A I Conferência de Pajés
do Amazonas, organizada pela Fundação
Estadual de Política Indigenista (Fepi),
teve sua metodologia e condução questionada
pela Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Além disso, abordou temas complicados e de
difícil compreensão para o público
presente.
Denominado "Biodiversidade
e Direitos de Propriedade Intelectual: proteção
e a garantia do saber indígena", o encontro
realizado em Manaus, de 22 a 25 de agosto, tinha
como objetivo discutir formas de proteção
do conhecimento tradicional indígena, mas
acabou surpreendendo alguns dos presentes.
No primeiro dia do evento, promovido pela Fundação
Estadual de Política Indigenista, criada
pelo governo do Amazonas em agosto do ano passado,
foi apresentada aos participantes a "Carta
de Manaus". Tratava-se da proposta pronta e
acabada de um documento final do encontro, que,
entre outros itens, apoiava a implementação
de uma legislação estadual de etnobioprospecção
em terras indígenas e a criação
de um banco de dados sobre conhecimentos tradicionais
nas instituições científicas
do Amazonas, sem qualquer restrição
de sigilo ou confidencialidade.
A proposta inicial da "Carta de Manaus"
tampouco se referia à necessidade de consentimento
prévio e informado por parte das comunidades
indígenas, e em nome das lideranças,
ressaltava a necessidade de proteger a "bioindústria
nacional" contra as investidas das empresas
estrangeiras.
Embora a Fepi alegasse que a proposta estava sujeita
a emendas, o fato provocou reação
por parte da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira -
Coiab -, que de imediato divulgou uma carta de repúdio
ao evento, condenando a prática de imposição
do documento pronto e a metodologia do evento.
A Conferência contou com a participação
de pajés das etnias Tukano, Tikuna, Baniwa,
Hixcariano, Yanomami, de lideranças indígenas
amazônicas e não-amazônicas e
das seguintes instituições: Inpa (Instituto
Nacional de Pesquisas Amazônicas), Ufam (Universidade
Federal do Amazonas), Fepi, Associação
Brasileira de Inteligência (Abin), Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fundação Nacional
do Índio (Funai), Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro (Foirn), o governo do Amazonas, a Organização
Indígena do Baixo Içana (Oibi), o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI),
além da presença da advogada indígena
Fernanda Kaingang.
Traduzir o intraduzível
Como a maioria dos índios
presentes não falava ou entendia o português,
havia tradução nas cinco línguas
das etnias ali representadas. Os palestrantes não-indígenas
falavam sobre questões legais, científicas
e éticas relativas à proteção
dos conhecimentos tradicionais e os tradutores traduziam
da forma como podiam. Muita embora houvesse sessões
de discussão exclusivas entre os índios,
houve pouca interação, pouco espaço
para perguntas e pouco entendimento por parte dos
indígenas presentes.
Variabilidade genética, bancos de germoplasmas,
etnobioprospecção, bioindústria
nacional, cadeia produtiva foram algumas das expressões
que dificultaram o entendimento da maioria dos participantes
ainda que houvesse tentativas de tradução.
Nessa toada, a conferência se estendeu tratando
de temas complexos e pesados. As lideranças
mantiveram-se dispersas e desinteressadas, refletindo
a dificuldade em entender o que estava acontecendo.
Por fim, depois de uma breve e limitada sessão
de emendas à proposta da "Carta de Manaus",
destinada somente aos indígenas, sem possibilidade
de colaboração de não-índios,
e conduzida de forma centralizadora pelo representante
indígena da Fepi, Jorge Terena, a carta foi
aprovada e assinada com poucas - porém importantes
- alterações. As principais foram
a inclusão da exigência de consentimento
prévio e informado, que se deu depois de
muita discussão, e a exclusão do item
que apoiava a criação de um banco
de dados sobre etnobiodiversidade. (Leia a íntegra
da "Carta de Manaus" no final deste texto).
A imprensa do Amazonas cobriu intensamente todo
o encontro e os jornais A Crítica e Diário
da Amazônia publicaram declarações
de Ademir Ramos, diretor presidente da Fepi, nas
quais ele desqualificava a Coiab - instituição
que articula 75 organizações indígenas
e 165 povos indígenas da Amazônia Legal
e que se colocou contra a forma como o evento foi
organizado, recusando-se a participar.
O fato gerou uma carta-resposta da Coiab contra
as declarações de Ramos. Para entender
a polêmica que a Conferência de Pajés
causou, reproduzimos abaixo a "Carta de Manaus"
e a resposta da Coiab às declarações
de Ademir Ramos.
Fernando Mathias Baptista
A Carta de Manaus
Nós, pajés e lideranças
tradicionais indígenas das 12 (doze) etnias
reunidas na I Conferência de Pajés
do Amazonas, realizada no período de 22 a
25 de agosto de 2002, na Fundação
Oswaldo Cruz do Amazonas (FIOCRUZ/AM) e no Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA),
com o apoio do Governo do Estado do Amazonas, por
meio da Fundação Estadual de Política
Indigenista/FEPI-AM, com os objetivos de valorizar
o conhecimento tradicional para o fortalecimento
das culturas indígenas; discutir com especialistas
critérios de participação das
comunidades quanto à repartição
justa e eqiiitativa dos beneficios derivados da
exploração do conhecimento tradicional
associado à biodiversidade e, articular ações
com os Governos Federal, Estadual e Municipal visando
o controle e a proteção do direito
de propriedade intelectual dos povos indígenas.
Considerando que:
1- a Amazônia Brasileira possui um complexo
sistema biológico e cultural, sua área
total é estimada em 5.033.072 km2, destacando-se
o Amazonas, com uma superficie de 1.558.987 km2,
cuja cobertura de florestas naturais encontra-se
preservada em mais de 95% da área original;
2- a população indígena do
Amazonas, atualmente estimada em 120.000 pessoas,
dotada de um valioso capital simbólico, possui
uma sociodiversidade caracterizada pela variedade
de culturas, com 62 povos indígenas, falantes
de 27 línguas e representados por mais de
72 organizações;
3- a Constituição Brasileira de 1988,
no seu Artigo 231 garantiu:
"São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes,
línguas,crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, competindo à
União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens."
4- existem no Brasil 584 Terras Indígenas,
das quais 30% localizam-se no Amazonas, constituindo,
comprovadamente, as áreas mais densamente
florestadas;
Afirmamos que:
1- Os povos indígenas, numa relação
com a natureza e seu meio ambiente, acumularam durante
séculos, conhecimentos sobre a biodiversidade
amazônica, estabelecendo métodos de
investigação no qual observam, comparam,
diferenciam,
experimentam e domesticam espécies de plantas,
desenvolvendo processos de classificação
que lhes permite ordenar, conhecer e explicar a
Biodiversidade existente na região, por meio
de sua tradição, mitologia e outras
formas de circulação de saber;
2- O conhecimento indígena tem contribuído,
direta ou indiretamente, para garantir grande parte
dos avanços na área da saúde,
na produção de alimentos, cosméticos,
dentre outros. Calcula-se que 75% das drogas usadas
em tratamentos médicos têm origem nestas
formas de saber que são atuais, fazendo parte
da vida cotidiana dos povos indígenas, sendo
continuamente repensadas e renovadas a partir de
novas experiências;
3- O conhecimento tradicional indígena tem
valor estratégico não só quanto
aos demais conhecimentos que se encontram sob a
proteção do Estado, mas também
pelos projetos de ponta desenvolvidos pela bioindústria
nacional e estrangeira;
4- A Biopirataria, caracterizada pela expropriação
da etnobiodiversidade, proporciona o enriquecimento
das empresas estrangeiras, inviabiliza a bioindústria
nacional e, por se tratar da apropriação
de um valor estratégico por um outro país,
fere a soberania nacional;
5- A nova concepção de desenvolvimento
da Amazônia, fundamentada na sustentabilidade,
requer a formulação e a adoção
de estratégias de preservação
e desenvolvimento, valorizando a floresta enquanto
natureza viva, sendo resultado de uma relação
cultural e histórica vivenciada pelos povos
indígenas;
6- O Brasil não possui políticas e
leis de proteção do conhecimento tradicional
dos Povos Indígenas. É necessário
sensibilizar a sociedade, os Institutos de Pesquisas,
as Universidades, o Estado e as próprias
Organizações Indígenas, para
a elaboração de políticas públicas
que visem a proteção do conhecimento
tradicional associado à Biodiversidade.
Portanto, exigimos que o Governo do Estado do Amazonas
discuta e defina estratégias de proteção
da etnobiodiversidade, contemplando:
1- A participação de representantes
e organizações indígenas nas
discussões relativas à propriedade
intelectual, no Brasil e no mundo, tanto na elaboração
de leis quanto na criação e implementaçao
das políticas publicas ligadas aos conhecimentos
tradicionais;
2- Uma política pública de proteção
do conhecimento tradicional associado à Biodiversidade,
consonante a uma política de desenvolvimento
sustentável, respeitando as especificidades
dos povos indígenas;
3- A criação de uma instância
de discussão para elaboração
de uma Legislação Estadual, com a
participação de lideranças
e organizações indígenas, que
regulamente a Etnobioprospecção, estabelecendo
diretrizes para o desenvolvimento sustentável
e a proteção do conhecimento tradicional,
compreendendo:
a) Critérios de participação
das comunidades, quanto à repartição
justa e equitativa dos benefícios derivados
da exploração de componente do patrimônio
genético e do conhecimento tradicional associado;
b) Instituição de uma política
para criação de Núcleos, em
cooperação com as comunidades e organizações
indígenas, mobilizando-as para a proteção
do conhecimento tradicional;
c) A exigência de consentimento prévio
e informado das comunidades indígenas sobre
a realização e uso de pesquisas dos
conhecimentos tradicionais, facultada a negação
do acesso destes conhecimentos e dos recursos genéticos
existentes
em seus territórios;
d) Mecanismos de controle, fiscalização
das pesquisas e exploração da Etnobiodiversidade,
visando a proteção dos direitos dos
povos indígenas em defesa da soberania nacional;
4- Capacitar lideranças das comunidades indígenas
para o acompanhamento permanente dos mecanismos
e da legislação que tratam dos direitos
de propriedade intelectual;
5- Articular, com as Universidades e Instituições
de Pesquisas, a criação de Centros
de Estudos do Saber Tradicional Indígena;
6- Estabelecer e consolidar parcerias entre Universidades,
Institutos de Pesquisas, Agências Governamentais
em âmbito Federal, Estadual e Municipal, no
sentido de efetivar uma política de proteção
da Etnobiodiversidade;
7- Criar na Fundação de Amparo à
Pesquisa do Amazonas uma Câmara específica
para a proteção do conhecimento tradicional,
com a participação de lideranças
e organizações indígenas, de
acordo com o item n° 1 das exigências;
8- Incluir, no âmbito dos cursos das Universidades
Públicas e Institutos de Pesquisas, temas
que visem conscientizar os futuros pesquisadores
da importância do conhecimento tradicional
como elemento indissociáve1 do estudo da
biodiversidade amazõnica;
9- Implantar, como programa de especialização
ou pós-graduação das Universidades
Públicas e Institutos de Pesquisas, cursos
de formação para pesquisadores,
que objetivem repassar conceitos e técnicas
necessárias para as pesquisas da biodiversidade
amazônica sem a sua dissociação
dos conhecimentos tradicionais indígenas.
10- Celebrar Projetos de Cooperação
entre os países signatários do Tratado
de Cooperação Amazônica (TCA),
visando a proteção do Conhecimento
Tradicional Indígena associado à etnobiologia
como valor estratégico.
Concluímos que nossas exigências contribuirão
para o reconhecimento do valor Cultural, Social
e Estratégico do conhecimento tradicional,
bem como para a melhoria da qualidade de vida das
populações indígenas do Estado
do Amazonas, podendo a sua implantação
ser um modelo para o Governo Federal e outros Estados,
na proteção legal dos Direitos de
Propriedade Intelectual dos Povos Indígenas.
Encerrando, apoiamos a criação do
Instituto Indígena Brasileiro de Propriedade
Intelectual(INBRAPI) e reafirmamos que somos favoráveis
às diretrizes contidas na "Carta de
Princípios da Sabedoria Indígena",
Brasília, Cidade da Paz,
17 de abril de 1998, na "Carta de São
Luís do Maranhão", de 6 de dezembro
de 2001.
A resposta da Coiab
A COIAB RESPONDE A DECLARAÇÕES
DO PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO ESTADUAL
DE POLÍTICA INDIGENISTA/FEPI DIVULGADAS EM
MANAUS
A Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB),
instância máxima de articulação
de 75 organizações indígenas
e 165 povos indígenas da Amazônia Legal,
vem publicamente rechaçar as acusações
feitas pelo senhor Ademir Ramos, presidente da Fundação
Estadual de Política Indigenista do Amazonas
(FEPI), divulgadas nos jornais Diário da
Amazônia (edição do dia 24)
e A CRÍTICA (edição do dia
27), por meio das quais tenta desqualificar esta
organização.
A postura do antropólogo Ademir Ramos causa
estranheza para a COIAB, pois, nela, o referido
senhor revela desconhecer o papel histórico
desta organização e a sua legítima
constituição. A COIAB possui uma trajetória
de luta de mais de 13 anos, é reconhecida
nacional e internacionalmente, enquanto organização
de índios, criada por índios e para
índios, com instâncias democráticas
- Assembléia Geral, Conselho Deliberativo
e departamentos -, nas quais são discutidos,
amplamente, o seu plano de trabalho, áreas,
políticas e estratégias de atuação.
É por respeito aos povos indígenas
e responsabilidade que esta organização
recorre à opinião pública para
dizer que o Senhor Ademir Ramos, ao tentar atribuir
a esta organização um papel de subserviência
a atores estrangeiros, pretende mesmo é desviar
a atenção do foco dos questionamentos
levantados pela COIAB quanto à forma de condução
da 1ª. Conferência de Pajés, promovida
pelo Governo Estadual, por meio da FEPI, no período
de 22 a 25 deste mês.
Para entender a origem desta polêmica, reproduzimos
os principais trechos da carta enviada pela COIAB
ao presidente da FEPI:
"A COIAB sempre entendeu, e assim foi na prática,
como de suma importância contar com o apoio
dos mais diversos parceiros, identificados direta
ou indiretamente com a perspectiva, os interesses
e aspirações dos povos e organizações
indígenas.
"Para a COIAB toda parceria implica em trabalho
conjunto, o que não tem acontecido, como
no caso da Primeira Conferência dos Pajés.
A FEPI toma iniciativas e elabora documentos sem
antes ouvir os índios. Este tipo de atitude
é contrária aos nossos anseios, não
atende as nossas expectativas, sabendo que o movimento
indígena tem hoje condições
para formular suas próprias reivindicações,
na busca de maior autonomia para os nossos povos.
"A COIAB reitera que estará sempre somando
forças com entidades governamentais e não
governamentais, empenhadas em garantir os nossos
direitos, tendo como base o diálogo franco,
de igual para igual, a transparência e o respeito
aos nossos processos internos de organização
e articulação, direcionados a garantir
a nossa autonomia e demais direitos reconhecidos
pela Constituição Federal."
A posição firme da COIAB e do Projetos
Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI)
em retirar o apoio à Conferência dos
Pajés, planejada a partir da ótica
da direção da FEPI, levou o antropólogo
Ademir Ramos ao jornal Diário do Amazonas,
à página 03, declarar que a COIAB
e o PDPI não estariam participando do evento
por "questões econômicas",
ou seja, "porque essas entidades são
financiadas por uma agência alemã que
tem interesses econômicos no conhecimento
dos povos indígenas", a qual "não
tem interesse que os pajés discutam a proteção
de seu conhecimento milenar".
A carta, resultado de análises internas na
COIAB, respondia, por um lado, ao fato de não
termos sido considerados, enquanto atores sociais,
como co-gestores de um processo que implica na discussão
de questões altamente relevantes para os
nossos povos e comunidades, e por outro lado, a
decisão da FEPI em redigir, antes da Conferência
de Pajés, o documento final do evento, chamado
de "A Carta de Manaus". A COIAB jamais
poderia admitir uma decisão como esta que
configurava falta de respeito e consideração
para com as lideranças indígenas convidadas
à 1ª. Conferência de Pajés.
O documento, na prática da nossa organização,
deveria ser o resultado das discussões e
da compreensão que os líderes indígenas
alcançassem durante o debate de questões
tão relevantes como os da Biodiversidade
e Direitos de Propriedade Intelectual, e não
um produto de laboratório que sutilmente
seria imposto aos participantes.
Essas são as razões pelas que a COIAB
esteve ausente na Conferência dos Pajés,
e não outras, como tampouco foi por falta
de interesse. Se isso for, nossa organização
não teria participado ativamente no processo
de elaboração da Política Nacional
da Biodiversidade, instituída pelo Decreto
Presidencial Nº 4.339, do dia 22 deste mês.
A COIAB lamenta profundamente o ocorrido, visto
que são declarações feitas
por um professor universitário, que se dizia,
até antes deste acontecimento, parceiro da
COIAB e um ardoroso defensor da causa indígena,
mas que hoje tenta negar a própria finalidade
da entidade que dirige, que seria "promover
a política indigenista do Estado, em parceria
com as Comunidades Indígenas e com Entidades
Governamentais e Não Governamentais...".
Quando o Senhor Ademir Ramos declara (A CRÍTICA,
edição de 27), que a "ONG alemã
GTZ coordenou a intervenção na COIAB",
patrocina mais inverdades e ofende a história
de construção da COIAB. A citada agência
é de cooperação técnica
ao PDPI e as parcerias feitas são legalmente
constituídas, transparentes, dentro de critérios
que respeitam a legislação brasileira.
As declarações do senhor Ademir Ramos
prestam serviço aos inimigos históricos
dos povos indígenas, pseudo-nacionalistas,
descontentes com o avanço organizacional
e político do movimento indígena,
e que há mais de uma década vêm
tentando obstruir no Congresso Nacional a aprovação
do Estatuto dos Povos Indígenas, a lei infra-constitucional
que deve regulamentar o reconhecimento dos direitos
originários destes povos. São atitudes
desse nível que contribuem para alimentar
a discriminação e o preconceito contra
os índios no Brasil e, em particular, no
Amazonas.
Sobre o fato de a COIAB e o PDPI receberem recursos
internacionais, ambos o fazem nas mesmas condições
que a FEPI, que em seu Perfil Institucional informa:
"para cumprimento de sua finalidade" promove:
"A captação de recursos financeiros
junto ao Governo brasileiro e órgãos
internacionais, em benefício das comunidades
e em respeito ao meio ambiente." E mais, quem
capta os recursos gerenciados pelo PDPI e a COIAB
é o governo Brasileiro, que tem o apoio do
governo do Estado do Amazonas, ao qual a FEPI pertence.
O PDPI é um componente do Sub-programa Projetos
Demonstrativos (PDA), do Programa Piloto para Proteção
das Florestas Tropicais (PPG-7), desenvolvido pela
Secretaria de Coordenação da Amazônia
(SCA), do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O projeto, que apoia atividades econômicas
sustentáveis nas comunidades, é uma
reivindicação antiga do movimento
indígena articulado na e a partir da COIAB,
e tem a particularidade de ter um gerente indígena,
indicado pela organização, além
de uma comissão executiva paritária
na qual participam oito lideranças indígenas
que têm a incumbência de defender os
interesses dos povos indígenas, papel histórico
da COIAB. Como esse projeto, a nossa organização
tem hoje outras áreas de atuação
que demonstram avanços no nosso processo
organizacional tais como o Conselho dos Professores
Indígenas da Amazônia (COPIAM) e a
Associação de Produção
e Cultura dos Povos Indígenas Yakinõ.
Dizer que o movimento indígena obedece a
outros interesses, é descaracterizar mais
de uma década de lutas e conquistas e querer
que os índios continuem, sob práticas
coercitivas ou sutis, submissos e calados, como
na época da invasão européia
ou nos tempos em que a antropologia, que o Sr. Ademir
professa, surgiu ao serviço de interesses
colonialistas. É, por outra parte, querer
que os índios aceitem passivamente quaisquer
propostas e ir a reboque de quem quer que seja,
esquecendo que hoje as lideranças e organizações
indígenas reúnem condições
para discutir e formular suas reivindicações
e propostas, e definir o rumo de suas lutas.
A COIAB esclarece que não entrará
no jogo de determinadas pessoas e instituições
que, às vezes, parecem mais interessadas
em dividir o movimento indígena. Nada temos
contra os parentes que participaram na 1ª Conferência
de Pajés, nem contra os parentes que trabalham
na FEPI. Todos eles sabem que a COIAB é um
instrumento dos índios, criado pelos índios,
para os índios, em cujos espaços podemos
discutir, sem ressentimentos e ódios, os
problemas, as necessidades e aspirações
dos nossos povos, e inclusive as nossas divergências,
sabendo que acima de todos e de cada um de nós
está o projeto de vida dos nossos povos e
comunidades.
A COIAB quer, com esta carta pública, encerrar
a discussão que, no seu entendimento, não
ajuda na construção de um movimento
indígena fortalecido, a serviço dos
povos indígenas, pelo contrário, tenta
enfraquecê-lo. Reitera que estará sempre
somando forças com entidades governamentais
e não governamentais, empenhadas em garantir
os nossos direitos, tendo como base o diálogo
franco, de igual para igual, a transparência
e o respeito aos nossos processos internos de organização
e articulação, direcionados a garantir
a nossa autonomia e demais direitos reconhecidos
pela Constituição Federal
Manaus, 28 de agosto de 2002
João Neves/Galibi Marworno
Samuel Yriwana/Karajá
Crisanto Rudzö Tseremey'wa/Xavante
Coordenadores em exercício/Coiab