Considerada a unidade de conservação
de maior biodiversidade já estudada na Amazônia
Brasileira, o Parque Estadual Cristalino, localizado
no norte do Mato Grosso, na divisa com o Pará,
poderá ter sua área reduzida por projetos
legislativos estaduais. Para evitar que isso aconteça,
foi lançada a campanha SOS Parque Cristalino
Não bastassem as fortes
pressões antrópicas que o Parque do
Cristalino vêm sofrendo há pelo menos
dois anos, traduzidas por invasão de suas
fronteiras pela pecuária e por desmatamentos
promovidos por assentamentos de terra em áreas
adjacentes, um novo tipo de ameaça ronda
o parque. Duas mensagens do governo do Mato Grosso
e um Projeto de Lei do deputado Nico Baracat (PSB)
propõem redução entre 42 e
46% da área total do parque, de 184.900 hectares.
As propostas legislativas são resultado de
reivindicações de proprietários
de terra que se consideram prejudicados pelo processo
de regularização fundiária
promovido pelo Estado para a ampliação
da Unidade de Conservação. O Parque
foi criado em 2000 e ampliado em 2001.
Entretanto, as medidas legislativas têm sido
criticadas por organizações ambientalistas
da região e também por alguns parlamentares.
"A maior parte das terras tem escrituras sob
suspeita e muitas são objeto de ações
judiciais. O próprio Intermat (Instituto
de Terras do Mato Grosso), sob nova direção,
não reconhece mais os acordos fechados anteriormente
com os supostos proprietários", disse
Sérgio Guimarães, coordenador do Instituto
Centro da Vida (ICV), organização
integrante do comitê da campanha SOS Parque
Cristalino.
A principal crítica, no entanto, recai sobre
a ameaça à riquíssima biodiversidade
local. Estudo para fundamentar o Plano de Manejo
do parque, encomendado pelo Programa de Desenvolvimento
do Ecoturismo na Amaznia Legal (Proecotur), constatou
que existem pelo menos 515 espécies de aves,
sendo 50 endêmicas (exclusivas daquela área),
43 espécies de répteis, 29 de anfíbios,
16 de peixes e 36 espécies de mamíferos.
Isso garante ao Parque Cristalino a maior biodiversidade
entre todas as UCs já estudadas na Amazônia.
Antes mesmo da divulgação do estudo
em 17/10, o parque já era considerado fundamental
para o Proecotur, pois além da biodiversidade,
o ecoturismo é uma atividade crescente na
região. O programa governamental já
havia garantido US$ 20 milhões do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) para a estruturação
do parque, mas a instituição financiadora
informou que irá rever o investimento, caso
a área da UC seja reduzida.
As propostas de redução
No início deste ano, o
então governador Dante de Oliveira enviou
duas mensagens para a Assembléia Legislativa
de Mato Grosso propondo a diminuição
de 76.400 hectares ou 42% da área total do
parque. A justificativa da proposta era eliminar
a área transformada em pasto para depois
adicionar áreas intactas, podendo até
ampliar o perímetro total. Durante o processo
de discussão das mensagens, o deputado Nico
Baracat (PSB) apresentou um projeto de lei que também
propunha a redução da área
protegida em 84.418 hectares ou 46% do total.
"Eles aproveitaram o período eleitoral
para colocar o projeto em votação,
apesar dos nossos pedidos em contrário",
disse o deputado estadual Gilney Viana (PT) a respeito
do PL que foi aprovado em 15/10. Durante cerimônia
de criação de três novos parques
estaduais, no último dia 12/11, o atual governador,
José Rogério Salles (PSDB), garantiu
que não irá sancionar a lei. Com isso,
está sendo discutido na Assembléia
Legislativa do Mato Grosso, com a participação
de ambientalistas e proprietários de terra,
um novo projeto para solucionar o impasse. A primeira
audiência pública a respeito aconteceu
em 07/11, sem ter chegado a uma posição
comum. Nesta semana, a Comissão de Terras
e Meio Ambiente da Assembléia, a Fundação
Estadual do Meio Ambiente (Fema), o Intermat e o
Proecotur estarão reunidos para discutir
o assunto.
A intenção dos ambientalistas é
que a questão seja resolvida antes do início
do governo de Blairo Maggi. Conhecido como "rei
da soja", o empresário eleito governador
afirmou durante sua campanha que as questões
ambientais não poderiam atrapalhar o desenvolvimento
do Mato Grosso.
Prioritário para a Conservação
O Parque do Cristalino faz parte
da região denominada "Rio Teles Pires"
pelo Seminário-consulta de Macapá,
realizado em setembro de 1999, em Macapá.
A área foi considerada prioritária
para a conservação, uso sustentável
e repartição de benefícios
relativos à biodiversidade da Amazônia.
O Seminário Consulta de Macapá (AP)
foi o ponto culminante do projeto Avaliação
e Identificação de Ações
Prioritárias para a Conservação,
Utilização Sustentável e Repartição
dos Benefícios da Biodiversidade na Amazônia
Brasileira. Na época, cerca de 200 especialistas
identificaram as 385 áreas prioritárias
para a conservação e uso sustentável
da biodiversidade na Amazônia Brasileira.
Conforme o resultado final publicado no livro "Biodiversidade
na Amazônia Brasileira", a região
do Rio Teles Pires tem extrema importância
biológica e ecológica e está
sujeita a fortes pressões antrópicas.
No quesito instabilidade, a região recebeu
o grau 10, classificação máxima.
O estudo recomendou como principal ação
para a conservação da área
a criação e implementação
urgente de UCs, como o Parque Cristalino.
Além de abranger cinco ecossistemas ainda
intactos - floresta de terra firme, floresta estacional,
igapó, varjões e afloramentos rochosos
-, o parque protege a Bacia do Cristalino, importante
manancial da região norte do Mato Grosso.
Campanha SOS Cristalino
Para impedir que o Parque Cristalino
seja reduzido, 36 organizações não-governamentais
e instituições de pesquisa se uniram
para lançar a campanha SOS Parque Cristalino.
O objetivo é esclarecer ao público
a importância da UC e pressionar o governo
e a Assembléia Legislativa do Mato Grosso
para que não reduzam seu perímetro.
Em paralelo, o Instituto Centro de Vida (ICV) mantém
trabalhos de conscientização da importância
do parque na área de entorno e regiões
próximas, que são ocupadas por pequenos
e grandes agricultores e comunidades indígenas
Kayabi, Kayapó e Panará.