vem aí
um novo recorde de destruição
para matar os brasileiros de vergonha”, disse
o coordenador da campanha da Amazônia
do Greenpeace, Paulo Adário. “Independente
das medidas a serem adotadas pelo governo
Lula para reverter os números de desmatamento
daqui para a frente, a destruição
já foi feita e a próxima taxa
anual (2002-03) deve mostrar uma goleada das
forças que se dedicam à devastação
da Amazônia. Só há uma
saída: o governo deve adotar o ´Desmatamento
Zero´ - um programa que, a exemplo do
´Fome Zero´, se destine a resolver
o problema a longo prazo”.
Parte da explicação para o aumento
surpreendente está na ampliação
da área plantada na região,
no boom do gado, da soja e do arroz que crescem
sem controle em direção ao coração
da Amazônia. Também pesa a desvalorização
do Real no início de 2001, a maior
competitividade da madeira abatida impunemente
na região, a inexistência de
crédito para manejo sustentável
dos recursos florestais e a crônica
incapacidade de implementação
por parte de órgãos governamentais
fragilizados por anos de sucateamento orçamentário.
Segundo o Greenpeace, o problema fugiu do
chamado “Arco do Desmatamento” - que vai do
Leste e sul do Pará em direção
oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia
e Acre -, impulsionado por um consórcio
madeira-pastagem-produção de
grãos para exportação
(2). Não se trata mais de pequenas
frentes de desmate provocadas por colonos
que se instalam em áreas remotas, mas
grandes áreas de florestas sendo removidas
em regiões até então
distantes do fenômeno de expansão
da fronteira agrícola. Grandes desmatamentos
e frentes de grilagem de terras públicas
estão ocorrendo em Apuí, Lábrea,
Boca do Acre, Novo Aripuanã e Rodovia
do Estanho, no Amazonas, estado até
então bastante preservado.
Em Apuí, num trecho conhecido como
“180”, um único grileiro disse ao Greenpeace
que vai “ganhar US$ 1 milhão” vendendo
terras na área para fazendeiros vindos
do Mato Grosso. Em Lábrea e Boca do
Acre, no sul do Amazonas, mais de 15 mil hectares
ao longo do “Ramal dos Baianos” foram desmatados
entre fins do ano passado e primeiro semestre
deste ano, antes que o Ibama chegasse à
área.
Fortes desmatamentos estão ocorrendo
também na margem esquerda do Rio Amazonas,
ao longo da estrada que sai de Oriximiná
em direção a Prainha, passando
por Óbidos, Alenquer e Monte Alegre,
no Pará. Lá, soja e madeira
fazem a festa. O mesmo ocorre no entorno dos
assentamentos do Incra Moju 1, 2 e 3, entre
Santarém e Uruará, e no sudeste
da chamada “Terra do Meio”, localizada entre
os rios Xingu e Tapajós. O ataque dos
predadores à região se dá
também pelo oeste, vindo de Novo Progresso,
pólo madeireiro às margens da
rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163).
A rodovia, que deverá ser asfaltada
durante o atual governo, virou rota de migração
de plantadores de soja e arroz financiados
pela extração de madeira farta
e de fácil “legalização”.
No mês de junho de 2003, a parte sul
da rodovia, em Mato Grosso, concentrou a maioria
dos focos de queimadas identificada pela Embrapa.
Em Santarém, segundo maior porto de
exportação de madeira do Pará,
a multinacional Cargill inaugurou um porto
graneleiro para escoar a soja. Produtores
do sul invadiram a cidade nos últimos
seis meses e compram toda a terra disponível.
A euforia da soja já está afetando
os igarapés que formam o lago da turística
localidade de Alter do Chão, segundo
lideranças locais. Tudo isso sem qualquer
zoneamento ou controle, ou mesmo estudos para
identificação das reais potencialidades
econômicas da região.
“Os números mostram claramente que
o governo federal tem sido incapaz de deter
o desmatamento na Amazônia”, afirma
Adário. ´É preciso uma
mudança radical de concepção
do modelo econômico adequado à
região, que não pode ser deixado
à mercê das forças de
mercado, com sua visão predatória
e imediatista. O governo federal não
pode se eximir: tem de assumir o comando do
processo, via indução, planejamento
e controle, e não apenas assistir a
festivais.”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
dona de um enorme cacife ambiental, tem insistido
na tecla de que seu ministério, sozinho,
pode fazer pouco para reverter o processo
em curso. Marina Silva diz que as questões
ambientais precisam ser incorporadas ao planejamento
dos demais ministérios. Se o governo
como um todo não assumir a proposta
de Marina e transformar a proteção
da Amazônia numa prioridade nacional,
Lula poderá repetir seu antecessor.
Durante os oito anos de governo Fernando Henrique,
foram desmatados 157 mil km2 de floresta -
um quarto do desmatamento total da Amazônia
desde a chegada dos portugueses em 1500. Seu
ministro do Meio Ambiente, José Sarney
Filho, também ciente da fraqueza estrutural
do MMA, procurou produzir uma “Agenda Positiva”
para a Amazônia, trabalhando em conjunto
com ONGs, adotando medidas contra o desmatamento,
canalizando recursos internacionais para programas
de desenvolvimento sustentável, combate
a queimadas e áreas de proteção.
Essas medidas, no entanto, não atingiram
as verdadeiras causas econômicas e sociais
da destruição da Amazônia,
tais como a ausência do poder público
em muitas regiões, a expansão
da agricultura e da pecuária de larga
escala em terras baratas, a grilagem de áreas
públicas, a concentração
de poder econômico e político
em poucas mãos, a violência impune,
o avanço descontrolado da exploração
ilegal de madeira justificado ideologicamente
por uma visão “desbravadora”, a injustiça
social, a ausência de uma reforma agrária
real nas outras regiões do país
que contivesse o fluxo contínuo de
novos colonos, os assentamentos do Incra em
áreas de floresta, as invasões
estimuladas ou espontâneas etc.
Além da imensa perda de biodiversidade
e da ameaça a povos e culturas tradicionais,
o desmatamento afeta o ciclo das águas
e adiciona, segundo o Ipam (Instituto de Pesquisa
da Amazônia), 200 milhões de
toneladas de carbono à atmosfera anualmente,
transformando o Brasil num dos 10 maiores
vilões responsáveis pelo aquecimento
global.
Estudos científicos já provaram
que grande parte dos solos da região
são impróprios para a agropecuária.
A riqueza da Amazônia está na
floresta em pé. O futuro da região
depende da adoção, pelo país,
de um novo modelo de desenvolvimento baseado
na implantação de uma rede de
áreas protegidas e da sustentabilidade
ambiental e uso responsável dos recursos
naturais.
“As medidas precisam quebrar a associação
perversa entre exploração madeireira
e expansão da fronteira agrícola,
principalmente para monocultura de soja e
pecuária”, completou Adário.
“Permitir a continuidade do desmatamento significa
condenar a Amazônia ao atraso econômico,
à crise social e ao desastre ambiental”.
Em 2001, o Greenpeace já havia proposto
a adoção de um programa nacional
de combate ao desmatamento com o objetivo
de reduzir a zero a perda de cobertura florestal
em 10 anos, ao mesmo tempo em que amplia emprego
e renda através de um modelo de desenvolvimento
responsável. O programa precisa contar
com o apoio financeiro da comunidade internacional
e inclui a criação de uma força-tarefa
interministerial, com a participação
de entidades representativas da sociedade
civil e dos setores produtivos, para deter
o avanço do desmatamento.
Ele inclui:
- Fortalecimento
dos mecanismos de controle de desmatamento;
- Expansão dos programas governamentais
de combate às queimadas;
- Fortalecimento das instituições
encarregadas da proteção ambiental
como IBAMA e Secretarias Estaduais de Meio
Ambiente;
- Implementação dos compromissos
nacionais e internacionais assumidos em 1992
no âmbito da Convenção
da Biodiversidade (CBD) (3);
- Barrar qualquer mudança no Código
Florestal que signifique aumento das áreas
legalmente autorizadas para desmatamento (4);
- Implementação das unidades
de conservação já aprovadas
mas que até hoje não saíram
do papel;
- Implementação de áreas
de uso sustentável - tais como Flonas
e reservas extrativistas consorciadas com
áreas de proteção absoluta
(parques e reservas biológicas) - como
“zonas tampão”. Tais zonas devem ser
criadas prioritariamente nas áreas
críticas, para conter as frentes de
expansão do desmatamento e da exploração
madeireira ilegal;
- Destinação das áreas
griladas na região amazônica
(que, de acordo com dados das CPI da Grilagem
chegam à 100 milhões de hectares,
ou 20% da Amazônia Legal) prioritariamente
para a criação de áreas
de proteção;
- Demarcação de todas as terras
indígenas;
- Apoio à criação e manutenção
de RPPNs - reservas privadas do patrimônio
natural nas áreas de reserva legal;
- Recuperação e uso das áreas
degradadas, que somam cerca de 22% do total
desmatado;
- O adensamento das atividades agropecuárias
em áreas já desmatadas aliada
ao aumento da eficiência tecnológica
(inclusive na indústria madeireira,
que hoje tem índice de perda de 70%);
- Adoção de mecanismos fiscais
que penalizem a madeira proveniente de desmatamento
e beneficiem exclusivamente a produção
de madeira através de manejo florestal
sustentável e passível de certificação
pelo FSC (5). Isso implica investimento na
modernização do parque industrial
madeireiro não predatório e
apoio institucional e financeiro à
projetos de manejo florestal comunitário;
- A adoção, pelas entidades
de crédito e fomento ao desenvolvimento
da Amazônia, da política anunciada
pelo presidente do Banco da Amazônia
(Basa), Mâncio Lima, de que não
vai financiar projetos que envolvam a conversão
da cobertura florestal em desmatamento a partir
de agora (6);
- A atração de investimentos
para atividades de baixo impacto ambiental
- tais como ecoturismo, fármacos naturais,
manejo sustentável dos vários
produtos não madeireiros (fibras, raízes,
óleos, frutos etc);
- Apoio financeiro e capacitação
técnica às populações
das reservas extrativistas, assegurando mercado
para seus produtos;
- Redirecionamento do programa nacional de
reforma agrária para áreas já
desmatadas.
“Conter
a destruição das florestas se
tornou uma prioridade mundial, e não
apenas um problema brasileiro”, concluiu Adário.
“Restam hoje, em todo o planeta, apenas 22%
da cobertura original de florestas primárias
(ou florestas antigas). Cerca de 45% das florestas
tropicais, que cobriam originalmente 14 milhões
de km quadrados (1,4 bilhão de hectares),
desapareceram nas últimas décadas.
No caso da Amazônia Brasileira, o desmatamento
da região, que até 1970 era
de apenas 1%, saltou para quase 16% em 2002.
É preciso interromper o processo antes
que a Amazônia vire uma nova Mata Atlântica,
hoje reduzida a apenas 7% de sua dimensão
original.” |