RIO+10 ESTÁ NAS MÃOS
DOS CHEFES DE ESTADO
Panorama Ambiental
Johannesburgo - África do Sul
Agosto de 2002
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Rubens Harry Born, coordenador
da ONG Vitae Civilis foi escolhido o coordenador da delegação
brasileira do Fórum Brasileiro de ONGs, na Rio +
10. A responsabilidade de Born é ser o interlocutor
entre as entidades ambientalistas presentes em Joanesburgo
e os negociadores oficiais brasileiros na conferência.
Em entrevista exclusiva para o Fórum Brasileiro das
Mudanças Climáticas, Rubens Born analisou
a primeira semana da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável,
avaliou o impacto que poderá ter a chegada dos chefes
de Estado à conferência na próxima semana
e sugeriu modificações na maneira como essas
reuniões são organizadas e suas decisões
implementadas. "A conferência tem ainda uma chance,
mas está um cenário muito complicado",
afirmou. Leia a seguir a íntegra da entrevista.
Como o senhor avalia essa primeira semana
da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável?
Tem várias coisas
para serem avaliadas. A logística geral, comparando
com a Rio 92, piorou. Embora lá o forum das ONGs
e as reuniões oficiais no Riocentro fossem distantes,
estava tudo polarizado em dois locais. Aqui está
tudo espalhado em pelo menos cinco lugares, então
fragmenta os contatos, interações e a possibilidade
de a sociedade civil influenciar a reunião oficial.
A participação das entidades do mundo em desenvolvimento
está bem maior que, por exemplo, nas negociações
de mudanças climáticas, o que é bom.
Do meu ponto de vista, as ONG americanas também estão
mais apagadas. Elas costumam ter um lobby pesado, que não
está aparecendo aqui.
Em relação ao conteúdo, surpreenderam
as plenárias oficiais mediadas por Jan Pronk, enviado
especial do Secretário Geral da ONU, Koffi Annan,
onde foram discutidos os temas prioritários da conferência
(água, meio ambiente, habitação, agricultura
e biodiversidade). Tinha participação de representantes
da ONU, governos, ONGs, foi muito interessante. Na discussão
sobre água, a qual eu presenciei, por exemplo, se
chegou a conclusão que a água não é
um bem a ser comercializado, mas um direito humano. Houve
uma mudança de concepção.
O problema aí foi que as discussões das plenárias
não influenciam nas negociações, uma
vez que os negociadores não estavam presentes.
E como estão as negociações?
No geral, o que está
faltando discutir são os papéis das instituições
financeiras como o FMI e Banco Mundial, modificações
nas regras de comércio internacional injustas definidas
pela OMC (Organização Mundial do Comércio),
as crises das dívidas internas e externas, a perda
de confiança na avaliação do sistema
financeiro internacional e as decisões unilaterais
de alguns países sobre regimes multilaterais voltados
à sustentabilidade ambiental, aos direitos humanos
e à paz mundial.
A conferência está cumprindo
seu objetivo de avaliar os avanços da Rio 92 e traçar
um plano de ação?
O plano de ação
que está sendo trabalhado aqui é incoerente
com a avaliação a respeito do não cumprimento
das metas de 92. Essa é uma queixa geral das ONGs:
toda a expectativa era que esse plano deveria ter metas
e recursos para a sua execução. Agora corre-se
o risco de ter poucas metas. Quando tem, não se identifica
os recursos necessários e quem paga a conta.
Está começando a se falar
em metas regionais diferentes para cada bloco de países.
Isso é bom?
É o que chamamos de
mínimo denominador comum, ou seja, nivelar por baixo.
O que vai acontecer, por exemplo, em relação
à discussão sobre energia renovável,
uma das que mais chama a atenção, é
que os Estados Unidos, maiores consumidores de energia não
renovável e, por isso, maiores poluidores, vão
acabar ficando sem meta. Você terá metas levando
em conta a realidade de cada um, mas muitas vezes elas serão
definidas a partir do que já existe, o que não
muda nada.
O Brasil vem sendo apontado como um dos
principais lideres nas negociações. Como você
avalia as posições brasileiras?
O Brasil tem papel chave,
pelo legado da Rio 92, por ser um país megadiverso
(com grande estoque de biodiversidade) e porque se prepara
para esse tipo de reunião internacional, com reuniões
interministeriais e inclusive incorporando reivindicações
da sociedade civil, como ONGs e centrais sindicais. Outro
ponto positivo é o fato de o governo ter inscrito
as ONGs do país como membros da delegação
oficial, o que nos permite assistir às reuniões
onde não poderíamos estar.
O nosso temor é que nas negociações,
para introduzir aquilo que quer, o Brasil acabe abrindo
mão de outras coisas importantes para o país.
O Brasil está se concentrando na discussão
das metas de energia renovável. Nosso medo é
que abra mão de outras coisas valiosas para o país,
como a biodiversidade.
Qual o peso das ONGs nas discussões?
Como elas conseguem influenciar o processo de decisão?
As ONGs se reunem em grupos
temáticos, chamados caucus, para discutir água,
povos indígenas, jovens e vários outros temas.
Com as decisões tomadas nos caucus, cada entidade
volta para tentar influenciar a delegação
do seu país. Dessa forma elas agem de maneira organizada,
buscando influenciar o processo. Outra forma de pressão
são as entrevistas coletivas, onde se busca sensibilizar
a mídia -- o que também resulta em pressão.
Muitas vezes se consegue mudar o rumo das discussões.
As negociações avançaram
pouco até agora. A chegada dos chefes de Estado pode
modificar esse quadro?
Tem o potencial de mudar.
Alguns assuntos onde não houve consenso, como clima,
energia, recursos financeiros, vão ficar nas mãos
dos chefes de Estado. Tem também a questão
da criação de um fundo de combate à
pobreza, que eles vão discutir. Eu espero que a presença
deles aqui tenha o efeito de reverberar na mídia
mundial, concentrando a atenção do planeta
nos rumos da conferência. Mas a possibilidade de os
EUA iniciarem uma guerra contra o Iraque pode ser uma estratégia
de George Bush de desviar a atenção do que
acontece aqui.
Já se pode considerar a conferência
um fracasso?
Está nas mãos
dos chefes de Estado. Estamos mais perto do fracasso que
do sucesso. Tem ainda uma chance, mas está um cenário
muito complicado.
Será que daqui a dez anos vamos
ter uma Rio + 20, onde se vai enfim discutir a questão
de sanções para os países que não
cumpriram com as decisões contidas no documento que
sairá daqui?
Eu não gostaria de
esperar 10 anos para ver as coisas acontecerem. O que é
necessário é uma reforma das Nações
Unidas e dessas negociações, para discutir
a questão das sanções. Tem muita hipocrisia
nas discussões, pois alguns países são
progressistas defendendo alguns pontos, mas não querem
saber de discutir aspectos onde são fracos.
Esta conferencia está mostrando que o processo de
discutir essas questões e implementar soluções
precisa ser modificado. O desafio do século 21 é
avaliar os 50 anos da ONU e discutir a governança
internacional. Isso significa ver como são tomadas
as decisões em termos mundiais, como são cumpridas,
quem avalia. Para que isso seja possível, cada país
precisa pagar um pouco, abrindo mão de cotas de sua
soberania.
Fonte: Ministério do Meio Ambiente (www.mma.gov.br)
André Muggiati |