Panorama
 
 
 

OS TRANSGÊNICOS EM DISCUSSÃO NA UNICAMP E NA USP

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003

Campinas sediou na semana passada o I Fórum Internacional de Biotecnologia e dos Organismos Geneticamente Modificados, dedicado a questões como legislação, aspectos econômicos e restrições às pesquisas. O norte-americano Jeffrey Smith, autor do recém-lançado Seeds of Deception - uma abordagem crítica do posicionamento do governo norte-americano e das indústrias multinacionais em relação aos transgênicos -, que esteve presente a uma audiência ontem (30/10) na Câmara dos Deputados, participou do debate na USP, onde concedeu uma entrevista ao ISA.
A Universidade de Campinas (Unicamp) vivia um começo de tarde tranqüilo na última quinta-feira, 23/10: a Rádio Muda tocava o programa "Quando Fala o Coração"; as pessoas almoçavam ouvindo bossa-nova ao redor da Praça Central; estudantes de projetos de extensão acampavam no espaço da lanchonete Subway em protesto contra a retomada de sua sala, pela reitoria; acontecia a primeira feira de livros com 50% de desconto no Ginásio Multidisciplinar.
Não muito distante dali, o clima era outro no Centro de Convenções, onde diversos especialistas discutiam calorosamente durante o I Fórum Internacional de Biotecnologia e dos Organismos Geneticamente Modificados, promovido pela empresa-júnior AlphaBio. Elaborado com o objetivo de permitir a observação de vários ângulos da questão, o evento cumpriu com seus objetivos; houve quem falasse em favor da precaução, houve quem não visse problemas na liberação.
De um modo geral, todos se posicionam a favor das pesquisas de biotecnologia. Para o professor Mohamed Habib, diretor do Instituto de Biologia da Unicamp, o governo "pisou na bola" com a edição das Medidas Provisórias que atropelaram a legislação vigente e liberaram a comercialização e o plantio de soja transgênica no país nas últimas duas safras. Como chegou a ser dito nos debates, o princípio da precaução está baseado na premissa "sempre que temos dúvidas, temos que pesquisar mais".
Para Habib, devemos aprender com os erros do passado. Como exemplo, citou o caso do DDT, utilizado em larga escala durante a Revolução Verde dos anos 60 e apelidado de 'o milagroso', por seus efeitos na agricultura. "O seu inventor ganhou o Prêmio Nobel, para que a humanidade depois descobrisse que o DDT é cancerígeno, possui um efeito tóxico amplo e deixa um resíduo com efeito prolongado. Hoje, baniu-se os organoclorados. Vários cientistas perderam a ponta do dedo por causa do uso do Raio-X para tirar a chapinha do dente sem proteção. Inteligente é aquele que aprende com os erros da história; ingênuo, quem aprende com o seu próprio erro."
O professor vê uma mudança de paradigma nas discussões científicas atuais: "Historicamente, a ciência possui três etapas. Investimento científico inicial, como transformar a descoberta em um produto agronômico e como estabelecer a prova de sua biossegurança. Sempre investiu-se nas duas primeiras e deixamos o tempo mostrar a terceira etapa - ela ficou para a vida real. Isso nós não queremos mais, e a Constituição é bem clara neste sentido".
Já Marcelo Menossi, professor do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp, fez duras críticas ao que considera desinformação por parte de ONGs e dedicou seu tempo a 'desmistificar' algumas questões relacionadas aos transgênicos. Dentre os mitos, estariam o da produtividade desigual entre uma semente não-modificada e uma transgênica, a transferência de transgenes de resistência a antibióticos para bactérias da flora intestinal e a morte das borboletas Monarca em plantações de milho geneticamente modificado dos Estados Unidos.
Menossi ressalta a diminuição no uso de agrotóxicos devido ao cultivo de plantas resistentes, citando como exemplo o caso da China, onde, de acordo com estudo publicado na revista Science, houve uma redução de 125 milhões de quilos de herbicida nas lavouras de algodão transgênicos entre 1999 e 2001. Ele avalia que "existe um sério risco de o Brasil ficar nas mãos de multinacionais e, quanto mais restrições para as pesquisas, melhor para as multinacionais".

Desenvolvimento de pesquisas

O problema do acesso às pesquisas foi outro tema abordado durante o fórum. A pesquisadora Siu Mui Tsai, do Centro de Energia Nuclear da Agricultura, avaliou que as universidades estão participando cada vez menos dos debates e das pesquisas sobre biotecnologia, perdendo terreno para as empresas privadas. Ela fez um panorama sobre os pedidos de autorização para a comercialização tramitando na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A grande maioria das requisições está concentrada em duas espécies, soja e milho, e 99,8% dos pedidos estão relacionados a genes modificados que são resistentes ou a insetos ou a herbicidas.
E como fica o pesquisador nessa história? Tânia Zucci, pesquisadora associada do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e membro da CTNBio, falou sobre os custos para a avaliação de danos à saúde para os transgênicos: "devemos buscar novos tipos de pesquisa, porque no caso de alimentos, fazê-las é praticamente impossível. Deve-se usar animais para o teste e levamos três anos para obter resultados. Cada dose aplicada em um animal custa US$ 300 mil e são precisos 10 mil animais para se fazer este teste, sendo que, a cada novo transgênico, um novo teste deve permitir a sua verificação. Não há testes validados suficientes para todos os transgênicos que já estão no mercado".
Ernesto Paterniani, professor aposentado da Esalq/USP, afirmou: "os requisitos para se fazer pesquisas no Brasil são tantos que nenhuma empresa pública vai ter dinheiro para cumprir requisitos. Só as privadas vão ter". A resposta não viria naquele fórum, mas em outro evento, o Seminário Internacional Transgênicos no Brasil , promovido em São Paulo pela USP, pela Academia Brasileira de Ciências e pela International Union of Food Science and Technology, entre os dias 27 e 29/10.
No seminário, Rubens Nodari, da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), falou que a questão está sendo resolvida. Segundo ele, a Resolução 305 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que licencia as áreas para experimentos com transgênicos, foi aprovada no meio do ano passado, mas só foi regulamentada em junho deste ano. Quando saiu a primeira instrução normativa, a Embrapa foi contatada para testar se as exigências eram cabíveis ou não. Devido às dificuldades, o MMA criou um Grupo de Trabalho específico para a questão. "Esta semana, o departamento jurídico do Ibama está pensando em eliminar uma séria de requisitos que são do licenciamento clássico para exatamente facilitar a vida das instituições de pesquisa. Na próxima semana, possivelmente, sairá uma nova instrução normativa para essas licenças."

O não-acesso à informação

É possível que qualquer pessoa não pertencente à comunidade científica ficasse surpreso com alguns dados apresentados durante as discussões. Ao falar sobre a questão da rotulagem, Alda Lerayer, do Instituto de Tecnologia de Alimentos, discorreu sobre a ocorrência de microorganismos geneticamente modificados não só em alimentos, mas em muitos outros produtos à venda: "95% de todos os produtos nos supermercados hoje possuem pelo menos um derivado direto ou substâncias com OGMs. Se fôssemos falar em rotulagem, esses produtos também teriam de ser rotulados. Oitenta porcento dos queijos produzidos no mercado mundial são feitos com a enzima quimosina, clonada de célula de bezerro, e a maioria dos produtos lácteos contém altos níveis de bactérias viáveis. Embutidos, carnes, biscoitos, molhos, sopas, todos são produzidos por organismos geneticamente modificados. Acidulantes, corantes, espessantes e óleos essenciais ou têm transgênicos ou são geneticamente modificados. Chutando por baixo, pelo menos 70% dos alimentos já disponíveis no mercado também contêm pelo menos um derivado de soja ou do milho. Até a calça jeans é feita com uma enzima geneticamente modificada; isso já é feito desde o início da década de 1980. Isso sem falar em sabão em pó, detergentes - todos têm enzimas produzidas por OGMs. Além disso, toda insulina feita no Brasil é feita com bactéria transgênica".
A pesquisadora considera que os riscos de uso ou produção de transgênicos são mínimos, porque não introduzem propriedades, só acentuam propriedades já existentes. "As enzimas produzidas por OGMs já estão no mercado há mais de 20 anos. Quinze laboratórios internacionais fazem análise de plantas e, até hoje, não há nenhum relato de problemas em humanos." Este último dado foi questionado por Jeffrey Smith, diretor-fundador do Institute for Responsible Technology.
Flávia Londres Cunha, integrante da campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, mostrou em sua apresentação documentos liberados na justiça norte-americana pela ONG Alliance for Bio-integrity, após sete anos de briga contra o governo. "Os documentos mostram que a deliberação sobre transgênicos nos Estados Unidos foi política, sendo que vários técnicos do FDA [Food and Drug Administration - órgão responsável pela questão] se opuseram à liberação e, em 1992, o órgão proibiu seus pesquisadores de se manifestar em público." Ou seja, não houve transparência na decisão.
Para Jeffrey Smith, do Institute for Responsible Technology, há uma possibilidade plausível de que os transgênicos possam causar danos à saúde. Riscos como problemas nutricionais ou alergias não seriam necessariamente óbvios ao criador do alimento e teriam de ser testados caso a caso.
Smith conta a história de um estudo preliminar, coordenado pelo bioquímico britânico Arpad Pusztai entre 1995 e 1998 no Rowett Institute for Agriculture, no Reino Unido, abruptamente interrompido após a descoberta de indícios de que o processo de introdução de uma lectina não prejudicial a humanos em batatas (GNA), por modificação genética, poderia ter causado danos em ratos. Os dados sobre a pesquisa foram informados à imprensa de forma errada pelo diretor do instituto, Phillip James, que estava sendo cotado pelo primeiro-ministro Tony Blair, conhecido por ser pró-biotecnologia, para planejar um órgão equivalente ao FDA norte-americano na Inglaterra, só que para lidar apenas com a questão dos alimentos. Depois que Pusztai corrigiu os dados publicamente, ele foi proibido de se manifestar à mídia sobre suas descobertas e teve negado o acesso a todos os seus dados, por vários meses.
Jeffrey Smith apurou que, logo após aquela aparição na mídia, Tony Blair fez duas ligações ao diretor do instituto. Tempos depois, uma reportagem denunciou que a multinacional Monsanto havia feito um pagamento de 40 mil libras esterlinas ao mesmo instituto antes do pesquisador ser demitido. Quando Pusztai finalmente pôde falar em público e teve acesso a seus dados, circulou seus estudos, revisado e apoiado por 23 cientistas. Os resultados também foram publicados na renomada revista científica Lancet, que os defende até hoje. Todas essas informações estão no livro que Smith lançou no mês passado, Seeds of Deception (em uma tradução possível, Sementes do Engano) – veja a entrevista de Jeffrey Smith ao ISA.

A questão econômica

O representante do Ministério da Agricultura, Sávio Rafael Pereira, se dedicou a quebrar os 'mitos econômicos' envolvendo a soja transgênica. Pereira deixou bem claro que iria abordar o aspecto puramente econômico e afirmou, várias vezes, que o fato de a soja ser ou não transgênica não influenciava em nada neste caso, pelo fato de o produto ser uma "commodity". Segundo ele, para 95% da soja, não existe diferenciação de preço - o que os países procuram é volume. A produção de soja no mundo subiu 70% nos últimos 10 anos, sendo que a produtividade na Argentina, no mesmo período, cresceu 16,6% e, no Brasil, aumentou em 14,5%. Dos anos 80 até 2003, a produtividade no Rio Grande do Sul cresceu 84,8%, comparados a 48,2%, "e isso não tem nada a ver com transgênicos; é o modo como é feito a agricultura", ressaltou novamente.

Fonte: ISA – Instituto Sócio Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Flávio Soares

 
 
 
 

 

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