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CONVENÇÃO
169 DA OIT TRAZ CONTRIBUIÇÃO
PARA A DEFESA DOS POVOS INDÍGENAS
Panorama
Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Agosto de 2003
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Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) entra em vigor no país
Aprovado há um ano pelo Congresso Nacional,
o acordo internacional sobre os povos indígenas
e tribais em países independentes da agência
multilateral da Organização das Nações
Unidas (ONU) traz para o ordenamento jurídico
brasileiro diversas inovações que
contribuirão para a defesa dos povos indígenas.
Ratificada há
pouco mais de um ano, depois de tramitar por 11
anos no Congresso Nacional, a Convenção
169 da OIT entrou em vigor no país na sexta-feira
(25/7) e passa a ser um importante instrumento internacional
na defesa dos direitos indígenas brasileiros.
A adoção da palavra “povos”, fundamentada
no princípio de que os índios são
sociedades permanentes, tem como intuito propiciar
o estabelecimento de uma nova relação
entre os indígenas e o Estado, baseada no
reconhecimento da diversidade cultural e étnica.
Além disso, a utilização do
termo implica outorgar-lhes proteção
e incentivá-los a estabelecer suas próprias
prioridades de desenvolvimento.
A Convenção 169, de 1989, que conta
até o momento com a adesão de 17 países,
está dividida em três seções
principais. A primeira seção preconiza
que os governos devem criar meios que permitam a
participação dos povos indígenas
na tomada de decisões de órgãos
administrativos e instituições legislativas.
Exige também que sejam consultados em relação
a medidas legislativas ou administrativas suscetíveis
de afetá-los diretamente.
Afirma ainda que os povos indígenas têm
o direito de decidir sobre suas prioridades no que
tange ao processo de desenvolvimento, e de gerir,
na medida do possível, seu próprio
desenvolvimento econômico, social e cultural.
Mais do que isso, determina que os governos têm
obrigação de criar as condições
que permitam a esses povos contribuírem ativa
e eficazmente para o processo de desenvolvimento.
Em alguns casos isso pode ser traduzido em ações
de ajuda aos referidos povos para adquirir o conhecimento
e as capacidades necessários para compreender
as opções existentes de desenvolvimento
e tomar as decisões pertinentes.
Em relação a planos e programas de
desenvolvimento que os afetem, os povos indígenas
deverão participar de sua formulação,
execução e avaliação.
Ademais, planos de desenvolvimento econômico
que envolvam áreas ocupadas por comunidades
indígenas e tribais deverão ser concebidos
com vista, entre outras coisas, à melhoria
das condições de vida, geração
de oportunidades de emprego e conquistas educacionais.
A Convenção dispõe também
que os governos deverão executar estudos
que avaliem possível impacto dos programas
e planos de desenvolvimento de execução
prevista nas áreas por eles ocupadas.
A cooperação dos povos indígenas
e tribais deve ser considerada ainda na concepção,
operação e avaliação
dos serviços de saúde e de educação,
inclusive nos programas de formação
profissional que os beneficiem.
Temas específicos
A seção
II da Convenção dispões sobre
temas específicos, como terra, educação,
emprego, formação profissional, artesanato
e atividades rurais, previdência social e
saúde, contatos e cooperação
através das fronteiras, e enumera uma série
de direitos que pressupõem o exercício
da capacidade civil plena, como, por exemplo, o
direito de associar-se, o direito de aderir a sindicatos,
o direito de executar os programas que os afetem,
por exemplo, os serviços de saúde,
entre outros pontos.
Ao tratar sobre território, o documento impõe
que deverá ser reconhecido aos povos indígenas
o direito de propriedade e posse das terras que
ocupam tradicionalmente. Dispõe também
que medidas deverão ser tomadas para salvaguardar
seus direitos de utilizar as terras que não
são necessariamente ocupadas por eles, mas
às quais tradicionalmente têm tido
acesso. O “uso” de terras que esses povos não
ocupam, mas às quais têm acesso para
suas “atividades tradicionais e de subsistência”,
foi reconhecido como um direito adicional e não
como uma alternativa de direito de propriedade.
Desta maneira, a Convenção exige que
os governos reconheçam que, havendo uma ocupação
tradicional, os povos indígenas e tribais
têm efetivamente direitos sobre as terras
em questão. Apesar de não especificar
quando um caso deverá ser considerado como
tal, a disposição deve ser lida no
contexto do artigo 23, que estabelece o reconhecimento
e o fortalecimento das atividades tradicionais,
inclusive a caça e o pastoreiro.
A Convenção inova em relação
ao artigo 231 da Constituição Federal
de 1988, que trata dos direitos indígenas,
e alguns aspectos, portanto, deverão ser
disciplinados. Ainda em vigor, o Estatuto do Índio,
de 1973, apesar de algumas revogações
por força constitucional, tem uma visão
assimilacionista não compatível com
os princípios fundamentais da Convenção
que supõe que os povos indígenas e
tribais podem falar por si mesmos e têm o
direito de participar no processo de tomada de decisões
que lhes dizem respeito.
Seminário
sobre o tema
O Instituto Socioambiental
(ISA), o Warã Instituto Indígena Brasileiro
e a Rainforest Foundation-US, com o apoio da Organização
Internacional do Trabalho, realizarão um
seminário nos dias 11 e 12/8, em Brasília,
para discutir a importância da ratificação
da Convenção 169 da OIT pelo Brasil
e as expectativas jurídicas e políticas
dos povos indígenas em relação
a este novo instrumento internacional. Mais informações
pelo e-mail seminario.169oit@socioambiental.org.
Resumo da
Convenção 169 da OIT
Política Geral - Princípios e condições
básicas que os governos devem respeitar em
suas relações com os povos indígenas
e tribais
A Convenção
estabelece os direitos dos povos indígenas
e tribais de:
- ter uma existência duradoura e diferente;
- definir suas próprias prioridades de desenvolvimento
e de exercer controle sobre o mesmo, na medida do
possível;
- serem consultados de boa-fé, mediante procedimentos
apropriados e por meio de suas instituições
representativas com relação a decisões
susceptíveis de afetá-los diretamente,
inclusive com relação a medidas administrativas
ou legislativas, assim como sobre planos de desenvolvimento;
- manter seus costumes e instituições,
inclusive os métodos tradicionalmente utilizados
para reprimir os delitos cometidos por seus membros,
desde que não sejam incompatíveis
com os direitos fundamentais definidos pelo sistema
jurídico nacional nem com os direitos humanos
internacionalmente reconhecidos.
Os governos deverão:
- definir a que grupos se aplica a Convenção,
com base em critérios objetivos (idioma,
parentesco, costumes, etc.) e na auto-identificação
dos povos indígenas e tribais;
- assegurar aos povos indígenas e tribais
o gozo, em igualdade de condições,
dos mesmos direitos e oportunidades concedidos aos
demais membros da comunidade nacional;
- ajudar os povos indígenas e tribais a eliminar
as diferenças sócio-econômicas
existentes entre eles e os demais grupos da comunidade
nacional;
- respeitar os costumes dos povos indígenas
e tribais, aos lhes aplicar a legislação
nacional, inclusive quando se aplicam sanções
penais;
- estabelecer mecanismos e procedimentos apropriados
de consulta com os povos indígenas e tribais;
- assegurar-se de que se realizem estudos apropriados,
desde que possível, em cooperação
com os povos interessados, para avaliar o impacto
social, espiritual, cultural que possam ter as atividades
de desenvolvimento sobre o meio ambiente. Os resultados
desses estudos servirão de critérios
fundamentais para a execução das ditas
atividades;
- promover as instituições e iniciativas
dos povos indígenas e tribais.
Disposições
Específicas
Terras – compreende
o conceito de territórios, o que cobre a
totalidade habitat das regiões que os povos
indígenas e tribais ocupam ou utilizam de
alguma maneira.
Os governos deverão:
- reconhecer, quando for o caso, a relação
especial que têm os povos indígenas
e tribais com suas terras, inclusive os aspectos
coletivos dessa relação;
- reconhecer os direitos de propriedade e de posse
das terras que tradicionalmente ocupam; o direito
ao uso das terras às quais têm tido
acesso tradicionalmente para suas atividades tradicionais
e de subsistência;
- identificar as terras dos povos indígenas
e tribais e proteger seus direitos de propriedade
e de posse, mediante sanções previstas
pela lei contra toda intrusão não-autorizada
e por meio de procedimentos para resolver as reivindicações
de terras
- proteger os direitos do povos indígenas
e tribais sobre os recursos naturais de suas terras
e territórios, inclusive seu direito de participar
da utilização, administração
e conservação desses recursos;
- consultar os povos indígenas e tribais
antes de realizar trabalhos de prospecção
e de exploração de minerais ou recursos
do subsolo ou outros recursos cuja propriedade seja
do Estado, mas que se encontram nas terras de propriedade
dos povos indígenas e tribais;
- assegurar que os povos indígenas e tribais
percebam uma indenização justa e eqüitativa
por qualquer dano que sofram por essas atividades
e que participem dos benefícios que produzam
as mesmas;
- consultar os povos indígenas e tribais
toda vez que se considere modificar sua capacidade
de alienar suas terras;
- respeitar os procedimentos tradicionais de transmissão,
entre os povos indígenas e tribais, dos direitos
sobre as terras existentes;
- garantir aos povos indígenas e tribais
um tratamento em igualdade de condições
com os demais setores da população
no desenvolvimento dos programas agrários
nacionais;
- os povos indígenas e tribais não
deverão ser removidos das terras que ocupam,
a não ser em caso rigorosamente necessário.
No caso de remoção
de suas terras ancestrais, os povos indígenas
e tribais têm o direito de:
- só serem removidos com seu livre consentimento
e com pleno conhecimento de causa ou ao termo de
procedimentos adequados, inclusive consulta pública;
- regressar a suas terras quando deixarem de existir
as causas que motivaram a remoção
e o reassentamento;
- receber terras em qualidade e estatuto jurídico
iguais às terras que antes ocupavam, caso
não seja possível o retorno;
- ser plenamente indenizados quando forem reassentados.
Contratação
e condições de emprego
Os povos indígenas e tribais têm direito
de:
- ter acesso a emprego, condições
de trabalho, assistência médica e social
e a uma remuneração eqüitativa,
em condições de igualdade com os demais
trabalhadores;
- exercer todas as atividades sindicais lícitas.
Os governos deverão:
- adotar, em cooperação com os povos
indígenas e tribais, medidas especiais para
proteger seus direitos trabalhistas, quando esses
direitos não estejam eficazmente protegidos
pela legislação aplicável aos
trabalhadores em geral;
- evitar qualquer discriminação contra
os trabalhadores indígenas e/ou tribais,
garantindo-lhes proteção contra condições
perigosas de trabalho, constrangimento sexual e
sistemas coercitivos de contratação;
- assegurar que os trabalhadores indígenas
e/ou tribais sejam plenamente informados sobre seus
direitos trabalhistas e procedimentos existentes
para sua proteção.
Formação
profissional, artesanato e indústrias rurais
Os povos indígenas
e tribais têm direito de:
- dispor das mesmas oportunidades de formação
profissional que os demais cidadãos.
Os governos deverão:
- promover e reforçar, quando necessário,
com a participação dos povos indígenas
e tribais, atividades tradicionais relacionadas
com as economias de subsistência, facilitando
adequada assistência técnica e financeira;
- desenvolver programas especiais de formação,
caso necessário, baseado nas necessidades
concretas dos povos indígenas e tribais;
transferir-lhes, quando possível e com sua
anuência, a responsabilidade da organização
e funcionamento desses programas especiais.
Previdência
social e saúde
Os povos indígenas e tribais têm direito
de:
- ser atendidos pelos sistemas de previdência
social ou serviços adequados de saúde,
em âmbito comunitário, respeitados
seus métodos de prevenção,
práticas curativas e medicamentos tradicionais;
Os governos deverão:
- planejar e administrar os serviços de saúde,
em cooperação com os povos indígenas
e tribais, ou lhes proporcionar os meios que lhes
permitam planejar e administrar esses serviços
de uma maneira autônoma;
- dar preferência à formação
e ao emprego do pessoal de saúde da comunidade
local.
Educação
e meios de comunicação
Os povos indígenas e tribais têm direito
de:
- receber educação em todos os níveis
nas mesmas condições que as demais
pessoas da comunidade nacional.
Os governos deverão:
- desenvolver e aplicar, em cooperação
com os povos indígenas e tribais, programas
de educação e serviços adequados
a suas necessidades, com pleno respeito a suas tradições,
cultura e história;
- reconhecer o direito dos povos indígenas
e tribais de criar suas próprias instituições
e meios de educação, desde que satisfaçam
as normas mínimas estabelecidas;
- tomar medidas para que os povos indígenas
e tribais tenham a oportunidade de dominar a língua
nacional ou uma das línguas oficiais do país,
assim como preservar e promover o desenvolvimento
e a prática das línguas dos povos
indígenas e tribais;
- proporcionar conhecimentos gerais e aptidões
que permitam as crianças dos povos indígenas
e tribais participarem plenamente na vida de suas
próprias comunidades e na comunidade nacional;
- adotar medidas adequadas, pelos meios de comunicação
de massas e nas línguas dos povos indígenas
e tribais, para lhes dar a conhecer seus direitos
e obrigações;
- sensibilizar e educar os cidadãos não-indígenas
sobre a situação dos povos indígenas
e tribais a fim de eliminar os preconceitos contra
eles.
Contratos e cooperação
através das fronteiras
Os governos deverão:
- facilitar os contatos e a cooperação
entre povos indígenas e tribais através
das fronteiras, inclusive atividades econômicas,
sociais e culturais e relacionadas com o meio ambiente.
Disposições
gerais e administração - Especifica
as medidas administrativas que os governos devem
tomar para garantir a aplicação da
Convenção.
Os governos deverão:
- criar instituições ou outros organismos
apropriados para administrar os programas que afetam
os povos indígenas e tribais, assegurando-lhes
os meios necessários para seu cabal funcionamento;
- aplicar a Convenção de uma maneira
flexível, levando em conta as condições
e características próprias de cada
país;
- ao aplicar a Convenção, não
reduzir os direitos dos povos indígenas e
tribais por força de outras convenções,
instrumentos internacionais, tratados, leis nacionais
ou costumes ou acordos.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.gov.br)
Assessoria de Imprensa