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INESC E
CIMI AVALIAM POLÍTICA INDIGENISTA
DO GOVERNO LULA
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003
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O balanço
divulgado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc) na semana passada analisa questões
como saúde indígena, direitos territoriais
e o PPA 2004-2007, assim como expõe os reduzidos
gastos orçamentários da Funai entre
janeiro e setembro deste ano. Já o documento
lançado pelo Conselho Indigenista Missionário
na quinta-feira (6/11), durante o primeiro dia do
Fórum Social Brasileiro, tem como foco o
aumento dos casos de violência contra os povos
indígenas.
O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
lançou na semana passada em seu site a primeira
avaliação da política indigenista
do governo Lula, elaborada por Ricardo Verdum, assessor
de Política Indígena e Ambiental,
em parceria com a Fundação Böell.
“Um misto de sonho e choque com a realidade, de
incompreensão e perplexidade, de expectativa
e frustração foi criando uma cômoda
tensão no movimento indígena e nas
entidades de apoio aos índios ao longo de
2003. Uma tensão que não é
gerada, unicamente, por questões políticas
e ideológicas, ou por interesses corporativos
e resistências 'irracionais' a mudanças.
Numa alusão aos 'acenos' não concretizados
da campanha eleitoral - contidos parcialmente no
documento Compromissos com os Povos Indígenas,
e passados mais de nove meses que o presidente Lula
assumiu o governo federal, algumas dúvidas
estão se disseminando entre setores dos movimentos
indígena e indigenista: será que este
é o jeito petista de ser governo? Não
é possível existir uma outra forma
de fazer política indigenista governamental
no Brasil? Até quando esperar o que Lula
prometeu?”, questiona o Inesc na abertura do documento.
Em relação à saúde indígena,
são citadas conquistas dos últimos
anos no cenário político e institucional,
como a criação dos Distritos Sanitários
Especiais Indígenas (DSEIs), e destacados
desafios ainda sem respostas, entre os quais a forma
de contrato da Fundação Nacional de
Saúde (Funasa) com as organizações
indígenas e a falta de uma capacitação
continuada das entidades indígenas para atender
às exigências administrativas e gerenciais
dos convênios com a Funasa.
Também são relacionadas as ações
governamentais que estão sendo desenvolvidas
por outros dois ministérios, o da Segurança
Alimentar e Combate à Fome (MESA), que está
articulando políticas específicas
de segurança alimentar, de caráter
emergencial e estrutural; e o do Desenvolvimento
Agrário, que realizará entre 23 e
25 de novembro, em Brasília, o seminário
Política Nacional de Segurança Alimentar
e Desenvolvimento Sustentado dos Povos Indígenas,
para apresentar uma proposta de etnodesenvolvimento
para os povos indígenas.
Em relação aos gastos orçamentários,
o documento aponta que o Ministério da Saúde,
por intermédio da Funasa, foi o que apresentou
o “melhor desempenho”, aplicando 63,75% dos recursos
autorizados, ou R$ 80,2 milhões de um total
de R$ 126,2 milhões.
Educação
A Coordenação
Geral de Educação Indígena
do Ministério da Educação,
entretanto, não desembolsou um centavo dos
R$ 400 mil liberados até setembro, segundo
o balanço. Já a Funai destinou no
mesmo período mais de R$ 2,4 milhões
à edição e distribuição
de material escolar, à capacitação
de professores indígenas, na assistência
de estudantes indígenas fora das Terras Indígenas
(TIs) e à manutenção das escolas
e das casas de estudantes indígenas.
Entre os desafios destacados para o aprimoramento
do sistema educacional indígena estão
a construção de uma maior articulação
do Ministério da Educação e
da Funai, e desta com as Secretarias de Educação,
para a superação da política
de competição que acabou se estabelecendo
entre as instituições, em detrimento
da qualidade de ensino. Outra questão colocada
é a necessidade de ser definida a distribuição
de responsabilidades entre União, Estados
e municípios, para a implementação
de uma política nacional que assegure a especificidade
do modelo de educação intercultural
e bilíngüe às comunidades indígenas.
Direitos
territoriais
De acordo com o documento,
“os direitos territoriais indígenas foram
motivo de 'grandes emoções' nos primeiros
meses de 2003”, citando o encaminhamento dos processos
de homologação de Terras Indígenas
ao Conselho de Defesa e a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 38/99, do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS/RR),
que limita 50% a área de cada estado brasileiro
passível de ser transformada em Unidade de
Conservação (UC) ou Terra Indígena
(TI) assim como acrescenta entre as competências
do Senado a aprovação de demarcações
de TIs. “Os primeiros nove meses de governo terminam
com Lula homologando Terras Indígenas com
processos iniciados no governo anterior, e nenhuma
portaria do ministro da Justiça sendo publicada
para reconhecer os limite de novas áreas
e determinar sua demarcação física.”
Mércio Gomes, o segundo presidente da Funai
neste primeiro ano do mandato de Lula, é
apontado como um nome ligado ao PPS, partido da
base governista que tem crescido, principalmente
na Amazônia, onde elegeu dois governadores
de Estado - Mato Grosso e Amazonas. Afirmações
de Gomes, como “o grande desafio é transformar
as economias indígenas para que elas tenham
autosustentação” e “os índios
devem produzir um excedente para que possam vender
e não precisem mais pedir ajudar” são
destacadas. “O que isso quer dizer, concretamente,
é uma incógnita. Ou não?”
Entre janeiro e setembro, a Funai destinou apenas
R$ 18,8 milhões para atividades relacionadas
à identificação, demarcação
e fiscalização e de Terras Indígenas.
Também foram bastante reduzidos os investimentos
em atividades de auto-sustentação
indígena - capacitação de indígenas
e técnicos e ações de fomento
a atividades produtivas: R$ 4,6 milhões.
E o que vem
pela frente?
Segundo o balanço,
o Plano Plurianual - PPA 2004/2007- contempla os
povos indígenas em dois programas, o de Identidade
Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos
Indígenas e o de Proteção de
Terras Indígenas, Gesto Territorial e Etnodesenvolvimento.
O Programa Identidade Étnica e Patrimônio
Cultural dos Povos Indígenas deverá
contar com R$ 878,8 milhões, a serem distribuídos
entre os Ministérios da Saúde (R$
617,6 milhões), da Justiça (R$ 208
milhões), Educação R$ (9,3
milhões), Desenvolvimento Agrário
(R$ 4,2 milhões) e Gestão do Programa
(R$ 39 milhões). Já o Programa de
Proteção de Terras Indígenas,
Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento
totaliza R$ 294,7 milhões, envolvendo os
Ministérios da Justiça (R$ 248,6 milhões)
e o do Meio Ambiente (R$ 45,8 milhões).
Para o Inesc, “parece se esboçar no PPA 2004/2007
que tanto a Funai quanto a Funasa terão uma
posição de maior importância
na gestão de política indigenista
governamental”.
O documento apresenta ainda uma série de
tabelas detalhadas dos gastos previstos para 2004
- R$ 188 milhões para o Programa Identidade
Étnica e Patrimônio Cultural dos Povos
Indígenas e R$ 63,15 milhões para
o Programa de Proteção de Terras Indígenas,
Gestão Territorial e Etnodesenvolvimento
-, assim como recomenda que o “movimento indígena
e suas organizações acompanhem ativamente
o processo de avaliação do PPA, que
deverá ser revisado anualmente”.
Para finalizar, o boletim reproduz o artigo Democracia?,
de Rinaldo Arruda, professor da PUC-SP e coordenador
do Núcleo de Etnologia Indígena, Meio
Ambiente e Populações Tradicionais,
apresentando no 8º Encontro de Antropólogos
do Norte e do Nordeste, realizado em julho, em São
Luís (MA), no qual aborda a representação
e participação indígena nos
processos de gestão do “campo indigenista”.
A morte ameaça
os povos indígenas, alerta o Cimi
“Os povos indígenas,
os pobres e os excluídos, sonhadores de uma
nova sociedade, despositaram sua esperança
no governo Lula. Porém, diante do quadro
de violências, do não cumprimento das
promessas de campanha eleitoral e dos compromissos
históricas de construção de
uma nova sociedade, a esperança cedeu lugar
à perplexidade.” É assim que se inicia
o documento intitulado Governo Lula: A Morte Ameaça
os Povos Indígenas, divulgado ontem (6/11)
pelo Cimi, durante o Fórum Social Brasileiro
- evento que acontece de 6 a 9/11 em Belo Horizonte,
preparatório para a quarta edição
do Fórum Social Mundial. Após citar
casos de assassinatos recentes, como o de Aldo Macuxi,
na TI Raposa Serra do Sol (RR), e de expor críticas
ao assassinato de 23 lideranças neste ano,
cuja principal origem é relacionada no documento
à política de não-demarcação
e garantia de Terras Indígenas, o Cimi afirma:
“esperava-se que o governo Lula sinalizasse seu
anunciado compromisso de resgatar a dívida
social do país com os povos indígenas,
homologando as terras proteladas por governos anteriores
e implementando uma política indigenista
que garanta os direitos desses povos. Infelizmente
o que se viu foi a barganha de terra indígenas,
como a Raposa Serra do Sol, a redução
de terras indígenas como a Baú (PA)
e a ameaça de transferência dos Kaingaing
e Guarani de seus territórios tradicionais
para terras compensatórias e a sobreposição
de Unidades de Conservação em terras
indígenas”.
Para o Cimi, a situação foi agravada
com a iniciativa da Casa Civil da Presidência
da República de submeter arbitrariamente
a demarcação de Terras Indígenas
às instâncias não identificadas
com os direitos dos povos indígenas, como
o Conselho de Defesa Nacional, numa clara demonstração
de optar por caminhos que dificultem ou impeçam
o reconhecimento constitucional das terras indígenas.
Em relação aos projetos de infra-estrutura
previstos pelo PPA 2004-2007, o conselho afirma
que não só geram violência contra
os povos indígenas, mas agressões
irreparáveis ao meio ambiente.
De acordo com o Cimi, o governo justifica a inércia
em relação à correlação
de forças políticas que não
permitiria cumprir as promessas de campanha. “Na
realidade, assiste-se - desde a ida de Lula a Davos
- a substituição da agenda da campanha
eleitoral pela agenda do FMI, e a substituição
do social pelo econômico. As chamadas 'reformas'
que marcaram as discussões políticas
destes primeiros 10 meses mostraram, mais uma vez,
a subserviência da política brasileira
aos interesses hegemônicos do capital financeiro
e das elites nacionais.”
“Exigimos coerência do atual governo com seus
compromissos históricos e com os compromissos
da campanha. Exigimos respeito aos direitos constitucionais
e ao direito primordial à vida dos povos
indígenas no Brasil. O governo Lula veio
para quê, senão para mudar? Os povos
indígenas e os movimentos retomarão
as suas lutas com mais intensidade para que o sonho
de um outro mundo possível se torne viável”,
encerra, com advertência, o documento.
Fonte: ISA – Instiotuto Sócioambiental
(www.socioambiental.org.br)
Cristina Fontes