 |
FALA DA
MINISTRA MARINA SILVA NA ABERTURA
DA CONFERÊNCIA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE
Panorama Ambiental
Brasília (DF) – Brasil
Novembro de 2003
|
 |
"Aprendi
que há dois tipos de problemas na administração
pública: os urgentes e os importantes. A
tendência geral da administração
pública brasileira era atender as urgências,
ocupar-se com o dia-a-dia, dar respostas pontuais,
buscar resultados imediatos e, principalmente, fazer
ações que tivessem impacto na opinião
pública. Enquanto isso, as importâncias
iam ficando para depois. O passivo de problemas
estruturais e a indefinição em questões
estratégicas eram sempre empurrados para
os governos futuros.
O governo do Presidente Lula preocupou-se, desde
o início, em recuperar a capacidade de planejamento
do Estado brasileiro. Por isso, sem descuidar das
questões imediatas e dos problemas do dia-a-dia,
buscamos reservar tempo e dedicação
às questões estratégicas e
às ações estruturantes.
Essa Conferência tem esse caráter.
Ela busca aperfeiçoar a política ambiental
brasileira para que tenha a dimensão do Brasil
e que considere a importância estratégica
do nosso país para o futuro do mundo. Nunca
é demais repetir as quatro diretrizes que
definimos para as ações do Ministério:
-
A
primeira delas é o desenvolvimento sustentável.
Meio Ambiente não é um entrave ao
desenvolvimento, é a garantia de um desenvolvimento
adequado. A floresta, o pantanal, os rios, o mar,
nada disso impede o Brasil de desenvolver energia,
indústrias ou transportes, de gerar empregos
e moradia, de distribuir renda e justiça
social. Ao contrário, a natureza é
a fonte de todas essas riquezas. Só precisamos
aprender a fazer as coisas de modo adequado, a
tomar os cuidados necessários, a seguir
as leis e a ouvir a voz do bom senso. O Ministério
do Meio Ambiente tem, por exemplo, investido,
por meio do seu Programa Nacional de Meio Ambiente,
na implementação de projetos demonstrativos
de desenvolvimento sustentável, com base
nos princípios da gestão ambiental
descentralizada e da indução do
uso sustentável dos recursos naturais.
Podemos também citar o Programa Amazônia
Sustentável que está sendo construído
em parceria com o Ministério de Integração
Nacional, os Governos Estaduais e a Sociedade
Civil, e que dará novo contexto às
ações do Programa Piloto para as
Florestas Tropicais do Brasil.
-
A
segunda diretriz é o que chamamos de transversalidade.
Os professores de todo o Brasil estão bem
acostumados com essa palavra, que pode parecer
estranha para a maioria das pessoas. Eles conhecem
os conteúdos transversais da Lei de Diretrizes
da Educação. O Meio Ambiente é
um deles, porque não está preso
a uma disciplina mas deve ser ensinado em todas
elas. Ou seja, a consciência ambiental do
aluno desenvolve-se junto com o aprendizado de
ciências, matemática, geografia etc.
Da mesma forma queremos que seja compreendido
pela sociedade brasileira e situado nas ações
do governo: não como a preocupação
exclusiva de um setor, um Ministério, mas
como um componente de todos os setores. A política
ambiental do governo deve estar no Ministério
dos Transportes, da Agricultura, de Minas e Energia,
em todas as ações de todos os setores.
É nesse sentido que o Ministério
do Meio Ambiente tem trabalhado, e tem tido boa
receptividade nisso, para a construção
de agendas bi-laterais com esses ministérios.
Dessa forma, poderemos planejar a infraestrutura
pensando desde o princípio nas questões
socioambientais e não mais somente quando,
uma vez o projeto pronto, o Governo tiver de submetê-lo
ao processo de licenciamento ambiental. Essa nova
forma de atuar está expressa na decisão
de Governo de se rever as propostas da hidrelétrica
de Belo Monte, do Gasoduto Urucu/Porto Velho ou
ainda nas discussões em torno do asfaltamento
da BR 163. Nossos programas dialogam também
com o Fome Zero e introduzem também a idéia
de um Sede Zero. Não podemos nos dar ao
luxo de ver projetos importantes embargados na
Justiça por não termos sido capazes
de planejá-los de forma a atender a legislação
do país. E, além das agendas bilaterais,
eu não poderia deixar de citar o Grupo
Interministerial de Trabalho sobre o Desmatamento
e a elaboração do Projeto de Lei
sobre Biosegurança que enviamos ao Congresso
Nacional com uma posição de consenso
do Governo.
-
Nossa
terceira diretriz é o fortalecimento do
Sistema Nacional de Meio Ambiente. O SISNAMA não
é apenas um conjunto de instituições
e órgão públicos. É
o espaço no qual a participação
da sociedade se materializa por meio dos Conselhos
de Meio Ambiente. E esse conjunto é o principal
guardião das leis, dos procedimentos e
dos conhecimentos sobre o ambiente que o Brasil
acumulou nas últimas décadas. É
por isso que demos regularidade e construímos
uma Agenda comum com Estados e Municípios
através da Comissão Tripartite Nacional
e que estamos aqui nessa Conferência criando
as tripartites estaduais. É por isso que
gostaríamos que essa Conferência
se consolidasse como uma instância do Sistema
Nacional de Meio Ambiente e que passasse a ter
regularidade, como lugar privilegiado de construção
da Agenda Nacional de Meio Ambiente.
-
E
isso nos leva à nossa quarta diretriz que
é o controle e a participação
social. Acreditamos que cuidar do Brasil não
é tarefa apenas do governo, mas do povo
inteiro. A participação não
é apenas um direito da cidadania, mas um
dever constitucional. Não elegemos um governo
para depois cruzar os braços e ficar esperando
dele todas as soluções. Nesse contexto,
o MMA tem valorizado e investido no bom funcionamento
do Conselho Nacional do Meio Ambiente, CONAMA,
espaço já consagrado de participação
e controle social do SISNAMA. Além disso,
reformulou, de forma ampliar a participação,
o Conselho Nacional de Recursos Hídricos,
a Comissão para o Desenvolvimentno Sustentável
e Agenda 21, o Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético e criou a Comissão Nacional
da Biodiversidade, a Comissão do Programa
Nacional de Florestas, além dos GTs da
Mata Atlântica e do Cerrado. E já
estamos em fase de formação do GT
da Caatinga.
A
realização desta Conferência atende
a todas essas diretrizes, especialmente as duas últimas,
controle e participação social e fortalecimento
do SISNAMA. É um momento especial de participação
do povo brasileiro na definição de uma
política ambiental. Foi preparada em todos
os estados, com participação, na sua
versão adulta, de cerca de 60.000 pessoas,
envolvidas nas Conferências Regionais, nas Pré-
Conferências e nas Conferências Estaduais,
resultando em mais de mil delegados que aqui estão,
investidos de grande representatividade. A versão
infanto-juvenil, por sua vez, envolveu cerca de 16.000
escolas - em torno de 6 milhões de estudantes,
professores e familiares. As questões que essa
Conferência vai tratar surgiram nas diversas
regiões do país. São os problemas
vividos pelo povo brasileiro nas grandes cidades,
nos campos, no litoral, no cerrado, nas florestas.
Suas propostas serão as propostas do povo brasileiro
para cuidar do Brasil.
Ao mesmo tempo, ela fortalece o SISNAMA e, dessa forma,
a capacidade do Estado de administrar as questões
ambientais com um instrumento moderno e eficaz. Por
tudo isso a Conferência é importante.
Mas existe nela também uma dimensão
simbólica, para além da estruturação
do Estado e das políticas públicas:
ela é o maior esforço até agora
realizado de definir uma nova relação
do povo brasileiro com a natureza. Desde o início
da formação deste país, mantivemos
uma relação dúbia: louvamos a
natureza em prosa e verso, exaltamos a beleza e a
riqueza de nossa terra, onde, segundo o hino nacional,
os campos tem mais flores e os bosques tem mais vida;
mas, ao mesmo tempo, destruímos 93% da Mata
Atlântica, desertificamos o Nordeste, poluímos
os nossos rios, avançamos de forma avassaladora
sobre o Cerrado e estamos ameaçando a integridade
da Amazônia de forma preocupante.
É chegada a hora de tomar consciência
da realidade, sair da esquizofrenia que opõe
o romantismo naturalista ao pragmatismo economicista.
No seu discurso de posse, no Congresso, o presidente
Lula disse uma frase histórica: “este é
o momento do encontro do Brasil consigo mesmo”. De
fato, no que diz respeito ao Meio Ambiente, chegou
o momento em que o povo brasileiro se encontra com
sua própria natureza. Nesse encontro, toma
consciência de suas riquezas e potencialidades,
mas também dos erros e omissões que
se acumularam nestes cinco séculos de formação
de nossa nação. Enfim, o encontro do
Brasil consigo mesmo nos revela a extensão
de nossos problemas e da nossa responsabilidade. Neste
momento, devemos afastar de nossa consciência
qualquer ilusão de facilidade, qualquer desejo
de soluções mágicas, qualquer
tentação de fazer ações
espetaculares. Da mesma forma, devemos afastar o desânimo,
o desespero de achar que os problemas não têm
solução, a mediocridade do administrativismo
que vai empurrando os problemas para mais adiante.
É hora de cuidar.
O rumo que tomarmos hoje definirá nosso futuro.
E não apenas o nosso, mas o do planeta em que
vivem 6 bilhões de pessoas. Para o Brasil,
é óbvia a necessidade de ir além
do fracos resultados de implementação
de tudo o que é discutido na esfera internacional.
Governantes, políticos, sociedade civil organizada
e cidadãos comuns estão saturados com
a grande profusão de acordos, convenções
e organizações que se mostram inefetivos
e incapazes de responder às expectativas que
se avolumam em torno deles. Não é por
acaso que a sensação de muitos dos delegados
presentes à Cúpula de Joanesburgo foi
de fracasso. Mas uma Conferência como a que
estamos realizando traz, consigo, a perspectiva otimista
de que o Brasil possa assumir um papel de protagonismo
internacional, ao estabelecer políticas públicas
concretas e factíveis que se traduzam na implementação
dos diversos compromissos internacionais por nós
assumidos. Isso constitui o que venho chamando ‘liderar
por exemplos’, o que nos posiciona de maneira diferenciada
nos foros internacionais e nos permite exercer uma
forma de “constrangimento ético” sobre as outras
nações e grupos regionais que, a despeito
de estarem muito mais capacitados para isso do que
os países em desenvolvimento, não partilham
desse mesmo esforço. Para isso estamos iniciando
duas conferências, uma delas reunindo a próxima
geração, os cidadãos do futuro.
Para encerrar: uma visão do futuro. Só
conseguiremos enfrentar e vencer as dificuldades que
a realidade nos apresenta se o nosso sonho for mais
forte que esta realidade. E a História está
cheia de sonhadores que ousaram fazer com que seus
sonhos fossem mais fortes e maiores que a realidade:
Martin Luther King, Ghandi, Chico Mendes, Mandela,
José do Egito. Foi com esses sonhos e por esses
sonhos que deram o melhor de suas vidas, realizando
neles os mais belos exemplos da História. Como
que mostrando aos realistas que, se existe uma realidade
a ser aceita, é o fato de que sempre foram
os sonhadores que mudaram e preservaram o que há
de melhor em todo o mundo, em todos os momentos".
Fonte: Ibama (www.ibama.gov.br)
Assessoria de comunicação
|