gerhard Schröder,
onde o "senso de urgência" que a
Rio+10 suscitou deverá marcar as discussões
sobre as fontes renováveis na matriz energética
mundial.
Por isso, Goldemberg entende que,
apesar de no curto prazo os vencedores tenham sido
os interesses comerciais dos Estados Unidos e dos
países do Golfo Pérsico, produtores
de petróleo, a médio prazo, é
lícito afirmar que venceram os proponentes
de metas e prazos para cumpri-los, entre eles o
Brasil e União Européia.
Nesta entrevista, o professor Goldemberg faz um
balanço do que foi a Rio+10, extraindo lições
desse encontro que, apesar da frustração
que causou nos movimentos ambientalistas, aponta
os rumos das negociações sobre a questão.
Qual a sua avaliação
sobre os resultados da Rio+10?
José Goldemberg - A Rio+10 não
produziu os resultados desejados em relação
a metas e prazos. Foi um fracasso neste aspecto.
Mas não é a primeira vez que isso
acontece numa mesa de negociações,
quando se busca formular um tratado. Em 1992, na
Conferência do Rio de Janeiro, fixamos o que
chamamos de "meta light" na formulação
da Convenção do Clima, estabelecendo
que os países signatários deveriam
fazer um esforço para, até o ano de
2000, reduzir as suas emissões aos níveis
de 11000. Mas isso não ocorreu, foi preciso
o Protocolo de Kyoto, cinco anos depois, para estabelecer
metas e prazos.
Cada país, de acordo com o protocolo firmado,
tem uma meta, assumindo a redução
de suas emissões em 7% até o ano de
2008. Quando o protocolo for ratificado, isso vai
virar lei nacional. Só estou fazendo uma
comparação, estabelecendo uma referência
para uma adequada avaliação da Rio+10.
Com a Convenção do Clima foi isso
que ocorreu, isto é, foi preciso que a conferência
de Kyoto estabelecesse uma meta para que cada país
cumpra no período 2008/ 2012. Os Estados
Unidos, por exemplo, têm a meta de 7%. O Brasil,
segundo o Protocolo de Kyoto, não precisa
cumprir metas. Não há metas para países
em desenvolvimento.
Quando fui para Johannesburgo, eu tinha claro que
não deveríamos esperar outros dez
anos para estabelecer metas para o uso de energias
renováveis. É por isso que propusemos
que a conferência de Johannesburgo adotasse
a proposta brasileira que era atingir, em 2010,
a meta de 10% de energia renovável no mundo
todo, de forma que os países pudessem trocar
quotas entre si. O Brasil, por exemplo, que utiliza
mais de 10% de energia renovável poderia
trocar quotas com a Alemanha que está abaixo
desse índice.
O percentual de fontes renováveis de energia
no Brasil é de cerca de 40% da sua matriz,
por causa da energia hidrelétrica. O nosso
país está muito bem nesse aspecto.
A proposta brasileira era atraente, porque era uma
proposta simples que valeria para todos os países
do mundo.
E as outras propostas? Os países
da União Européia tinham opiniões
coincidentes, em alguns aspectos, com a proposta
brasileira...
JG - A proposta da União Européia,
que também preconizava o aumento da participação
de fontes renováveis de energia, era bem
mais complexa que a brasileira. Estabelecia a meta
de 15%, mas aumentaria só 2% até 2010.
Além disso, os 15% de energia renovável
incluiria a biomassa tradicional, ou seja, a biomassa
que se usa largamente na África implicando
o corte de árvores, não constituinto,
portanto, uma prática sustentável.
A proposta brasileira, assim, foi claramente reconhecida
como a de melhor conteúdo. O que houve foi
o seguinte: as metas não foram aceitas, mas
a conferência adotou uma resolução
apoiando os aspectos conceituais, isto é,
faz um apelo para que todos os países se
empenhem para aumentar a participação
das fontes renováveis na matriz energética.
E, complementarmente, reconhece os esforços
dos blocos regionais, constituídos pelos
países latino-americanos e caribenhos, que
apoiaram a proposta brasileira, e a União
Européia, que tem as sua próprias
metas. Se analisarmos por este ponto de vista, podemos
dizer que os resultados alcançados na conferência
representam uma vitória significativa, inclusive
pela linguagem da resolução, em tom
bastante forte, com metas e prazos.
Mas a expressão Rio-10
está circulando com insistência em
alguns setores, que entendem que houve um retrocesso
em relação à Rio 92. O mínimo
que se esperava era o aumento da participação
da energia renovável na matriz. O Sr. concorda
com isso?
JG - Em parte. É claro que todos desejávamos
resultados efetivos desse encontro. Mas devemos
considerar, porém, que a conferência
reconheceu o papel dos blocos regionais. Este é
um aspecto de suma importância, porque o bloco
latino-americano vai seguir em frente. E o presidente
Fernando Henrique Cardoso, na que deve ser a sua
última entrevista, em Johannesburgo, confirmou
a disposição das nações
em desenvolvimento de aumentar a sua participação,
independentemente das nações ricas.
E o presidente foi mais adiante: ele disse que seria
feito um esforço para aumentar as metas do
grupo latino-americano com as metas da União
Européia.
Eu acho que as metas mais rigorosas são as
latino-americanas, mas o presidente declarou que
será organizado, agora, um grupo de trabalho
para harmonizar as propostas. Eu entendo que foi
uma vitória em princípio, mas não
uma vitória que, digamos, resolva a questão
das emissões provenientes da queima de combustíveis
fósseis. No fundo, nós perdemos uma
batalha, mas claramente não perdemos a guerra.
Como aconteciam as reuniões?
JG - Houve dias em que as reuniões se estendiam
até as 2,30 horas da manhã. Algumas
foram muito tensas, delineando a posição
dos blocos que acabaram se opondo à proposta
brasileira. Foram os Estados Unidos e os países
do Golfo, mas não todos os países
produtores de petróleo, porque a Noruega
e Venezuela se posicionaram do nosso lado.
Os países do Golfo usaram o argumento, equivocado
na minha opinião, de que o aumento do uso
de energias renováveis iria diminuir o mercado
de produtos petrolíferos. Eles defenderam
interesses particulares e de curto prazo. Os americanos
argumentaram de forma um pouco mais sofisticada,
recusando unilateralmente o estabelecimento de prazos
e metas. É a política deles. Eles
se comportam dessa maneira também no Tribunal
Penal Internacional.
Mas, na verdade, a proposta de aumentar o uso de
energias renováveis para 10% até beneficiaria
os Estados Unidos, pois reduziria as emissões
de carbono, automaticamente, mesmo sem o Protocolo
de Kyoto que eles, igualmente, se recusam a subscrever.
Metas e prazos poderão
vir a ser estabelecidos num futuro próximo?
JG - O presidente Fernando Henrique, com outros
representantes internacionais, já declarou
que, no próximo ano, ocorrerão novas
reuniões das Nações Unidas
para rediscutir as propostas. A resolução
extraída da conferência de Johannesburgo
diz com clareza que as decisões sobre energia
vão ser avaliadas pela Comissão de
Desenvolvimento Sustentável. Já em
abril ou maio deverá haver uma reunião
dessa comissão, o que dará ao Brasil
a oportunidade de levantar o problema de novo. Eu
espero que não demore cinco ou dez anos como
ocorreu com o Protocolo de Kyoto.
E como o Sr. acha que vão
se estabelecer os diversos grupos de interesse?
JG - O bloco europeu tem um peso considerável
e, segundo a avaliação de seus representantes,
vai acabar convencendo todos os países da
região mediterrânea, ou seja, os países
do Norte da África. Em outras palavras, o
bloco dos países latino-americanos, mais
os do Caribe, junto com o bloco europeu, vai acabar
isolando os Estados Unidos.