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FUNAI: COIAB
CRITICA
SUPOSTA INDICAÇÃO DE MÉRCIO
GOMES
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Setembro de 2003
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A Coiab - Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia - divulgou hoje carta em que critica
a suposta indicação, pelo ministro
da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
do antropólogo e indigenista Mércio
Pereira Gomes para a presidência da Funai.
Leia, a seguir, a íntegra da carta:
CARTA ABERTA À
OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL E INTERNACIONAL
Governo Lula ignora
propostas do movimento indígena nacional
sobre o rumo da política indigenista e a
Presidência da Funai
Senhores e senhoras:
No dia 28 de agosto, uma Comissão Nacional
Indígena reuniu-se com o Ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, para lhe apresentar
propostas sobre o rumo da política indigenista,
destacando a indicação, pelo movimento
indígena nacional, do líder indígena
Antônio Apurinã como presidente da
Funai. A Comissão foi composta por lideranças
das seguintes organizações: Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab); Conselho Indígena
de Roraima (Cir); União das Nações
Indígenas do Acre (Uni/AC); Comissão
Pós-Conferência 2000; Coordenação
Geral Indígena Xavante (Cix); Articulação
dos Povos Indígenas do Tronco Lingüístico
Tupi do Pará, Amapá, Maranhão
e Mato Grosso (Amtapama) e Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(Apoinme).
De acordo com as lideranças, "o Ministro
mostrou-se bastante receptivo e disse que vai avaliar
o nome de Antônio Apurinã, considerando
a representatividade do movimento indígena."
A Coiab, no entanto, ficou surpresa com a nota divulgada
na Revista Veja, desta semana, segundo a qual o
Ministro estaria indicando para a Presidência
do órgão indigenista o antropólogo
e velho Brizolista Mércio Pereira Gomes.
Ora, o governo pode até indicar quem quiser,
mas não pode seguir sendo nem refém
de interesses poderosos que sempre o forçaram
a utilizar a questão indígena como
moeda de troca, nem submisso a interferências
de políticos que sempre atuaram contra os
direitos dos povos indígenas na condução
da política indigenista e na nomeação
do presidente da FUNAI, nem muito menos repetidor
de práticas autoritárias, divisionistas,
demagógicas e excludentes. O governo Lula,
através de seu Ministro da Justiça,
mas uma vez, como nas anteriores administrações,
não quis ouvir o clamor dos povos e organizações
indígenas do Brasil.
Não atender a demanda do movimento indígena
que apoiou expressivamente a indicação
de Antônio Apurinã para a Presidência
da Funai, leva-nos até a acreditar que o
potencial presidente da Funai Mércio Pereira
Gomes, tem razão quando afirma em artigo
em que pretende "contribuir para um melhor
entendimento das coordenadas ideológicas
e da trajetória histórica percorrida
pelo PT" que:
"Há inúmeros motivos políticos,
culturais e filosóficos para não se
confiar que o PT é o partido que melhor pode
representar os anseios do Brasil e as necessidades
de ascensão do povo brasileiro... O PT tem
demonstrado ser autocentrado, totalizante, manipulador
de eventos políticos, crítico de oportunidade,
infirme para com parceiros, internamente divisionista
e ilusionista para com os anseios populares... O
PT tem mostrado sua garra para impedir cada e toda
mudança real que não venha de sua
incipiente e limitada criatividade político-cultural...".
Reproduzimos no site da Coiab www.coiab.com.br a
íntegra do Artigo do Antropólogo Mércio
Gomes.
O movimento indígena não admite mais
ser tratado conforme a velha prática indigenista,
integracionista e assistencialista, que considera
os índios relativamente incapazes, tendo
dificuldade em enxergá-los como atores sociais
e sujeitos políticos capazes de conduzir
o seu destino.
Razões para ter um indígena na Presidência
da Funai
1 - A indicação expressiva que as
organizações indígenas do país
fizeram de Antônio Apurinã para a Presidência
da Funai, considerando seu longo histórico
de atuação em defesa dos direitos
e interesses dos povos indígenas, representava
para nós o inicio das mudanças esperadas
pelo movimento indígena brasileiro, cuja
maioria votou no Presidente Lula, colocando a causa
indígena na mesma canoa das mudanças
sociais defendidas pelo Partido dos Trabalhadores;
2 - A nomeação de Antônio Apurinã
teria sido, no mínimo, um fato notável
por ter um índio, pela primeira vez, na presidência
da Funai. Tanto mais se o índio indicado
para o cargo é um respeitado militante do
movimento indígena da Amazônia, com
modo e conteúdo político definidos
e legítimos, no momento em que, também
pela primeira vez, na história nacional,
um notável militante, oriundo do movimento
dos trabalhadores do Sudeste industrializado, é
o chefe do governo deste País;
3 - Atender a demanda do movimento indígena,
teria significado neste momento, por parte do governo,
uma oportunidade para deflagrar um processo de efetivo
reconhecimento e pleno respeito à densidade
histórica dos diferentes povos nativos deste
território, raízes milenares do Brasil,
concretizando garantias à sua existência
e aspirações, compatíveis com
sua história, seus planos de futuro e seu
lugar no mundo.
Acatar a indicação das organizações
indígenas, e sua inclusão na definição
das políticas que lhes diz respeito, portanto,
significaria além de uma decisão histórica,
uma declaração de grande conteúdo
simbólico e de reconhecimento do governo
à dimensão pluriétnica e multicultural
do Brasil, encerrando, assim, 500 anos de extermínio,
discriminação, exploração
e exclusão dos povos indígenas.
4 - Antônio Apurinã faz parte do conjunto
das lideranças e melhores quadros do movimento
indígena para a gestão política
de seus interesses em relação ao Estado
e à sociedade brasileira, e sabemos que presidindo
o órgão indigenista possibilitaria
os mecanismos e processos de participação
que permitam superar velhas práticas clientelistas,
paternalistas e autoritárias que nunca consideraram
a opinião dos índios na definição
das políticas e medidas jurídicas
e administrativas que lhes afeta.
Por isso, a indicação de Antonio Apurinã
para a presidência da Funai pelo conjunto
do movimento indígena não era um gesto
para apenas ter mais um nome na lista de personalidades
dispostas à escolha do Ministro da Justiça.
Antes, essa indicação, no estado de
aguda crise em que se encontra o órgão
indigenista, estava associada a um conjunto de ações
apontadas à deliberação do
governo, para sua execução em aberta
e democrática parceria com o movimento indígena
organizado.
5 - Entre as medidas emergenciais que o movimento
indígena previu como prioritárias
na administração de um Presidente
indígena da Funai estão:
5.1. Priorização de recursos financeiros
para viabilizar a realização das conferências
locais, regionais e nacional e outras medidas que
tenham por objetivo garantir espaços para
a formulação da nova política
indigenista, no âmbito do Conselho Superior
de Política Indigenista;
5.2. Constituição de uma comissão
ampla e representativa no âmbito da Funai
para elaborar um Plano de curto prazo que venha
garantir a governabilidade do órgão,
com apoio das organizações e povos
indígenas do Brasil. Seria um Plano para
implementação imediata;
5.3. Tomar medidas necessárias para descentralizar
as ações administrativas e financeiras
para as AERs, a fim de diminuir a sobrecarga e pressão
sobre a presidência ou órgão
central em Brasília. O Presidente da Funai
precisa de tempo e tranqüilidade para se ocupar
e contribuir com a formulação da nova
política indigenista, contando com a participação
das organizações e lideranças
representativas dos povos indígenas.
6 - Para terminar, apresentamos um resumo da biografia
do líder indígena que o movimento
indígena queria para a Presidência
da Funai.
Antônio Apurinã tem 44 anos, casado
há vinte, tem quatro filhos. Filiado ao PC
do B, é segundo suplente da senadora Marina
Silva, por indicação do movimento
indígena do Estado do Acre, de fecundas relações
com o governo estadual petista de Jorge Viana. Foi
coordenador geral da União das Nações
Indígenas do Acre e Sul do Amazonas - Uni/AC,
por três mandatos; é funcionário
da Funai há 17 anos e integra a atual equipe
gestora da Funai, em Brasília, na função
de Diretor de Assistência, desde 10 de março
de 2003, tornando-se o primeiro índio a ocupar
um cargo de direção na história
deste órgão; com a exoneração
de Eduardo Almeida, é indicado pelas principais
organizações indígenas do País
à condição de ser o primeiro
presidente indígena da Funai.
Este é o caminho que a Coiab e o movimento
indígena do país queriam e querem,
mas parece que o governo optou por não seguí-lo.
O movimento indígena reitera no entanto que
não desistirá em seguir lutando, pela
garantia e o respeito irrestrito aos direitos dos
povos indígenas reconhecidos pela Constituição
Federal em vigor.
Manaus, 03 de agosto de 2003.
Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira
Fonte: www.amazonia.org.br
Assessoria de imprensa