Carta de Rio Claro aos presidenciáveis
Senhores postulantes ao cargo de Presidente da
República do Brasil:
Reuniram-se em Rio Claro, São
Paulo, tendo como palco a Floresta Estadual "Edmundo
Navarro de Andrade", administrada pelo Instituto
Florestal da Secretaria Estadual do Meio Ambiente,
de 18 a 21 de setembro de 2002, especialistas
reconhecidamente expressivos na gestão
dos recursos florestais tanto na área de
produção quanto da conservação.
Por unanimidade, a sessão plenária
do seminário, realizado como marco do centenário
do primeiro movimento de mobilização
da sociedade em defesa dos recursos naturais no
Brasil - o Dia da Árvore celebrado em 07
de junho de 1902 na cidade paulista de Araras
-, aprovou um conjunto de sugestões vitais
e prioritárias, que submetemos à
Vossa Excelência, na expectativa de que
elas venham a ser inseridas na agenda governamental
da próxima administração,
a ser instalada na alvorada de 2003.
A adoção das medidas propostas a
Vossa Excelência significará uma
ação digna dos verdadeiros estadistas,
na medida em que elas estarão respaldando,
para as atuais e futuras gerações,
o direito à qualidade de vida, ao emprego,
à dignidade e ao bem-estar dos cidadãos
brasileiro. Tais propostas representam, um compromisso
inalienável para com o dever da cidadania
e embutem, sem sombra de dúvida, um sentido
extremamente patriótico.
1. Transformar a Floresta Estadual
"Edmundo Navarro de Andrade" em referência
nacional para pesquisas e desenvolvimento ambientais
de florestas plantadas e ecossistemas autóctones.
2. Criação da
Agência Nacional de Florestas para cuidar
e normatizar, exclusivamente, o desenvolvimento
e produção floresta, rompendo, dentro
do conceito atual globalmente praticado, a dicotomia
entre produção e conservação
florestal.
3. Florestas plantadas, com
todos os seus bens e serviços à
coletividade, serão compreendidas como
sistemas florestais em toda a sua abrangência
funcional: água, clima, biodiversidade,
ciclos biogeofísicos e biogeoquímicos,
distingüindo-as, dessa forma, da agricultura
tradicional.
4. O Brasil caminha sem retrocesso
para e tornar uma importante potência florestal
mundial, mas impõe-se buscar modelos que
possibilitem incorporar pequenos e médios
produtores rurais no mercado setorial, através
de políticas públicas que conduzam
à democratização dos bosques
plantados.
5. O Congresso Nacional e o
Executivo, em regime de urgência urgentíssima,
precisam resgatar o Projeto de Lei da Senadora
Marina Silva, já aprovado pelo Senado Federal
em 1998; a medida possibilitará o efetivo
controle da biopirataria e ensejará a defesa
e desenvolvimento dos recursos genéticos
da nossa biodiversidade.
6. Em todas as instâncias,
municipal, estadual, nacional e internacional,
urge promover tratativas para resgatar a proposta
brasileira, formulada em Joanesburgo, no sentido
de que a matriz energética planetária
utilize, no mínimo, 10% de energia limpa
renovável, excluindo a opção
nuclear.
7. Na mesma linha de raciocínio,
as tratativas internacionais devem postular a
inclusão, como crédito de carbono,
da redução de 15 a 20% do desmatamento
da Amazônia, à qual se obrigaria
o Governo Brasileiro.
8. Definir mecanismos e Políticas
Públicas para as comunidades tradicionais
e indígenas participarem da proteção,
acesso e usufruto dos recursos genéticos
imobilizados na nossa biodiversidade, dentro do
princípio básico de que não
há biodiversidade sem a sócio-biodiversidade,
uma vez que referidas comunidades detêm
o conhecimento e competência requeridos.
9. Promover, no território
nacional, o fortalecimento em todas as esferas,
da ciência e tecnologia que possibilitem
ao País transformar-se em potência
florestal em nível mundial.
10. Urge retomar taxas de reflorestamento
compatíveis com as necessidades dos setores
de base florestal, tais como celulósico-papeleiro,
siderúrgico, moveleiro e de processamento
mecânico, para que o país continue
girando saldos positivos em sua balança
de comércio, evitando os riscos do denominado
"apagão florestal".
11. Que os conhecimentos gerados
através do SIVAM e SIPAM sejam democratizados
e efetivamente repassados à sociedade civil,
livre de ônus e peias burocráticas,
para que se possa ter um efetivo controle da ocupação
do espaço amazônico.
12. Tendo em vista a escassez
e má distribuição da água
potável no Brasil e no mundo, torna-se
necessário o fortalecimento democrático
das instâncias que planejam e implementam
as ações em recursos hídricos.
É necessária a aceleração
com qualidade dos processos educativos formais
e informais que ampliem a consciência humana
sobre os riscos da falta de água, recurso
estratégico do milênio, para a vida
no planeta.
13. O Brasil deve buscar respostas
orçamentárias e outros mecanismos
que garantam recursos financeiros necessários
para recuperação e administração
democrática dos recursos hídricos.
A iniciativa privada, as organizações
não-governamentais e todas as instâncias
de governo devem ser convocadas a participar,
se responsabilizando pela recuperação
dos recursos hídricos nacionais e internacionais.
14. Os planos e ações
referentes aos temas ambientais de nossas riquezas
e bens naturais, devem ter abordagens transdiciplinares
e integradas como condição indispensável
para que sejam alcançados os objetivos
técnicos e políticos da distribuição
da riqueza. Água, energia e biodiversidade
devem ser abordadas para garantir o presente e
o futuro da vida em nosso planeta.
Rio Claro, 21 de setembro de
2002
Manifesto de Rio Claro
Um planeta doente gera filhos doentes: uma parte
dos habitantes vitimada pela enfermidade do consumismo,
enquanto outra, incluída no rol de exclusão
social, sem acesso aos bens mínimos para
uma vida digna. Isso ocorre neste raiar do Novo
Milênio.
Nós aqui reunidos em Rio Claro, na comemoração
do Centenário da Primeira Festa da Árvores
realizada no Brasil, assumimos o solene compromisso
de resgatar o direito à vida e à
dignidade humana desta sociedade planetária.
A recente Reunião da Cúpula Mundial
realizada em Johannesburgo, na África do
Sul, em agosto de 2002, avaliou os Protocolos
Internacionais lançados na Reunião
das Nações Unidas para o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992.
Esta reunião também chamada de Rio+10
corre o risco de tornar-se letra morta se ações
concretas não forem implementadas nos países
signatários. Mais uma vez os Estados Unidos
da América do Norte adotaram teses retrógradas,
desconsiderando as ameaças ambientais a
que toda a humanidade vem se expondo em função
de uma economia ecologicamente não sustentável
e excludente para a participação
da grande maioria da população do
globo.
É indispensável o resgate do espírito
do Dia da Árvore, realizado pela primeira
vez no Brasil, na cidade de Araras em 1902, inspirado
no "Arbor Day" adotado nos Estados Unidos
a partir de 1872. Nos Estados Unidos, essa comemoração
vinha insuflar novo alento à sociedade
americana, restaurando a proteção
e o uso racional das florestas com a sensibilização
da consciência pública através
do plantio de árvores.
Temos que nos espelhar naquele período
negro da sociedade americana quando a ação
dos maus políticos possibilitava a destruição
de suas florestas pelos interesses privados e
corporativos, quando o ministro do Interior, que
administrava as reservas florestais, chegou às
barras do tribunal. E foi essa revolução
que alimentou o espírito que hoje mantém
a importante rede de Unidades de Conservação
e de Áreas de Produção Florestal
naquele país.
No Brasil, o espírito do "Arbor Day",
materializado há um século na "Festa
Anual das Árvores", foi inspiração
de Alberto Löfgren, primeiro diretor do Instituto
Florestal do Estado de São Paulo, dando
alento às pessoas que lutam pela causa
florestal e pela preservação da
biodiversidade brasileira. Esse foi o primeiro
movimento de consciência cidadã pela
proteção de seus bens naturais,
reunindo em praça pública educadores,
intelectuais, literatos, políticos, a juventude
e os órgãos de comunicação.
Aqui, o espírito do "Dia da Árvore"
reverteu não somente a atitude das companhias
ferroviárias, que passaram da fase de devastação
para a do plantio de florestas de produção,
mas também induziu a criação
de Parques, Reservas e Florestas Estatais, que
só no Estado de São Paulo já
se aproximam de 1 milhão de hectares. Esta
Floresta Estadual Edmundo Navarro de Andrade nasceu
no bojo do movimento do "Arbor Day".
• Foi também daqui de
São Paulo, do Instituto Florestal, que
saíram as sementes para reverdecer a Hiroshima
destruída pelo holocausto nuclear da 2ª.
Grande Guerra.
• E também dessa Instituição
saíram as plantas para arborização
do eixo monumental de Brasília, símbolo
do desvendamento do Planalto Central, que pretendia
quebrar as barreiras entre Estados desenvolvidos
e subdesenvolvidos, com restauração
da eqüidade e da moralidade públicas.
• Das fileiras do Instituto
Florestal saíram os homens que redigiram
o primeiro Código Florestal de 1934 e o
de 1965. Também dele saíram membros
que ajudaram a redigir a Agenda 21 e subsidiaram
a Conservação da Diversidade Biológica,
dois protocolos aprovados na Reunião da
Rio 92.
• Foi o secretário do
Meio Ambiente de São Paulo, da pasta que
abriga o Instituto Florestal, o autor da proposta
brasileira em Johannesburgo, de aumento do percentual
de energia renovável na matriz energética
mundial.
Este seminário de Rio
Claro deve ser o agente de uma nova empreitada,
agora na materialização dessa nova
tese onde as florestas terão papel fundamental
na efetivação do Protocolo de Kyoto,
de redução dos gases geradores do
efeito estufa.
Aqui estão reunidos, além do Instituto
Florestal, o setor empresarial florestal e outras
instituições de pesquisa dessa área,
além das respectivas corporações
e da juventude universitária que representa
a garantia de continuação desse
ideal.
O Brasil não pode deixar passar a oportunidade
dessa reversão na sua história.
Temos um papel relevante a desempenhar na participação
dos recursos mundiais para salvamento do planeta
e um exemplo a dar na América Latina.
Vamos nos alinhar para salvar a rica diversidade
biológica com que fomos privilegiados no
Brasil, proteger nossas reservas de águas
superficiais e subterrâneas e criar recursos
materiais e divisas para nosso país, aumentando
a oferta de empregos, com a implantação
também de florestas de proteção
e estrutura de turismo ambiental, aumentando a
consciência cidadã, pela continuidade
da vida no Planeta.
Rio Claro, 21 de setembro de
2002 - ano 2 do novo milênio;
502 anos do Descobrimento do País, que
recebeu nome de árvores - o Pau-Brasil;
180 anos da Independência Colonial de Portugal,
a primeira independência possível;
10 anos da reunião das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
a Rio 92, compromisso internacional para salvamento
do Planeta;
100 anos da Primeira Festa Anual das Árvores,
um grito de alerta como sentinela avançada.