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CÂMARA
VOTARÁ PROJETO DE LEI DA MATA ATLÂNTICA
NO PRÓXIMO DIA 3 DE DEZEMBRO
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Novembro de 2003
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Grupo de Trabalho
criado pelo Presidente da Câmara, deputado
João Paulo Cunha, para propor um texto final
ao Projeto de Lei em tramitação desde
1992 chega a um “quase-acordo”. Agora é preciso
definir o que é Mata Atlântica. Enquanto
isso, Cunha já determinou: a votação
será em 3/12, com ou sem acordo.
Depois de três
reuniões e duas audiências públicas
ocorridas nesta semana, ambientalistas, poder executivo
federal e ruralistas “avançam” para um acordo
sobre o Projeto de Lei - PL nº 3.285 de 1992,
que regulamenta o uso e a conservação
da Mata Atlântica. Só falta definir
o que é Mata Atlântica. Se não
houver definição no texto do projeto
de lei, toda a luta de mais de uma década
pela conservação do Bioma poderá
ser comprometida. Vale lembrar que a aprovação
do PL é uma prioridade da ministra do Meio
Ambiente, Marina Silva. No dia 24/11, a Rede de
ONGs da Mata Atlântica enviou carta ao presidente
Lula, solicitando seu apoio para garantir a aprovação
do projeto.
Durante as negociações, foi esclarecida
a principal dúvida colocada por parlamentares
da bancada ruralista de Santa Catarina e Paraná
sobre a aplicação da lei. Trata-se
da aplicação ou não das limitações
de uso das propriedades rurais hoje ocupadas com
agricultura, dúvida esta que impediu a votação
do PL inúmeras vezes colocado na pauta do
Plenário. Com a sugestão de acolhimento
da Emenda nº 77 do deputado Nelson Marquezelli
(que integra a bancada ruralista na Câmara
dos Deputados), fica claro que o PL regulamenta
o uso e conservação dos remanescentes
florestais, ou seja, não se aplica às
áreas já convertidas, que ficam regulamentadas
pelo Código Florestal no que diz respeito
à recuperação das reservas
legais e das áreas de preservação
permanente.
Outro “avanço” nas negociações
foi o tratamento diferenciado dos remanescentes
florestais secundários em estágio
inicial em relação aos remanescentes
em estágio médio e avançado
de regeneração. Os remanescentes em
estágio inicial serão objeto de critérios
simplificados para autorização de
desmatamento e deixarão de integrar o disposto
no artigo 11 do PL, que veda a supressão
de vegetação secundária quando
esta se localiza no entorno de unidades de conservação,
ou forma corredores entre remanescentes e protege
mananciais, espécies em extinção
ou áreas com excepcional valor paisagístico.
Essa emenda ao projeto de lei foi proposta pela
bancada do PFL (Partido da Frente Liberal), pelo
deputado Luiz Carreira e acatada pelo grupo sob
o argumento de que tanto o Código Florestal,
como a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação
já estabelecem instrumentos para a salvaguarda
dessas áreas pela via da criação,
recuperação ou conservação
de áreas de preservação permanente,
de zonas de amortecimento e ou dos corredores ecológicos
previstos nas referidas Leis (nº 4.771/65 e
nº 9.985/00).
No que se refere aos remanescentes florestais de
Mata Atlântica em áreas urbanas ou
metropolitanas, o avanço nas negociações
deu-se no estabelecimento de limites percentuais
à supressão de vegetação
em estágio médio e avançado
de regeneração, além das restrições
para a supressão de vegetação
que abrigue espécies em extinção,
proteja mananciais, entorno de unidades de conservação,
conecte remanescentes em estágio avançado
de regeneração ou proteja área
com excepcional valor paisagístico. A emenda
acatada pelo grupo foi proposta pelo deputado Ricardo
Izar de São Paulo, uma das lideranças
da bancada ‘urbanística” na Câmara
dos Deputados.
Definição
de Mata Atlântica está no Decreto 1000
Mas apesar disso,
um pequeno detalhe pode significar o maior retrocesso
na história da proteção da
Mata Atlântica. A Confederação
Nacional da Agricultura (CNA)defende que a Mata
Atlântica limita-se à floresta ombrófila
densa, que cobre apenas a Serra do Mar e algumas
áreas na Zona Costeira. Tanto o Governo Federal,
por meio do Ministério de Meio Ambiente,
como os ambientalistas sustentam o conceito aprovado
pelo Conama – Conselho Nacional de Meio Ambiente,
pelo corpo técnico do Ibama e do Ministério
de Meio Ambiente e defendido pela maioria absoluta
dos principais botânicos, biólogos
e ecólogos do Brasil.
O Secretário de Biodiversidade e Florestas
do Ministério do Meio Ambiente, João
Paulo Capobianco, sustentou enfaticamente, em audiência
pública e durante as reuniões, que
a posição inequívoca do governo
federal é por manter o que está em
vigor no Decreto 1000, que define a Mata Atlântica
como um mosaico de ecossistemas associados, dentre
eles: Floresta Ombrófila Densa, Floresta
Ombrófila Mista, também denominada
de Mata de Araucárias, Floresta Ombrófila
Aberta, Floresta Estacional Semidecidual e Floresta
Estacional Decidual, bem como os manguezais, as
vegetações de restingas, campos de
altitude, brejos interioranos e encraves florestais
do Nordeste. Este “detalhe” da negociação
pode retirar da proteção legal e constitucional
nada menos do que 75% da vegetação
nativa remanescente.
Segundo André Lima, do Programa de Política
e Direito Socioambiental do ISA, essa negociação
somente representará um real avanço
político e jurídico no sentido do
uso sustentável e da conservação
da Mata Atlântica após a definição
do conceito de Mata Atlântica, que será
discutido em reunião de líderes na
próxima terça-feira, dia 2 de dezembro.
“É óbvio que a negociação
só vale se o conceito adotado for o que está
em vigor hoje, do contrário é melhor
nem votar a lei e ficarmos com o Decreto 1000, pois
não será um avanço para a sociedade
brasileira e para a Mata Atlântica, mas um
evidente e inadmissível avanço sobre
o que restou de Mata Atlântica no Brasil.”
A versão aprovada em dezembro de 1999, pela
Comissão do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias
da Câmara dos Deputados, que tem por competência
apreciar o mérito e, portanto, a abrangência
do PL, adotou a conceituação completa
de Mata Atlântica, conforme sustenta o MMA
e que foi acatada pela Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) quando da sua aprovação
por esta comissão em 2002.
O relator do grupo de trabalho, indicado por João
Paulo Cunha, deputado Wilson Santiago, do PMDB da
Paraíba, deve fechar seu relatório
antes da reunião de líderes que definirá
o impasse sobre o conceito de Mata Atlântica
na próxima terça-feira.
Ao longo destes quase 12 anos de debate sobre o
Projeto de Lei nº 3.285 na Câmara dos
Deputados, foram desmatados aproximadamente 1 milhão
de hectares da Mata Atlântica, área
que supera o que está protegido no Bioma
por meio de Unidades de Conservação
em posse do poder público. Os remanescentes
de vegetação nativa de Mata Atlântica
cobrem hoje menos de 8% do Bioma original, o que
representa 1,12% do território nacional.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristiane Fontes