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CONTAMINAÇÃO
DE RIOS POR PETRÓLEO:
JOGO INVERTIDO
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Maio de 2003
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Contaminação
de rios por petróleo ameaça sobretudo
os peixes com respiração aérea,
uma antiga vantagem evolutiva
Há pouco mais
de 400 milhões de anos, alguns peixes tropicais
começaram a desenvolver uma estratégia
respiratória que se tornou uma vantagem evolutiva
para a ocupação de águas com
baixa concentração natural de oxigênio,
como as dos rios da Amazônia. Em vez de tentar
capturar a pequena quantidade desse gás disponível
no meio líquido, eles se tornaram capazes
de inspirar oxigênio diretamente do ar, característica
que, em maior ou menor escala, perpetuou-se até
os dias de hoje em muitas espécies típicas
de regiões tropicais. Estudos feitos por
pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa) mostram que, se houver
uma contaminação dos rios da região
Norte por petróleo, esse recurso de buscar
oxigênio fora da água pode, ironicamente,
amplificar o risco de envenenamento e morte entre
os peixes.
O perigo é maior entre as espécies
de respiração aérea obrigatória,
como o pirarucu (Araipama gigas), um dos grandes
peixes de água doce do mundo, que pode atingir
2 metros de comprimento e mais de 100 quilos. Ao
longo de sua evolução, esse tipo de
peixe perdeu totalmente a capacidade de retirar
oxigênio dissolvido na água e apresenta
uma bexiga natatória, órgão
que pode fazer as vezes de pulmão. Quando
precisa se abastecer de oxigênio, o pirarucu
tem de necessariamente ascender de tempos em tempos
à superfície, num movimento de sobrevivência,
que o leva a inspirar ar para dentro da bexiga natatória.
Como os vazamentos formam uma película de
óleo sobre a superfície dos rios e
lagos, onde alguns peixes procuram oxigênio,
as espécies de respiração aérea
obrigatória e de respiração
aérea facultativa acabam ingerindo quantidades
elevadas de petróleo, intoxicam-se e morrem
rapidamente. "No caso de contaminação
por óleo, a estratégia evolutiva joga
contra essas espécies de peixes tropicais",
afirma Adalberto Luis Val, um dos pesquisadores
do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução
Molecular do Inpa, que, juntamente com sua equipe,
pesquisa os impactos de vazamentos de petróleo
sobre os peixes da Amazônia.
Sem oxigênio
Num estudo com três
espécies que apresentam diferentes padrões
de respiração, Val levantou evidências
de que a contaminação das águas
por petróleo representa um perigo extra para
peixes que respiram na área de contato entre
o ar e a água ou obtêm o oxigênio
diretamente do ar, como o pirarucu. A equipe do
Inpa simulou vazamentosde óleo em aquários
e analisou o impacto dessa agressão ambiental
em exemplares de pirarucu e de dois tipos de respiradores
aquáticos com adaptações diferenciadas
à falta de oxigênio (hipoxia), o boari
(Mesonauta insignis) e o tambaqui (Colossoma macropomum).
Assim que entraram em contato com o ambiente contaminado,
os três tipos de peixes começaram a
ajustar seus parâmetros fisiológicos
a fim de ampliar ao máximo possível
a absorção de oxigênio e o transporte
desse gás para os seus tecidos. Mas o mais
sensível ao petróleo foi o pirarucu,
justamente a espécie de respiração
aérea obrigatória. "Ele não
tolera mais do que 24 horas num ambiente contaminado
com petróleo, mesmo em baixas doses",
comenta Val. O que menos sentiu os efeitos da contaminação
foi o boari, que retira todo o seu oxigênio
da água e tem uma grande capacidade de suprimir
seu metabolismo e resistir à hipoxia. O tambaqui
sofreu um pouco mais do que o boari o impacto da
situação adversa criada pelo experimento.
Ainda que suscetíveis à presença
de petróleo, o boari e o tambaqui conseguiram
sobreviver em águas contaminadas com petróleo
por até 66 horas, o triplo do pirarucu. O
risco de haver contaminação por petróleo
em rios da região Norte não é
teórico. É real. A Petrobras extrai
diariamente mais de 40 mil barris de óleo,
além de centenas de toneladas de gás
natural, numa área próxima ao rio
Urucu, afluente do Amazonas distante cerca de 700
quilômetros de Manaus. Do ponto de extração,
o petróleo é bombeado por um oleoduto
até o terminal de Solimões, perto
da cidade de Coari.
O óleo é, então, transportado
em barcaças até a capital amazonense,
onde é refinado. "Pode haver vazamento
tanto no momento da extração como
durante o transporte do óleo", diz Val.
"Mas a Petrobras parece se preocupar com o
ambiente e tem apoiado pesquisas sobre o possível
impacto ambiental do petróleo na região
amazônica." Até agora, não
há registro de nenhum grande acidente na
retirada ou transporte do óleo na região
do Urucu, embora pequenos vazamentos de petróleo
já afetem, de modo ainda pouco conhecido,
a diversidade de peixes de ecossistemas tropicais.
Daí o interesse do Inpa em buscar formas
de avaliar a dimensão desse problema.
Fonte: Revista Pesquisa da FAPESP
Online (www.amazonia.org.br)
(www.revistapesquisa.fapesp.br)
Assessoria de imprensa