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RECURSOS
HÍDRICOS:
NOVAS PERSPECTIVAS DE GUERRAS PARA O SÉCULO
XXI?
Panorama Ambiental
Rio de Janeiro (RJ) – Brasil
Maio de 2003
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Muitos são
os que se preocupam atualmente com as conseqüências
políticas, econômicas e sociais da
guerra travada no Iraque. No final da Segunda Grande
Guerra, o presidente Franklin D. Roosevelt dizia
que as tropas norte-americanas só ficariam
em solo europeu por dois anos. Já se passaram
mais de 50 anos, a Guerra Fria foi sepultada e tropas
norte-americanas ainda têm bases naquele continente.
Anteriormente, havia o “império do mal”,
ou como diziam alguns conservadores norte-americanos,
"os cães vermelhos", porém
este não é mais o caso. Neste aspecto,
a situação será diferente no
Iraque ou haverá "eternos" inimigos
na região a serem perseguidos?
Não se deve esquecer que o conflito Israel-Palestina
também faz parte deste imbróglio.
Israel tem armas de destruição em
massa e representa, no imaginário árabe,
uma ameaça aos seus vizinhos. Há décadas
o Estado israelense desrespeita as resoluções
da ONU e nem por isto sofreu qualquer tipo de sanção
da comunidade internacional. Além disto,
há territórios ocupados.
Não é novidade que os EUA precisam
importar cerca de 60% de suas necessidades de consumo
interno de petróleo. Esta situação,
como revelam algumas previsões, tende a se
deteriorar. Sim, existem motivos ideológicos
além do "ouro negro" p/ o ataque
ao Iraque. O livro ”Choque de civilizações”
de Samuel Huntington teve ampla divulgação
nos círculos intelectuais norte-americanos,
apresentando a manutenção da hegemonia
dos EUA como o centro de um esquema de poder dominante
composto basicamente entre os EUA e a União
Européia. Os civilizados – norte-americanos
e europeus - teriam, segundo Huntington, a missão
de organizar o mundo, salvando-o da barbárie.
Em “Diplomacy”, Henry Kissinger diz que, no séc.
XX, a diplomacia norte-americana oscilou e combinou
freqüentemente as concepções
do republicano Theodore Roosevelt (o grande porrete
como instrumento de persuasão) e a do democrata
Wodroow Wilson (criação e o fortalecimento
de um sistema de legalidade internacional). O que,
em princípio, pode parecer uma contradição
de fato, não se revelou como tal. As sucessivas
administrações norte-americanas do
século XX souberam combinar c/ eficácia
estas duas concepções de política
externa na busca dos seus interesses nacionais.
E o que o Brasil tem a ver com isto? Por que discutir
e refletir sobre questões internacionais
quando pouco se pode influenciá-las? O então
ministro das Relações Exteriores Luiz
F. Lampreia do governo FHC chegou a dizer certa
vez que “o Brasil não pode querer ser maior
do que ele é”. A questão não
é bem esta. Existem assuntos e decisões
firmadas em fóruns internacionais que afetam
a vida de milhões de brasileiros e se o País
não tem os meios de influenciar tais decisões,
então ele precisa mobilizá-los, através
de alianças, ou construí-los para
que seus interesses sejam resguardados. As nações
lutaram no passado por questões econômicas
e tudo indica que voltarão a lutar por essas
questões no futuro. A utilização
dos recursos hídricos no mundo, portanto,
já merece a atenção das autoridades
e dos cidadãos do País.
Segundo especialistas, a cada oito segundos uma
criança morre por falta de água -
o que já ocorre, hoje, na África,
China, Índia, Cidade do México, Oriente
Médio e em algumas partes do Brasil. Para
evitar o pior, é preciso parar de poluir,
investindo em saneamento e em técnicas que
possibilitem o aproveitamento sustentável
dos recursos hídricos. Entretanto, este não
é o enfoque que pretendo dar ao tema. Gostaria
de tocar em um tema sagrado para o dogmatismo radical,
utilitarista e abstracionista da ortodoxia liberal:
as relações de interdependência
entre Estados nacionais e iniciativas privadas transnacionais.
É fato que as grandes corporações
já estão se apoderando de reservas
de água doce em todo o mundo e formando cartéis.
Duas delas são francesas - Suez e Vivendi
- e trabalham c/ fornecimento de água pública
em vários países, como Canadá,
Argentina e África do Sul. Além disto,
são grandes engarrafadoras. Nestlé,
Coca-Cola e a Pepsi estão se tornando proprietárias
de redes de minas de água e também
são grandes engarrafadoras. O mercado mundial
da água engarrafada p/ consumo humano cresce
20% ao ano.
Em “Ouro azul”, a canadense Maude Barlow diz que
os EUA já sofrem c/ a escassez de água
e estão forçando o Canadá,
no âmbito do NAFTA, a exportar o “produto”
p/ eles. No contexto de uma ALCA neoliberal, a água
passa a ser um produto comercializável. A
integridade da Amazônia e o aproveitamento
sustentável de seus recursos em benefício
do povo brasileiro estão presentes nesta
questão.
No plano político das relações
internacionais, muitos intelectuais acreditam que
o mundo está vivendo um retrocesso à
doutrina de Theodore Roosevelt: a nação
hegemônica não irá submeter
seus interesses a nenhuma espécie de bem-estar
da comunidade internacional. Historicamente, afirma
Giovanni Arrighi em "Caos e governabilidade",
o papel da nação hegemônica
tem sido o de liderar - impondo via persuasão
em algumas situações - a comunidade
internacional na busca de ordem para o sistema economia-mundo.
Foi assim na administração Clinton,
apesar da crescente propaganda pró-liberalização
dos mercados financeiros que geraram imensa instabilidade
na periferia do sistema.
A História revela que nenhum sistema de legalidade
internacional resiste ao expansionismo da nação
hegemônica caso não haja um mínimo
de equilíbrio de poder entre as nações.
Thomas Hobbes está vivo: “o homem é
o lobo do homem” (Leviatã).
Fonte: Secretaria Estadual de Meio
Ambiente do Rio de Janeiro (www.feema.rj.gov.br)
Rodrigo Medeiros é membro do Centro Brasileiro
de Estudos Latino-Americanos (CEBELA),
professor da Universidade Gama Filho e Doutorando
de Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ.