Depois de
17 anos, a TI, situada no norte do Maranhão,
está sendo fisicamente demarcada. Em 27/08,
deste ano, o juiz federal José Carlos Madeira
determinou que a Funai iniciasse os trabalhos de
campo em 45 dias
A decisão tomada pelo juiz
Madeira, da 5ª Vara Federal, em São
Luiz, é o resultado de um processo iniciado
pelo Ministério Público Federal, que
pediu a demarcação física da
reserva, além de outras ações.
E veio antes da sentença que o mesmo juiz
anunciou que proferirá até o final
do ano, referente a uma ação cautelar
movida pela empresa Agropecuária Alto Turiaçu
contra a Funai, que tramita desde 1992, reivindicando
a posse de 37 980 hectares situados na terra Awá.
Segundo a revista Caros Amigos, a empresa pertence
ao grupo Schahin Cury, conhecido principalmente
por empreeendimentos imobiliários e responsável
pelas obras de construção civil e
infra-estrutura do Sistema Integrado de Vigilância
da Amazônia (Sivam).
A notícia da demarcação chega
em boa hora para a campanha Os Awa-Guajá
querem viver, promovida por diversas entidades,
pela demarcacão da TI Awá. Com 118
mil hectares, localizada no norte do Maranhão,
a TI está entre outras duas Terras Indígenas
que os Guajá compartilham com outros índios,
já demarcadas e homologadas. São elas:
a TI Alto Turiaçu, com 530 mil hectares e
a TI Caru, com 172 mil hectares. Com a demarcação
da TI Awá, forma-se uma área contínua
de extrema importância na defesa das terras
e dos povos Awá-Guajá que as habitam
contra ocupações e invasões.
O reconhecimento teve início na década
de 1980, mas ficou parado por conta da forte oposição
de fazendeiros, madeireiros e posseiros que ocupam
a área desde a década de 1950, quando
foi construída a Rodovia BR-322 que liga
a cidade de Santa Inês e Imperatriz e a Ferrovia
Carajás que transporta minérios do
sul do Pará até São Luiz do
Maranhão.
O atual presidente da Funai, Artur Nobre Mendes,
informa que os trabalhos de campo devem terminar
no final do ano. Os recursos para a demarcação
vieram da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), porque
a TI está localizada na área de influência
da estrada de ferro Carajás. A Vale do Rio
Doce tem interesse em que a demarcação
seja feita rapidamente, pois este foi um dos compromissos
que assinou por conta de um empréstimo junto
ao Banco Mundial.
O acordo entre a CVRD e a Funai, no valor de R$
246.004,43, foi publicado no Diário Oficial
da União em 07/11/02 e deverá vigorar
por seis meses, a partir de 08/10/02, ou até
o fim da execução definitiva da demarcação.
Campanha
A campanha Os Awá-Guajá
querem viver foi iniciada em maio de 2002 pela ONG
inglesa Survival International, revista Sem Fronteiras
e o Instituto Ekos para a Equidade e a Justiça,
dos missionários combonianos do Nordeste,
com o apoio da revista Caros Amigos, do Conselho
Indigenista Missionário, da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara Federal e da
Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
O símbolo da campanha é um cartão
postal produzido por seus organizadores. Cerca 40
mil exemplares foram distribuídos e encaminhados
ao Ministério da Justiça, pedindo
a demarcação da TI.
A TI Awá é considerado um dos mais
graves casos de esbulho de terra indígena
na Amazônia Legal e a demarcação
não se concretizava por força do poder
econômico da Agropecuária Alto Turiaçu
que se valia de ações judiciais.
Enquanto isso, aumentam o desmatamento e a ocupação
da terra por não índios tornando insuportável
a pressão sobre os Guajá.
A história da TI Awá
A presença dos Awá Guajá na
região do alto Rio Caru e afluentes do rio
Gurupi é conhecida desde 1835 através
de um Relatório do Presidente da Província
do Maranhão. A informação foi
confirmada por outros estudos de viajantes e por
velhos índios Guajajara que coabitam a região.
Esses dados fazem parte de um estudo da Funai sobre
a terra dos Guajá.
O decreto do então presidente Jânio
Quadros, que criou em 1961 a Reserva Florestal do
Gurupi com 1.674.000 hectares, veio confirmar as
terras indígenas na região. O decreto
tem um artigo que diz: "Dentro do polígono
da Reserva Florestal serão respeitadas as
terras de índio, de forma a preservar as
populações aborígenes, de acordo
com preceito constitucional e a legislação
específica em vigor, bem como os princípios
de proteção e assistência aos
silvícolas, adotados pelo Serviço
de Proteção aos Índios".
Em 1982, foram homologadas as TIs Alto Turiaçu
(para os Kaapor, Tembé e Guajá) e
Caru (Guajajara e Guajá). Em 1985, a Funai
iniciou os estudos de identificação
da TI Awá para os Guajá. Elas estão
localizadas no perímetro da Reserva Florestal
formando uma continuidade com a Reserva Biológica
do Gurupi, criada no dia 12 de janeiro de 1988,
que revogou o decreto de Jânio Quadros.
As pressões sobre a TI
Awá
Desde 1985, quando foi identificada
pela Funai, com 232 mil hectares, a TI Awá
teve delimitações diferentes. Em maio
de 1988, uma portaria interministerial nº 76
declarava de posse permanente dos Guajá,
147.500 hectares, ou seja, diminuiu a área
considerada pela Funai. Em setembro do mesmo ano,
outra portaria interministerial, a de nº 158,
revogava a portaria 76 e declarava de posse permanente
indígena, 65.700 hectares. Em maio de 11000,
a portaria nº 448 interditou 18. 1000 hectares
contínuos aos 65.700 hectares, totalizando
84.450 hectares. Finalmente, depois de reduções
e acréscimos, a extensão da TI Awá
foi declarada pela portaria do então ministro
da Justiça, Celio Borja nº 373, de 27/07/1992,
com 118.000 hectares.
Essas alterações de extensão
revelam as pressões que o procedimento dermacatório
da terra dos Guajá sofreu, e que continuou
após a última declaração
de posse permanente indígena.
Segundo informações contidas em documentos
da Funai, em outubro de 1992, a Cia Agropecuária
Alto Turiaçu obteve liminar favorável
em Mandado de Segurança impetrado contra
a Portaria n.373/MJ/92 que lhe permitiu permanecer
na TI Awá.
Em fins de 1994 foi iniciado o trabalho de demarcação
física da TI Awá, com base na portaria
373/92. Porém, a equipe que realizava o trabalho
foi impedida por moradores da região de continuar
a demarcação. Por falta de segurança
o trabalho foi suspenso.
Em 1996, a partir da publicação do
Decreto 1775/96 que insere no procedimento demarcatório
a possibilidade de contestação de
pessoas físicas e jurídicas, a Agropecuaria
Alto Turiaçu contestou a TI alegando que
sua propriedade havia sido atingida. Entretanto,
a contestação foi considerada improcedente
pela Funai e pelo ministro Nelson Jobim.
A reportagem da Caros Amigos afirma que em 1999
havia 240 ocupações na TI Awá,
cadastradas pela Fundação Nacional
do Índio (Funai), Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) e o Instituto de
Terras do Maranhão (Iterma).
Ainda de acordo com a Caros Amigos, o representante
da Agropecuária Alto Turiaçu, Cláudio
Azevedo Donizete, afirma que adquiriu o imóvel
do Iterma, um órgão estadual, e de
outros proprietários. Terras Indígenas,
entretanto, pertencem à União. O histórico
descrito acima não deixa dúvidas sobre
isso.