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VIOLAÇÕES
AOS DIREITOS INDÍGENAS
SÃO RELATADAS À ANISTIA INTERNACIONAL
Panorama Ambiental
São Paulo (SP) - Brasil
Novembro de 2003
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Durante sua visita
ao Brasil na semana passada, a secretária geral
da AI, Irene Khan, reuniu-se com representantes da
Coiab, do Cimi, do ISA e da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados pouco antes
do seu encontro com o presidente Lula, na quinta-feira
(13/11) à tarde. Ouviu diversas críticas
relacionadas à política indigenista
do atual governo, como a demora em promulgar a Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Sobre este assunto, ouviu do presidente
que esta é “uma questão burocrática,
que encontra-se na Casa Civil e será resolvida
em breve”.
Talkane, da Coordenação das Organizações
Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab),
quebrou o gelo inicial da reunião com a secretária-executiva
da Anistia Internacional, Irene Khan, lendo o documento
final do Primeiro Fórum Permanente dos Povos
Indígenas da Amazônia, realizado em Manaus,
entre 3 e 6/11. As organizações indígenas
que assinam o texto – a Coiab, a Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas
do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo
(APOINME); a Coordinadora de las Organizaciones Indígenas
de la Cuenca Amazónica (COICA); entre outros
- reivindicam uma rubrica específica no orçamento
nacional para atender as demandas e as necessidades
dos povos indígenas; segurança a todas
as Terras Indígenas e que seja homologada,
em área contínua, a Terra Indígena
(TI) Raposa Serra do Sol (RR); garantia de vida ao
povo Cinta-Larga, com proteção à
sua terra e respeito à decisão da não-entrada
de invasores em seu território; garantia da
extensão territorial de todas as TIs do país
e não a sua diminuição como aconteceu
com a TI Baú (PA), do povo Kayapó; entre
outros. Talkane entregou uma cópia do documento
para Irene Khan, solicitando que ela o repassasse
ao presidente Lula.
Edem Magalhães, coordenador do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), também comentou
pontos de um documento, Governo Lula: A Morte Ameaça
os Povos Indígenas divulgado pela instituição
no dia 6/11, durante o Fórum Social Brasileiro.
Destacou o aumento do número de assassinatos
de lideranças indígenas neste ano, as
negociações e as tentativas de mudança
do procedimento de demarcação de Terras
Indígenas, incluindo a redução
da TI Baú e o envio de processo de homologações
ao Conselho de Defesa Nacional; e a não promulgação
da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)– tratado sobre os
povos indígenas e tribais em países
independentes da agência multilateral da Organização
das Nações Unidas (ONU) ratificada em
julho de 2002 pelo Congresso Nacional - pelo presidente
Lula.
O aumento expressivo de bases militares dentro ou
próximos de TIs , sobretudo na Amazônia,
foi outro tema tratado durante a reunião. “Isso
desencadeia uma série de práticas lesivas
às comunidades indígenas; são
inúmeros os casos de violência sexual,
seqüestros e torturas, especialmente em Roraima
e no Alto Rio Negro (AM) relacionados à presença
de militares em TIs”, afirmou Magalhães. “O
fortalecimento do projeto de militarização
e ocupação das fronteiras, como o Calha
Norte, mostra que o atual governo dá continuidade
à política colonialista dos governos
anteriores.”
Para exemplificar o continuismo como marca do primeiro
ano do governo Lula, Sebastião Carlos Moreira,
secretário-adjunto do Cimi, citou projetos
de infra-estrutura na Amazônia que faziam parte
do Programa Avança Brasil, de FHC, eram criticados
pelo PT e pelo movimento ambientalista devido aos
seus impactos, e foram mantidos no Plano Plurianual
(PPA) 2004-2007; a expansão das fronteira agrícola
na região e as propostas de governos estaduais,
como o Mato Grosso, Blairo Maggi, de que seja dada
uma trégua de dois anos na demarcação
de Terras Indígenas no Estado.
“O que parece é que a atual política
é uma política de negociação
de direitos”, disse Moreira.
Irene Khan saiu com a mesma impressão da reunião
realizada no dia anterior com o ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos. “Não recebemos
dele uma resposta satisfatória", afirmou
Irene, referindo-se aos casos de assassinatos de lideranças
indígenas.
A advogada Ana Flávia Rocha e a antropóloga
Ticiana Imbroisi, do Programa de Direito e Política
Socioambiental do ISA, reforçaram as críticas
à não-homologação da TI
Raposa Serra do Sol, ao descaso com os Cinta-Larga,
à presença de militares em TIs e à
política desenvolvimentista priorizada pelo
governo Lula, e entregaram à secretária-executiva
da Anistia Internacional uma cópia do documento
entregue ao embaixador do Brasil na Organizações
dos Estados Americanos (OEA), Valter Pecly Moreira,
por Joênia Wapichana no qual são tratadas
algumas dessas questões.
Mateus Afonso Medeiros, analista legislativo da Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
pediu apoio para traduzir para o inglês o relatório
da caravana realizada em outubro por três parlamentes
da Comissão dos Direitos Humanos a sete Terras
Indígenas, que será lançado na
próxima terça- feira. Em relação
aos Cinta-Larga, sugeriu que a Anistia Internacional
apoiasse uma acusação formal contra
o governo brasileiro em relação ao genocídio
desse povo. “São nove funcionários da
Fundação Nacional do Índio (Funai)
para protegê-los, e uma pressão enorme,
inclusive do governador de Rondônia para a reentrada
dos garimpeiros na área. Eles aprenderam a
ser garimpeiros e querem uma forma de regularizar
a exploração do diamante existente em
suas terras.”
A secretária geral da AI perguntou aos participantes
sobre o andamento do Estatuto do Índio, considerada
uma questão primordial pela Frente Parlamentar
em Defesa dos Povos Indígenas. Ticiana explicou
que alguns temas abordados pelo estatuto estão
sendo negociados paralelamente, como é o caso
da educação e da saúde indígena,
que ganharam nos últimos anos leis específicas.
“Ficou claro pelo o que eu ouvi de vocês, que
não se abriu, ainda, um diálogo entre
os povos indígenas e o governo atual. Parece
que há pouco interesse pelo o que ouviu aqui
e pelo o que eu ouviu, ontem, do ministro da Justiça”,
afirmou Irene no encerramento da reunião.
Diversos assuntos foram tratados no encontro da secretária
geral da AI com Lula, principalmente questões
relacionadas à segurança pública
e à campanha da instituição de
controle da comercialização de armas
de pequeno porte na América do Sul. Irene,
entretanto, não deixou de questionar o governo
em relação à homologação
das Terras Indígenas e à Convenção
169. Apesar da resposta evasiva sobre o primeiro tema,
em relação à promulgação
do tratado internacional da OIT, ouviu de Lula que
“esta é uma questão burocrática,
que encontra-se na Casa Civil e será resolvida
em breve”.
Fonte: ISA – Instituto Sócio
Ambiental (www.socioambiental.org.br)
Cristiane Fontes |