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PROJETO
DE LEI DE BIOSSEGURANÇA:
AGORA É COM O CONGRESSO
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003
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O Projeto
de Lei (PL) 2401/03, que tramita na Câmara
dos Deputados desde 31/10 em caráter de urgência
- o que significa que deverá ser votado em
45 dias, ou trancará a pauta de votações
do Plenário -, recebeu 201 emendas. Apesar
de destacar pontos positivos do projeto, entre os
quais a incorporação do princípio
de precaução, parlamentares apontam
aspectos preocupantes, como a mobilização
da bancada ruralista para alterá-lo e a falta
de infra-estrutura para a fiscalização
e a detectabilidade dos transgênicos.
Ainda não se fala oficialmente, mas o líder
do governo na Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo
(PC do B/SP), já está confirmado como
relator do Projeto de Lei (PL) 2401/03, que, entre
outros, estabelece normas de segurança e
mecanismos de fiscalização de atividades
que envolvam organismos geneticamente modificados
(OGMs) e seus derivados, reestrutura a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) e dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança.
Resultado de um conselho interministerial criado
em fevereiro, o PL foi anunciado em uma coletiva
de imprensa em 29/10, na qual estavam presentes
os ministros da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Roberto Rodrigues, do Meio Ambiente, Marina Silva,
da Casa Civil, José Dirceu, e da Ciência
e Tecnologia, Roberto Amaral. Tramitando em regime
de urgência na Câmara dos Deputados
desde quarta-feira (31/10), o projeto tem um prazo
de 45 dias para ser encaminhado ao Senado, ou trava
a pauta de votações do Plenário.
Recebeu 201 emendas, 46 delas de autoria do deputado
federal Darcísio Perondi (PMDB/RS), que apresentou
também um substituto ao texto original.
“A nossa expectativa é a de que o PL passe
no Congresso sem mudanças significativas”,
diz Rubens Nodari, da Secretaria de Biodiversidade
e Florestas do Ministério do Meio Ambiente
(MMA). “Quando ele foi lançado, Lula disse
que este era um projeto do governo, e o fato de
eles nomearem o líder na Câmara como
relator é um indício de que não
se pretende negociar os pontos polêmicos,
porque, se eles os negociarem, vão abrir
uma brecha sem precedentes.”
A escolha de Aldo Rebelo é vista com mais
distanciamento pelo coordenador da campanha Por
um Brasil Livre de Transgênicos, Jean Marc
von der Weird. “A indicação tem seu
lado bom e o lado ruim. Como líder do governo,
ele está, pelo menos formalmente, obrigado
a refletir a posição governamental;
o que ele fizer, vai ter respaldo do núcleo
duro. Mas ele é uma pessoa que não
tem muita convicção sobre o assunto
e deve tentar negociar com a cabeça própria,
o que pode entrar em conflito com alguns pontos
já acordados.”
Jean Marc lembra o desgaste do governo com a assinatura
da última Medida Provisória, liberando
a comercialização da safra de soja
geneticamente modificada (2003/2004), e faz uma
análise política do que pode acontecer
nos próximos 90 dias: “O governo teve uma
crise séria na mão [com a ameaça
de a Marina Silva deixar o ministério], e
o Dirceu, como todo bom político, recuou.
Mas isso não significa que tenham mudado
a posição: eles querem a liberação
– não dá para saber bem por que, mas
eles querem liberar. Então, fez-se um projeto
de lei que sai com a cara do Ministério do
Meio Ambiente, embora seja um projeto do governo,
mas que pode ser destroçado no Congresso,
enquanto a imagem do governo frente à Marina
fica intacta. O único jeito de esse projeto
passar do jeito que está no Congresso é
se o governo o assumir e jogar duro. Se o governo
jogar duro, ele passa”.
Da relatoria, o projeto parte para a Comissão
Especial criada no dia 4/11 para analisar o PL 2401/03,
de onde seguirá para a votação
em Plenário. A batalha promete: escolhido
para presidir a Comissão está o deputado
Silas Brasileiro (PMDB/MG), cafeicultor e integrante
da bancada ruralista.
“Já se tem notícias de que a bancada
ruralista está se mobilizando para simplificar
o projeto”, diz o deputado José Sarney Filho
(PV/MA). “Ele tem o desenho correto, e o Partido
Verde vai votar fechado com a proposta do governo,
embora a questão do estudo de impacto ambiental
não esteja colocada claramente. Mas, se a
bancada ruralista insistir em simplificá-lo,
vamos propor uma emenda para que, desde já,
se faça estudos de impacto ambiental para
os transgênicos plantados.”
A visão do deputado João Alfredo (PT/CE),
da Frente Parlamentar pela Biossegurança
e pelo Princípio da Precaução,
é parecida. “A passagem pelo Congresso é
uma questão crucial, porque a gente sabe
o peso que a bancada ruralista tem. Queremos que
o governo trate a matéria como proposta de
governo. Não vamos admitir que esse projeto
seja entregue às feras, não queremos
perder as conquistas que nós conseguimos.”
Elogios...
João
Alfredo considera uma vitória a elaboração
do projeto de lei. “O PL é importante, porque,
do ponto de vista da regulamentação
da matéria, abrange várias demandas
históricas do movimento ambientalista, demandas
que estavam sendo defendidas também pela
ministra Marina Silva. É fundamental o fato
de que o projeto estabelece, já em seu artigo
2º, a observação do Princípio
da Precaução.”
Se o PL passar como está, a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) passa de 18 para 26 integrantes, obtendo
um acréscimo de dois cientistas, um representante
da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca,
e cinco representantes da sociedade civil, outro
ponto positivo ressaltado pelos ambientalistas.
A medida, de acordo com uma nota oficial emitida
pela Casa Civil em 31/10, “contribuirá decisivamente,
para recuperar a credibilidade da CTNBio”. O órgão
também terá caráter deliberativo
apenas caso considere que determinado pedido, seja
para pesquisa ou comercialização de
um produto, não preenche os quesitos de segurança
necessários. Caso o parecer seja favorável,
ainda deve haver a manifestação dos
ministérios relacionados e de mais uma entidade
política criada: o Conselho Nacional de Biossegurança,
destinado a assessorar o presidente da República
sobre o tema (veja como ficaria a nova CTNBio e
os trâmites de um pedido para utilização
de OGMs).
“O Conselho de Ministros só se pronuncia
em última instância, após a
aprovação das instâncias anteriores.
Ele pode entender que, do ponto de vista do comércio
externo, do mercado interno, por razões de
Estado, pode não ser interessante aprovar
a comercialização de determinado OGM”,
explica o deputado João Alfredo. Além
disso, todos os pedidos já aprovados pelo
órgão (como é o caso da soja
Roundup Ready, da Monsanto) deverão ser revistos
para se adequarem à nova lei.
...e
críticas
Acompanhando
a questão de perto, o Instituto de Defesa
do Consumidor (Idec) fez, em nota divulgada no dia
5/11, uma das críticas mais persistentes
com relação ao tipo de estudo que
será avaliado pela CTNBio: “O projeto não
faz referência a um importante aspecto, que
é a confiabilidade dos dados apresentados
pelas empresas à CTNBio e demais órgãos
governamentais responsáveis pelo registro
dos OGMs. (...) Não devem ser aceitos estudos
relacionados a segurança alimentar e impacto
ambiental oferecidos pela própria empresa
interessada na liberação do produto
se os mesmos não tiverem sido publicados,
realizados ou revisados por pesquisadores independentes,
pois não há como avaliar a metodologia
e seus resultados”.
Outro crítico com relação à
matéria é o deputado Fernando Gabeira
(RJ), ainda sem partido após ter saído
do PT, há menos de um mês: “O PL tem
coisas boas e está mais ou menos inspirado
na lei de biossegurança australiana, mas
há três lacunas principais, relacionadas
às questões de monitoramento, rotulagem
e rastreamento. Por exemplo, falta referência
ao relatório de estudo de impacto ambiental;
na lei européia, o sistema de monitoramento
prevê um processo com 52 normas para ver o
que aconteceu quando você colocou um transgênico
no meio ambiente, se isso estava previsto ou não
no estudo de impacto ambiental. A questão
da rotulagem também não está
bem clara. O projeto não diz a partir de
quantos por cento ela será feita e devolve
isso para um regulamento posterior”.
O Estudo de Impacto Ambiental, no PL, é requerido
de forma indireta, mais ou menos como se faz hoje.
Em seu artigo 2º, o projeto diz que, observado
o Princípio da Precaução, as
normas de segurança devem atender ao disposto
na Lei 6.938/81, que, por sua vez, estabelece ao
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) a competência
para requisitar tais estudos quando julgar necessário
(art. 8º, inciso II). Com a publicação
da Resolução nº 305, em 2002,
ele se tornou obrigatório, independentemente
de uma lei de biossegurança.
Já quanto à questão da rotulagem,
o artigo 22 do PL prevê que alimentos e ingredientes
alimentares contendo transgênicos devem estar
rotulados, “conforme regulamento, sem prejuízo
do cumprimento da legislação de rotulagem
vigente” (atualmente, o Decreto 4.680, de abril
deste ano, diz que todos os produtos cuja composição
total contenha mais de 1% de organismos transgênicos
devem ser identificados). Porém, o parágrafo
2º deste artigo determina que um novo regulamento
poderá estabelecer uma quantidade mínima
de presença de OGMs que dispense tal rotulagem.
Mas a apreensão de Fernando Gabeira não
pára por aí: “O que me preocupa não
é só o PL, mas a criação
de um sistema para fazer funcionar uma política
de biossegurança. Isso envolve treinamento
de pessoas, fiscalização, criação
de métodos para fazer exame... Não
existe essa infra-estrutura no Brasil, e este é
um processo que ainda não está sendo
discutido. Não pode acontecer o que houve
com as Medidas Provisórias [113 e 131]. Por
exemplo, o projeto prevê que seja crime, passível
de três anos de prisão, quem transporte,
produza ou armazene [OGMs] sem autorização,
mas isso é impraticável, porque não
há condições de avaliar, a
olho nu, quem está ou não transportando
transgênicos em uma carga. Para isso, é
necessário que se crie sistemas de análises
do material - deveria-se trabalhar mais na questão
da rastreabilidade, que é mais importante;
o rastreamento é um instrumento de controle
maior do que a detectabilidade”.
De acordo com Rubens Nodari, do Ministério
do Meio Ambiente, pode-se esperar boas notícias
em breve na questão do melhoramento da infra-estrutura:
“Com a aprovação da Câmara do
Protocolo de Cartagena, teremos US$ 200 mil liberados
nos próximos meses para negociar com os estados
a questão da fiscalização e
para fazer treinamento de novos analistas, tanto
do Ibama quanto dos órgãos estaduais
de meio ambiente. Um problema que nós estamos
cientes é a questão da infra-estrutura
laboratorial, mas acho que podemos sensibilizar
o governo a liberar recursos no próximo ano,
que poderão ser usados para equipar o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), por exemplo. Mas isso
já teria que ser no âmbito de projeto
de governo, não somente do MMA”.
Além disso, o ministério vem se organizando
para facilitar as pesquisas, outro ponto previsto
no Projeto de Lei. Como anunciado durante um seminário
da USP, na semana passada, a norma para a liberação
de áreas de estudos para OGMs está
sendo revisada: “Isso já está na consultoria
jurídica do Ibama e do MMA, deve ser liberado
ainda nesta ou na próxima semana. Os próximos
passos serão revisar as normas para experimentos
com contenção e a concessão
de registros especiais temporários. A nossa
única restrição é a
de que as pesquisas sejam bastante confinadas –
nós prestaremos atenção principalmente
quanto ao descarte dos objetos de pesquisa e do
tipo de OGM a ser pesquisado”.
Curtas
-
Enquanto
o Projeto de Lei de Biossegurança era preparado
para ser enviado ao Congresso, o Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
aprovou um empréstimo de US$ 40 milhões
para a fábrica de glifosato da Monsanto
que está em construção em
Camaçari (BA), “com fins de exportar matéria-prima
para a produção de defensivos agrícolas”.
A unidade instalada no estado é a maior
da multinacional fora dos Estados Unidos e já
havia recebido, em dezembro de 1999, R$ 285 milhões
do Fundo de Investimento do Nordeste (Finor),
o equivalente a 40% da construção
e a 61% do orçamento previsto para o fundo
naquele ano. O investimento geraria 319 empregos.
-
A
Câmara dos Deputados solicitará ao
Ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto
Amaral, dados sobre as autorizações
já concedidas para atividades com organismos
geneticamente modificados. O requerimento, elaborado
pelo deputado João Alfredo (PT-CE), foi
aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor,
Meio Ambiente e Minorias nesta quarta-feira (5/11);
assim que for entregue ao ministro, este terá
um prazo de 30 dias para informar quais foram
as autorizações dadas, se está
sendo realizado o monitoramento e se as empresas
autorizadas a trabalhar com transgênicos
possuem o Certificado de Qualidade em Biossegurança,
exigido por lei.
-
Será
instalada na terça-feira (11/11) a Comissão
Parlamentar de Inquérito do Senado Federal
para apurar as responsabilidades sobre o contrabando
e o plantio de soja transgênica ilegal no
país. Já estão indicados
os nomes de João Capiberibe (PSB-AP), Geraldo
Mesquita (PSB-AC), Siba Machado (PT-AC), Maria
do Carmo Alves (PFL-SE), Jonas Pinheiro (PFL-MT),
Leonel Pavan (PSDB-SC) e Reginaldo Duarte (PSDB-CE).
Os outros quatro titulares, dos onze necessários
à CPI, devem ser indicados em breve.
-
Idec,
Insituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Fórum
Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor,
entre outras instituições, apresentaram
nesta quarta-feira (5/11) ao presidente da Comissão
de Ética Pública, João Geraldo
Piquet Carneiro, uma representação
contra o ministro da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento, Roberto Rodrigues. As entidades
questionam as atitudes e omissões de Rodrigues
em relação ao plantio e comercialização
da soja transgênica no país e pedem
a instauração de processo disciplinar
para apurar violações ao Código
de Conduta da Alta Administração.
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