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VALE DO
RIBEIRA RENASCE NA MÃO DOS PALMITEIROS
Panorama Ambiental
São Miguel Arcanjo (SP) – Brasil
Agosto de 2003
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A exploração
indiscriminada do palmito-juçara (Euterpe
edulis), durante décadas um dos maiores problemas
sócio-ambientais do Vale do Ribeira, região
mais pobre do Estado de São Paulo, está
agora sendo combatida de forma eficaz e até
inusitada. Iniciativa inédita da Fundação
Florestal, em parceria com o Instituto Florestal,
está transformando palmiteiros ilegais em
verdadeiros protetores da natureza. Com o apoio
dos técnicos dos dois órgãos
da Secretaria do Meio Ambiente, moradores do bairro
rural Rio Preto, no município de Sete Barras,
criaram e cuidam de três viveiros com mudas
de palmeira juçara e outras espécies
nativas da Mata Atlântica. A intenção
é repovoar áreas de floresta degradadas
pelos palmiteiros, em especial dentro do Parque
Estadual Carlos Botelho, e posteriormente promover
o manejo sustentado e a comercialização
do palmito.
A idéia de criar um viveiro de mudas nasceu
com os próprios moradores do bairro Rio Preto,
um dos maiores focos de extração clandestina
de palmito, retirado de dentro dos limites do Parque
Estadual Carlos Botelho, onde ainda resta a maior
porção de palmeiras-juçara
da região. “Muitos aqui sobreviviam da coleta
clandestina. Como o palmito-juçara está
cada vez mais difícil de se encontrar, a
cada dia eles tinham que se embrenhar mais e mais
dentro da mata e viviam sendo perseguidos pela polícia”,
revela Olímpio Rosa da Silva. Aos 69 anos,
ele exerce uma liderança natural dentro de
sua comunidade e desde 1998 oficializou e preside
a Associação do Desenvolvimento Comunitário
do Rio Preto. A intenção inicial da
associação era repovoar terrenos antes
destinados ao plantio de banana, espécie
exótica, mas ainda de grande importância
para a economia do Vale do Ribeira.
Trabalho
em conjunto
Foi então
que o Instituto Florestal e a Fundação
Florestal resolveram unir forças com os moradores
do bairro. Nesse esforço conjunto, o Instituto
ofereceu a infra-estrutura do parque estadual para
a instalação do primeiro viveiro.
A Fundação responsabilizou-se pela
orientação técnica e mobilização
dos moradores. A prefeitura de Sete Barras também
colaborou, promovendo melhorias nas estradas de
acesso ao bairro e oferecendo o transporte de terra
e adubo orgânico. No primeiro ano de atividade,
o viveiro do Parque Estadual Carlos Botelho produziu
dez mil mudas que repovoaram áreas de Mata
Atlântica degradadas no entorno do bairro
Rio Preto.
A parceria deu tão certo que, a partir de
2001, mais dois viveiros de mudas foram criados,
desta vez no próprio bairro Rio Preto. Mais
instituições se animaram a colaborar
para o êxito do projeto. No mesmo ano, a convite
da Secretaria do Meio Ambiente, uma equipe da embaixada
britânica visitou a comunidade de Sete Barras
e acabou por doar R$ 80 mil para o projeto. Em 2002,
foi a vez da concessionária de estradas SP-Vias
também firmar parceria com a associação
de moradores de Rio Preto. A empresa encomendou
a produção de 36 mil mudas de várias
espécies nativas para reflorestamento de
áreas do Parque Estadual Carlos Botelho,
onde estão sendo realizadas obras de duplicação
da rodovia que liga Itapetininga a Itapeva.
Com o bom resultado do plantio de mudas, cada uma
das famílias que trabalharam na produção
e repovoamento do parque recebeu R$ 2 mil da SP-Vias.
“É muito mais do que ganha um palmiteiro
em um ano inteiro de extração indiscriminada”,
informa Wagner Gomes Portilho, analista de recursos
ambientais da Fundação Florestal e
um dos responsáveis pelo treinamento técnico
dos moradores. Para ele, além da remuneração
justa, a educação ambiental promovida
pelo projeto tem sido muito importante. “O caminho
entre transformar um palmiteiro clandestino em repovoador
é longo e delicado. Nossa preocupação
é preservar a autonomia da comunidade, mas
estaremos sempre fornecendo todo o apoio técnico
necessário”, diz o analista da Fundação
Florestal.
Atualmente, mais de 50 pessoas, entre homens, mulheres
e crianças, trabalham nos três viveiros,
sob regime de mutirão, participando de todas
as fases de produção: coleta de sementes,
plantio e manutenção das mudas. As
cerca de vinte espécies nativas cultivadas
– além do juçara, guapuruvu, castanha,
gerivá, embaúba e espécies
ornamentais como o suiná – são vendidas
para fazendeiros da região, empresas de regularização
ambiental e para a própria SP-Vias. “A produção
de cada um dos associados é controlada diariamente.
Quem trabalha mais ganha mais”, resume o presidente
da associação de moradores do Rio
Preto.
Fim da clandestinidade:
uma nova vida
Um dos mais animados
com a nova vida é Vitório Henrique
Faria. Nascido há 63 anos em Sete Barras,
figurava entre os inúmeros palmiteiros ilegais
da região. “A fábrica de palmitos
onde estava empregado fechou as portas. Para sobreviver,
subia a serra todas as noites para cortar palmitos.
Era uma vida difícil”, reconhece Vitório.
Por aproximadamente dez anos trabalhou na clandestinidade
para sustentar a esposa e sete filhos. “Cheguei
a ficar 17 dias comendo de graça na prisão”,
brinca Vitório, que há quatro anos
tem como fonte de renda a produção
de mudas.
A melhoria na qualidade de vida dos moradores do
Rio Preto pode ser notada logo que se chega ao bairro.
Muitas das casas dos trabalhadores estão
sendo reformadas e até ampliadas por conta
do dinheiro da produção e venda das
mudas. Mas não é só da comercialização
de plantas que a comunidade pretende sobreviver.
A Fundação Florestal vai incentivar
também o manejo sustentado e o beneficiamento
do palmito-juçara. “Antes é preciso
atingir 300 hectares de repovoamento na região
e deixar que as árvores alcancem o tempo
necessário de maturação para
viabilizarmos uma fábrica de beneficiamento
do palmito”, sonha o presidente da Associação
do Desenvolvimento Comunitário do Rio Preto,
Olímpio Rosa da Silva. Por enquanto, cerca
de 100 hectares já foram reflorestados nos
arredores do bairro Rio Preto e dentro do Parque
Estadual Carlos Botelho.
Há quem não tenha paciência
de esperar e opta por plantar outras espécies
de crescimento mais rápido, como o palmito
do açaí, oriundo do Norte do Brasil,
e o palmito-real, de origem australiana. Mesmo assim,
a maioria dos moradores da região está
consciente da importância do juçara
para a floresta. Eles estão reconhecendo
que é preciso preservar a Mata Atlântica
para que ela possa sustentá-los pelo resto
de suas vidas. “Além de ser espécie
nativa, o juçara tem mais qualidade e maior
valor comercial”, explica Olímpio.
Derrubando
barreiras
A última grande
barreira comportamental que os técnicos do
Instituto Florestal e da Fundação
Florestal se orgulham de ter superado com o projeto
de replantio de mudas foi a mudança de mentalidade
da população com relação
ao vizinho Parque Estadual Carlos Botelho, que faz
divisa com as cidades de Sete Barras, Capão
Bonito, São Miguel Arcanjo e Tapiraí.
Criado em 1982, o parque preserva mais de 37,6 mil
hectares de Mata Atlântica onde vivem diversas
espécies de fauna e flora. Mas sempre foi
visto pelos moradores da região como um inimigo,
um verdadeiro entrave, uma vez que é proibido
explorar economicamente suas terras. “O projeto
mudou essa imagem, incentivando a aproximação
e envolvimento da comunidade com o parque. O primeiro
passo foi convidar professores da rede estadual
de ensino que lecionam na comunidade a visitar periodicamente
o Núcleo Sete Barras”, informa o diretor
do parque, José Luiz Camargo Maia. Deu certo.
Os professores passaram a divulgar o parque para
seus alunos e freqüentemente têm proferido
palestras para os adultos.
Outra frente a ser atacada foi a segurança.
A vigilância foi redobrada, visto que o parque
é alvo constante da investida dos palmiteiros
ilegais. “Recentemente chegamos a apreender duas
mil unidades de palmitos. Em 1998, tivemos uma emboscada
aqui dentro, quando um dos vigias foi morto a tiros.
Desse dia em diante aprendemos a trabalhar com mais
segurança”, explica Maia. Os vigias conhecem
todas os meandros do parque e agem lado a lado com
a Polícia Militar equipados com coletes à
prova de bala. “Também mudamos nosso comportamento.
O trabalho dos fiscais, que antes era apenas o de
repreender os palmiteiros clandestinos, agora é
também tentar reeducá-los”, conta
o diretor do parque.
Para Maia, os resultados que estão sendo
obtidos pelo projeto desenvolvido pelo Instituto
e pela Fundação Florestal se devem
ao reconhecimento das principais necessidades da
população que mora no entorno do parque.
“É papel do Estado dar o suporte necessário
à comunidade. Acredito que todas as unidades
de conservação também têm
esse dever”, conclui.
Fonte: Agência Imprensa Oficial
Afonso Capelas Jr.